Aspectos gerais acerca do assédio moral
Guilherme Nascimento Meireles*
I - Introdução
O tema ainda é muito novo e polêmico, e devido a sua relevância, já é destaque na doutrina, legislação e jurisprudências, despertando cada vez mais o interesse da comunidade jurídica.
Com a evolução socioeconômica mundial, a alta taxa de desemprego passou a ser, e ainda é, um elemento fundamental na manutenção e divulgação do sistema capitalista, pois garante a própria sobrevivência somente o trabalhador que estiver sempre disposto a tudo para se manter no emprego.
O modelo criado pela globalização é o do trabalhador produtivo que consegue não apenas alcançar, mas ultrapassar as metas fixadas e gerar cada vez mais lucro para as empresas. Devido a isso, muitos deixam de lado seus princípios éticos e morais, desprezam o próximo, desrespeitam as diferenças étnicas, sociais, religiosas e políticas, tornando-se um sujeito insensível e sem escrúpulos, fazendo de tudo para se manter no emprego.
Esse modelo também gera uma redução das relações interpessoais no local de trabalho, distanciando os laços de amizade dentro da empresa, podendo com isso acarretar atritos entre empregados e chefia, como também entre os próprios subordinados, vindo a culminar na prática de procedimentos moralmente reprováveis pela sociedade.
Geralmente, as empresas estipulam metas a serem alcançadas pelos trabalhadores sem critérios de bom-senso e razoabilidade, acarretando uma grande pressão moral no ambiente de trabalho. As conseqüências dessas tensões repercutem na vida cotidiana do trabalhador, com sérias interferências na sua qualidade de vida, gerando desunião social e transtornos psicológicos muita vezes irreversíveis.
É nesse quadro, portanto, que se identificam as figuras do assédio moral, ocorrendo as pressões e humilhações constantes e duradouras realizadas pelo superior hierárquico em relação ao seu subordinado, podendo ser também entre pessoas de mesma hierarquia, tendo quase sempre por foco as preocupações com a produção de cada um, culminando em conseqüências danosas nos âmbitos físico, emocional e psicológico do trabalhador, podendo culminar em gravíssimos riscos à saúde humana.
Vale a pena ressaltar que a Consolidação das Leis do Trabalho (clique aqui) foi promulgada no ano de 1943, e já naquela época, mesmo sem se utilizar da expressão "assédio moral", já tratava desse assunto em seu artigo 483, alínea "e":
Art.483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
Podemos então, com base na CLT, confirmar que a prática de abusos contra o trabalhador é muito antiga, e que na falta de uma lei específica acerca do assédio moral, deve-se aplicar as fontes subsidiárias.
Atualmente já vigoram inúmeras leis específicas sobre o tema no âmbito público municipal, algumas de âmbito público estadual, diversos projetos de lei em trâmite em todas as esferas, e inclusive projetos de lei para reforma do Código Penal, tornando crime à prática de assédio moral, com a pena de detenção e ao agressor.
Portanto, pela relevância do tema e as conseqüências danosas que podem gerar a saúde do trabalhador, o Judiciário reconhece a prática do assédio moral aplicando penas e indenizações aos assediadores, porém, para que isso ocorra, a prova da prática do assédio moral é o mais importante para que seja configurado.
II - A Importância da prova
No mundo jurídico o tema "prova" é de extrema importância. Nada pode ser movimentado na Justiça se o titular do direito não possuir o mínimo de base probatória para comprovar o direito alegado.
Não é diferente então, quando tratamos do assédio moral. Dada a complexidade de confirmação e configuração da prática do assédio moral, o trabalhador deve basear seu pedido na Justiça com pelo menos algumas provas específicas e decisivas de que foi durante algum certo tempo vítima dessa prática.
Desse modo, assim que a vítima perceber o desenvolvimento de um processo de assédio moral deverá catalogar todas as provas necessárias a uma futura demonstração de tal situação.
Logo, não adianta levar uma pretensão de reconhecimento do assédio moral se não houver um mínimo de provas perante o juízo. Sabemos muitas vezes que o processo de assédio moral realmente tenha ocorrido, ou seja, está configurado na prática, mas se a vítima não tem uma base probatória capaz de sustentar suas alegações, na demanda judicial ela não saíra vencedora e seu pedido será negado.
Cabe, portanto, ao advogado, fazer uma análise das provas que a vítima possui, sempre orientando o cliente a esse respeito, contribuindo para a credibilidade da consolidação desse instituto perante o Judiciário.
III - Configuração do Assédio Moral
Na falta de uma previsão legal específica sobre assédio moral em nosso ordenamento jurídico, é necessário uma adequada visão geral dos elementos técnicos e científicos da matéria, tendo que se analisar a risca o conceito doutrinário, casos análogos e observando os limites para a sua caracterização, de forma que isso permita uma boa compreensão do instituto.
