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Regime Jurídico de concessão e arrendamento nos portos brasileiros

A exploração dos portos organizados e de suas respectivas instalações portuárias é de competência e titularidade da União, nos termos do artigo 21, inciso XII, “f”, da Constituição Federal. Tal exploração, entretanto, pode ser dar de forma direta ou indireta, ou seja, por meio de autoridades públicas ou mediante operadores que atuem sob delegação de obrigações e direitos, incluindo-se, nesta última hipótese, a iniciativa privada.

12/8/2004


Regime Jurídico de concessão e arrendamento nos portos brasileiros


Vanessa Rosa*

A exploração dos portos organizados e de suas respectivas instalações portuárias é de competência e titularidade da União, nos termos do artigo 21, inciso XII, “f”, da Constituição Federal. Tal exploração, entretanto, pode ser dar de forma direta ou indireta, ou seja, por meio de autoridades públicas ou mediante operadores que atuem sob delegação de obrigações e direitos, incluindo-se, nesta última hipótese, a iniciativa privada.

Os instrumentos jurídicos pelos quais a exploração de portos e de instalações portuárias pode ser transferida a empresas privadas estão devidamente previstos e regulados em Lei, cabendo-nos, neste artigo, analisar especificamente esses instrumentos e as regras a eles aplicáveis, investigando, assim, as formas pelas quais podem ser realizadas parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada no setor portuário brasileiro.

Para esse propósito, cumpre examinar sobretudo as Leis 8.630/93 e 10.233/01, bem como os Decretos 4.122/02 e 4.391/02, que as regulamentam. A Lei 8.630/93 dispõe sobre o regime jurídico de exploração dos portos organizados e das instalações portuárias, ao passo que a Lei 10.233/01 versa acerca da reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre e cria a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, entre outras providências.

I. Concessão de Portos Organizados

De acordo com o supracitado artigo 21, da Constituição Federal, “Compete à União: ..... XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: ..... f) os portos marítimos, fluviais ou lacustres”. No caso da transferência, à iniciativa privada, da exploração e administração de porto organizado e da prestação dos respectivos serviços públicos envolvidos, o instrumento jurídico adequado e necessário será a concessão, a ser outorgada mediante prévia licitação e por contrato devidamente formalizado, consoante preconiza a Lei 10.233/01, especificamente em seu artigo 14, I, “a” e § 1º.

A outorga da concessão para a exploração de portos organizados é da competência da Agência Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAQ, bem como a celebração do contrato correspondente e sua gestão e fiscalização. Vale notar que mesmo os contratos firmados antes da criação da agência devem estar reunidos sob sua administração, mantendo-se resguardados todos os direitos das partes.

Os atos de outorga de concessão de portos organizados devem ser perpetrados em observância à Lei 8.987/95 (ou seja, a lei que versa sobre concessões de serviços públicos em geral), bem como às regras aplicáveis contidas tanto na Lei 10.233/01 como nas regulamentações que sejam publicadas pela ANTAQ.

Faz-se oportuno analisar o conceito de “porto organizado”, a fim de tornar mais claro e preciso qual o objeto de uma concessão que vise à exploração de tal infra-estrutura pela iniciativa privada. À luz da mencionada Lei 8.630/93, em seu artigo 1º, § 1º, I, a definição para “porto organizado” é “o construído e aparelhado para atender as necessidades de navegação e da movimentação e armazenagem de mercadorias, concedido ou explorado pela União, cujo tráfego e operações portuárias estejam sob a jurisdição de uma autoridade portuária”.

Portanto, no caso de concessão à iniciativa privada, a empresa concessionária será a “autoridade portuária”, ou “Administração do Porto”, nos termos da Lei 8.630/93, estando as suas atribuições elencadas no artigo 33 de tal norma legal. Estará sob sua responsabilidade a administração do porto como um todo, devendo realizar as obras e investimentos previstos no contrato e que se fizerem necessários no curso da concessão, bem como fiscalizar as operações portuárias e arrecadar as respectivas tarifas, entre outras obrigações e direitos estabelecidos na referida Lei.

