A inconstitucionalidade no tratamento desigual das empresas do setor do petróleo pelo regulamento do Imposto de Renda
Ana Carolina Barbosa*
Estas condições atreladas à situação infindável de conflitos nos grandes países produtores e exportadores de petróleo aquece o mercado nacional e desvenda um novo perfil de investidores nas rodadas de licitações da Agência Nacional de Petróleo, os consórcios formados por empresas nacionais.
Desde 1995, com a Emenda Constitucional nº. 9/95 (clique aqui), a União está autorizada a conceder ou autorizar as pesquisas, a exploração de jazidas de petróleo e gás natural, além da industrialização, importação e exportação dos produtos derivados básicos e refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, atividades que eram de seu monopólio. A regulamentação desta possibilidade se deu com a Lei nº. 9.478/97 (Lei do Petróleo – clique aqui), que dispôs:
"Art. 4º. Constituem monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal (clique aqui), as seguintes atividades:
I - a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural.
Art. 5º. As atividades econômicas de que trata o artigo anterior serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede de administração no País."
A alteração da Constituição Federal por meio de Emenda Constitucional e a instituição da Agência Nacional do Petróleo com a regulamentação do setor abriu a possibilidade das empresas privadas explorarem um mercado que antes era exclusivo da Petrobras.
Apesar da clara intenção do legislador constituinte em abrir o mercado no setor, o baixo preço do petróleo na época e a necessidade de altos investimentos na descoberta de novos campos de petróleo e gás natural anularam qualquer intenção das empresas nacionais à época, mas hoje a situação verificada é inversa.
Com a participação crescente das empresas nacionais na exploração do petróleo e do gás natural, ficou clara a necessidade de adequação da legislação fiscal sobre a matéria.
O Regulamento do Imposto de Renda – Decreto nº 3.000/99 (clique aqui) traz dispositivo claramente inconstitucional, in verbis:
"Art. 416. O Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRAS poderá deduzir, para efeito de determinação do lucro líquido, as importâncias aplicadas, em cada período de apuração, na prospecção e extração de petróleo cru (Decreto-Lei nº 62, de 21 de novembro de 1966, art. 12 – clique aqui)."
Há que se destacar a falha na redação do dispositivo que, por ser posterior à Lei do Petróleo deveria manter coerência nos termos técnicos utilizados, ou seja, prospecção e extração deveriam ser substituídos por exploração e produção.
Mas o que mais surpreende é que o dispositivo somente garante o direito à Petrobras, de dedução das despesas para efeito de determinação do lucro líquido, em flagrante afronta ao Princípio da Isonomia e da Livre Concorrência.
Ora, a partir do momento em que se possibilitou às empresas nacionais serem concessionárias das atividades de pesquisa, exploração e industrialização de petróleo e gás natural, e equiparou todas as concessionárias no que diz respeito às obrigações, é inadmissível a discriminação para fins tributários da Petrobras.
A impossibilidade de tratamento tão desigual é garantia constitucional, in verbis:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos".
Não há como se questionar que hoje todas as empresas concessionárias dos serviços da União relacionados a petróleo são legalmente equiparadas, não sendo justificável garantir-se à Petrobras tratamento tão vantajoso na apuração do Imposto de Renda devido.
A aplicação do Princípio da Igualdade pelo Supremo Tribunal Federal mantém estreita vinculação com as finalidades estatais, de modo que somente é considerado atentatório o tratamento diferenciado injustificadamente entre os contribuintes¹.
O Supremo ainda não tem estabelecidos os critérios utilizados para a aplicação do Princípio da Igualdade sob o aspecto de limitação ao poder de tributar, mas pela análise das decisões verifica-se que o dispositivo do Regulamento de Imposto de Renda seria facilmente questionado.
Não há justificativas plausíveis para se privilegiar a Petrobras, quando a intenção da União com a alteração da Constituição Federal e a Lei do Petróleo foi exatamente incentivar os investimentos de empresas nacionais na exploração e produção de petróleo e gás natural².
O tratamento diferenciado da Petrobras ainda afronta o Princípio da Livre concorrência, previsto na Constituição Federal em seu artigo 17, inciso IV:
"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (...)
IV - livre concorrência;"
Diante do exposto, resta clara a inconstitucionalidade do dispositivo e a necessidade de sua alteração pelo legislador, para permitir a todas as empresas a dedução dos gastos exploratórios e de desenvolvimento no momento de apuração do lucro líquido.
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¹ Recurso Extraordinário nº 203.954-3-CE, Relator Ministro Ilmar Galvão, DJ 07.2.97 (Tribunal Pleno, maioria).
² De acordo com a jurisprudência do STF, o tratamento diferenciado pode ser justificado por fundamento constitucional, mas no presente caso o que se verifica é exatamente o contrário. RE nº 236931-8-SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, DJ 10.8.99.
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*Advogada do escritório Homero Costa Advogados
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