É no dia-dia das relações de trabalho que a prática do assédio moral pode ser detectada. Alguns comportamentos típicos do agressor, conjugados com a prática reiterada, tornando-se repetitiva ao longo do tempo é que se configura o assédio moral. Vale ressaltar que essas condutas sendo realizadas isoladamente, não caracterizam o assédio moral.
Portanto, a correta caracterização do assédio moral no trabalho se faz necessária em virtude da dificuldade dos estudiosos do tema em identificar o que seja realmente tal fenômeno.
Diante dessa dificuldade da caracterização do assédio moral, temos que observar vários requisitos, senão vejamos:
(a) A dimensão da violência empregada – temos aqui que quantificarmos o número de ataques contra a vítima e a repercussão dessas investidas ao seu íntimo psicológico;
(b) A duração dos ataques – uma questão muito subjetiva, mas muito importante, pois já se sabe que o assédio moral não resulta de um único ato atentatório à integridade do trabalhador, mas prorroga-se no tempo e é sempre coincidente com o tempo necessário para se conseguir o resultado pretendido.
(c) Objetivo – é recolher a vítima a uma situação de incômodo tal que esta aceite as normas do ofensor, acabando com a auto-estima do ofendido e fazendo com que este deixe de produzir seus pensamentos e atitudes contrárias ao interesse do agressor.
(d) Potencialidade das agressões – para que as atitudes do agressor sejam interpretadas como assédio moral é preciso que elas sejam capazes de lograr o êxito pretendido, ou seja, não basta a mera conduta, é preciso alcançar o resultado pretendido, na medida em que as investidas são realizadas, elas serão capazes de reduzir a vítima à condição almejada pelo agressor.
Diante de tais requisitos, podemos nos basear também nos estudos e pesquisas da doutrinadora Marie France Hirigoyen1, que relata que "o assédio moral não se confunde com estresse, conflito profissional, excesso de trabalho, falta de segurança, trabalho em situação de risco ou ergonomicamente desfavorável". Tudo isso não é assédio moral.
Alguns exemplos do que seja o assédio moral no ambiente do trabalho é, segundo a mesma autora, práticas reiteradas e duradouras de recusa da comunicação direta, desqualificação, descrédito, isolamento, obrigatoriedade ao ócio, vexame, induzir ao erro, mentira, desprezo, abuso de poder, rivalidade, omissão da empresa em resolver o problema, ou ação da empresa em estimular métodos perversos.
Nesse sentido, a prática do assédio moral é um plano de destruição lenta e gradativa. Quando um sujeito perverso está decidido a destruir a vítima, este retira o direito de conviver com os demais colegas. A vítima pode ser afastada do local onde normalmente desempenhava suas funções, colocada para trabalhar em local de condição inferior e obrigada a desempenhar tarefas sem importância, incompatíveis com sua qualificação técnica profissional, pode ser humilhada, hostilizada ou pode ser colocada de lado, sem fazer absolutamente nenhuma função.
Segundo a respeitável pesquisadora Médica do Trabalho Dra. Margarida Barreto, a caracterização do assédio moral se dá pela seguinte forma:
Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho, em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados, associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o "pacto da tolerância e do silêncio" no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, "perdendo" sua auto-estima2.
Portanto, os prejuízos à saúde psíquica e moral do trabalhador, ferindo o seu psicológico e sua dignidade, são elementos indispensáveis para que se configure a o assédio moral.
IV - Conseqüências do assédio moral
A humilhação nem sempre é explícita, mas é concreta, e como visto há diversas formas de se rebaixar o trabalhador. O assédio moral nas relações de trabalho revela-se como uma das formas mais poderosas de violência sutil nas relações organizacionais, causando sérios riscos à saúde do trabalhador, sendo mais freqüente com as mulheres e adoecidos.
Sua prática pode se realizar invisivelmente, nos modos mais perversos e arrogantes das relações autoritárias no ambiente de trabalho. A humilhação repetitiva e prolongada tornou-se prática costumeira dentro das empresas, onde predomina o menosprezo e a indiferença pelo sofrimento dos trabalhadores.
Freqüentemente os trabalhadores assediados são responsabilizados pela queda da produção, acidentes e doenças, desqualificação profissional, demissão e conseqüente desemprego. Por medo da demissão, passam a produzir acima de suas forças, ocultando suas queixas e limitações, podendo com certo tempo isso se tornar uma doença e causar sérios riscos à saúde do trabalhador.
A violência dentro das empresas e no setor público se concretiza em intimidações, difamações, ironias e constrangimento do agressor diante de todos, como forma de impor o controle e manter a ordem.
O trabalhador humilhado ou constrangido passa a vivenciar depressão, angústia, distúrbios do sono, conflitos internos e sentimentos confusos que reafirmam o sentimento de fracasso e inutilidade.