O contrato de concessão a ser celebrado entre a União e a empresa concessionária privada deve estar em plena consonância com as regras do edital e os estritos termos da proposta vencedora, além de ser obrigatório que contenha as cláusulas reputadas como essenciais na Lei 10.233/01, como, p.ex., aquelas concernentes ao prazo de vigência e condições de prorrogação; aos deveres relativos à exploração da infra-estrutura e à prestação dos serviços; às tarifas a serem auferidas; aos pagamentos, investimentos e garantias a serem executados pela concessionária; aos critérios para reversão de bens e ativos; aos procedimentos necessários para eventual transferência da concessão; às sanções aplicáveis em casos de infrações e às hipóteses de extinção da concessão, entre outros temas.

Assim é que a concessão abrange a administração e exploração do porto organizado como um todo, o qual se constitui de instalações portuárias diversas. Essas instalações podem ser objeto de arrendamento mediante prévia licitação e celebração de contrato, figurando como partes, de um lado, a Administração do Porto arrendante (que poderá ser uma concessionária privada, caso a exploração do porto tenha sido concedida, ou uma autoridade administrativa, caso a União o explore diretamente ou mediante convênio com Estado ou Município), e de outro, uma empresa privada, a arrendatária.

Tal contrato de arrendamento de instalações portuárias está regulado pela Lei 8.630/93 e pelo Decreto 4.391/02, não se confundindo em seus contornos jurídicos com o contrato de concessão do porto organizado (embora ambos integrem o gênero dos contratos administrativos, estando sob regime público), valendo, portanto, examinar as suas peculiaridades.

II. Arrendamento de Instalações Portuárias

As instalações portuárias, inicialmente sob administração da empresa concessionária que explora o porto organizado (ou a autoridade pública que o faça, em casos em que não ocorreram concessões à iniciativa privada), podem ser arrendadas para exploração de empresas interessadas, estando os respectivos contratos de arrendamento regulados na Lei 8.630/93 e no Decreto 4.391/02, pelo qual, inclusive, foi instituído o “Programa Nacional de Arrendamento de Áreas e Instalações Portuárias”.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o contrato de concessão de porto organizado e o contrato de arrendamento de instalações portuárias de modo algum se confundem, tendo este último âmbito mais limitado, restringindo-se à exploração (com ou sem construção, reforma e/ou ampliação) de determinada instalação portuária, ao passo que a administração do porto como um todo, inclusive dos contratos de arrendamento, ficam a cargo da empresa concessionária.

A celebração de tal espécie de contrato deve ser precedida de licitação, bem como de consulta à autoridade aduaneira e ao poder público municipal e de aprovação do Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente – RIMA.

A exploração de instalações aeroportuárias mediante arrendamento poderá ser para uso público ou para uso privativo (neste último caso, para movimentação apenas de carga própria ou de carga própria e de terceiros determinados). No caso de exploração para uso público, o objeto do arrendamento deve estar limitado à área do porto organizado.

A Lei 8.630/93, especificamente em seu artigo 4, § 4º, estabelece as cláusulas essenciais do contrato de arrendamento, valendo destacar as seguintes: especificação da área arrendada; prazo do arrendamento; forma e condições da exploração das instalações e dos serviços correlatos; critérios indicadores de qualidade do serviço a ser prestado; valor do contrato, compreendendo a remuneração pelo uso da infra-estrutura integrante da instalação arrendada; cronograma físico-financeiro de obras e investimentos a realizar; reversão dos bens aplicados no serviço; fiscalização das instalações, equipamentos e serviços; garantias a serem prestadas; responsabilidades por descumprimento do contrato; hipóteses de extinção; cumprimento de medidas necessárias à fiscalização aduaneira, entre outras disposições.

Sendo o contrato de arrendamento de natureza administrativa, é imprescindível que seu prazo tenha limite, de modo a não perpetuar a relação jurídica da Administração Pública com apenas uma empresa privada, privilegiando-a em detrimento de outras igualmente capazes e idôneas. Por essa razão, a Lei determina não apenas que o prazo deve ser fixado no contrato, mas também que o limite máximo de sua vigência é de 50 (cinqüenta) anos, contando-se já eventual prorrogação, a qual só poderá ocorrer uma única vez, por prazo máximo igual ao originalmente avençado e desde que haja previsão no edital e no próprio instrumento contratual.