A manifestação dos sentimentos e emoções nas situações de humilhação e constrangimentos são diferenciadas segundo o sexo, e enquanto as mulheres que são humilhadas expressam sua indignação com choro, tristeza, ressentimentos e mágoas, os homens sentem-se revoltados, indignados, desonrados, com raiva, traídos e têm vontade de vingar-se. Sentem-se envergonhados diante da família, sobressaindo o sentimento de inutilidade, fracasso e a baixa auto-estima. Isolam-se de seus familiares, evitam contar o acontecido aos amigos, passando a vivenciar sentimentos de irritabilidade, vazio, revolta e fracasso. Passam a conviver com depressão, palpitações, tremores, distúrbios do sono, hipertensão, distúrbios digestivos, dores generalizadas, alteração da libido e pensamentos ou tentativas de suicídio, o que configura um dia-dia sofrido. É este sofrimento imposto nas relações de trabalho que revela o adoecer, pois o que adoece as pessoas é viver uma vida que não desejam que não escolheram e que não suportam.
Todas essas conseqüências atingem a vida afetiva, social e o próprio ambiente de trabalho. O Assédio Moral desestabiliza o trabalhador aos poucos, em alguns casos não suportando a pressão, se sente culpado e pede demissão. Em outros casos o próprio chefe nas entrelinhas de suas agressões, sugere que ele peça demissão.
No Brasil, essas conseqüências pela prática do assédio moral foram comprovadas por pesquisa realizada pela Dra. Margarida Barreto3, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Essa pesquisa constatou que num universo de 2072 trabalhadores, de 97 empresas, na Cidade de São Paulo, entre 1996 e 2000, sendo que destes, 870 (41,99%) apresentaram histórias severas de humilhação no trabalho ou assédio moral em razão de terem sofrido acidente do trabalho ou simplesmente adoecido (494 mulheres – 56,78%; 376 homens – 43,22%).
Diante dessa brilhante pesquisa, e da constatação que e a prática do assédio moral é mais usual em nosso cotidiano do que imaginávamos, convém destacar também algumas maneiras que o trabalhador, quando visto diante de tais situações e agressões, deva adotar:
• Resistir, anotar com detalhes todas as humilhações sofridas (dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome do agressor, colegas que testemunharam conteúdo da conversa.
• Dar visibilidade, procurando a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que testemunharam o fato ou que já sofreram humilhações do agressor.
• Evitar conversar com o agressor sem testemunhas. Ir sempre com colega de trabalho ou representante sindical.
• Procurar o sindicato e relatar o acontecido para diretores e outros órgãos como: médicos ou advogados do sindicato, Ministério Público, Justiça do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos.
• Recorrer ao Centro de Referência em Saúde dos Trabalhadores e contar a humilhação sofrida ao médico, assistente social ou psicólogo.
• Buscar apoio junto a familiares, amigos e colegas, pois o afeto e a solidariedade são fundamentais para a recuperação da auto-estima, dignidade, identidade e cidadania.
Vemos então a necessidade do trabalhador assediado estar sempre informado e atento às condutas estranhas que começar a perceber no local de trabalho. O combate a essa prática deve ser detectado, denunciado e ser extinto logo de seu conhecimento, pois deixar a prática se perdurar no tempo, como visto, pode lhes trazer sérios danos.
V - Conclusão
Diante de tais considerações podemos dizer que o assédio moral trata-se de uma forma de humilhação, desprezo ou inação realizada no local de trabalho, em que um superior hierárquico ou colega de trabalho pratica repetidamente e durante certo período de tempo, contra outro colega, com o objetivo de desestabilizar e destruir sua auto-estima, podendo acarretar sérios riscos à saúde do agredido.
Para banir esse quadro, primeiramente cabe ao próprio trabalhador assediado se manifestar diante de tal ocorrência, denunciando a prática para que o responsável seja punido. Por ser o assédio moral uma agressão muitas vezes até disfarçada, provar a caracterização do dano e estabelecer o nexo causal é de extrema importância.
Concomitante a isso, a sociedade deve repensar profundamente no atual modelo do ambiente de trabalho, buscando banir a prática do assédio moral, para que as relações interpessoais no ambiente de trabalho sejam cada vez mais harmoniosas e saudáveis à saúde do trabalhador.
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1 HIRIGOYEN, Marie France. A violência perversa do cotidiano. Tradução: Maria Helen Huhner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
2 BARRETO, Maria. Uma Jornada de Humilhações. 2000, Dissertação (Mestrado <_st13a_personname productid="em Psicologia Social" w:st="on">em Psicologia Social) - PUC/SP.
3 BARRETO, Maria. Uma Jornada de Humilhações. 2000, Dissertação (Mestrado <_st13a_personname productid="em Psicologia Social" w:st="on">em Psicologia Social) - PUC/SP.
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*Advogado do escritório Mirian Gontijo e Advogados Associados
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