Note-se também que o regime de reversão de bens a ser aplicado no arrendamento de instalações portuárias deve ser o mesmo aplicável às concessões de serviço público, previsto na Lei 8.987/95. Dessa forma, os investimentos realizados pela arrendatária nas instalações que integrem o porto organizado deverão reverter à União, devendo a empresa ser indenizada caso tais investimentos ainda não tenham sido amortizados.

O arrendamento de instalação portuária situada nos limites da área do porto organizado e destinada a uso público será precedido de licitação, cuja abertura poderá ser requerida à Administração do Porto por interessado na construção e exploração de tal instalação. O respectivo contrato de arrendamento, portanto, será celebrado com o vencedor do certame.

Já a exploração de instalação portuária destinada a uso privativo será concedida mediante autorização, por ato unilateral da União, à pessoa jurídica que demonstrar capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. Tal autorização será formalizada por meio de contrato de adesão, que deverá conter muitas das cláusulas essenciais ao contrato de arrendamento de área para uso público. Note-se ainda que as instalações exploradas para uso privativo serão fiscalizadas pelas autoridades aduaneira, marítima, sanitária, de saúde e de polícia marítima.

Vale mencionar ainda que é juridicamente possível também o arrendamento de terrenos e instalações portuárias, localizadas dentro da área do porto organizado, para utilização não afeta às operações portuárias. Para tanto, faz-se necessária não apenas o devido procedimento licitatório como também prévia consulta à administração aduaneira.

Embora a celebração de contratos de arrendamento seja de competência da Administração do Porto, a Agência Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAQ, criada em 2.002, deverá também participar e acompanhar, ainda que indiretamente, de tais negócios jurídicos existentes no âmbito do porto organizado.

Nesse sentido, o Decreto 4.391/02, que instituiu o Programa Nacional de Arrendamento de Áreas e Instalações Portuárias, dispõe que este integrará o Plano Geral de Outorgas de Exploração de Infra-Estrutura Aquaviária e Portuária e de Prestação de Serviços de Transporte Aquaviário, a ser apresentado pela ANTAQ ao Ministério dos Transportes. Ademais, determina também que a execução de tal programa caberá à autoridade portuária, que deverá atender, por sua vez, as normas a serem editadas pela ANTAQ (além das Leis pertinentes, inclusive a 8.666/93, que rege as licitações e contratos administrativos em geral).

Saliente-se que, nos termos de tal decreto, as licitações para arrendamento de instalações aeroportuárias deverão ser precedidas de estudos que compreendam a análise econômico-financeira, o valor mínimo da remuneração do bem a ser arrendado e o exame da rentabilidade do empreendimento. Tais estudos serão procedidos por empresas regularmente contratadas, mediante licitação, para fazê-los, devendo ser produzidos relatórios detalhados com base nos quais o edital será elaborado e publicado, instaurando-se o certame.

Previamente à tal instauração, entretanto, esses relatórios deverão ser analisados pela ANTAQ e também encaminhados, juntamente com os estudos de impacto ambiental, também obrigatórios, ao Tribunal de Contas da União, para conhecimento.

As medidas previstas no Decreto 4.391/02 visam, certamente, à maior segurança jurídica e planejamento no âmbito dos arrendamentos de áreas e instalações portuárias, embora possam, na prática, causar delongas excessivas e anti-econômicas nas contratações. No entanto, tendo em vista ser recente a criação da ANTAQ e do referido Programa Nacional de Arrendamento, aos poucos tais questões deverão ser equacionadas de modo a não causar procedimentos licitatórios intermináveis, resultando em não atendimento às necessidades operacionais em tempo razoável.

III. Agência Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAQ

Consoante já afirmado, a ANTAQ foi criada por meio da Lei 10.233, de 6 de junho de 2.001, a qual dispõe também sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, bem como foi instituído o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transportes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT).

Como as demais agências reguladoras até então criadas no Brasil, a ANTAQ tem natureza de pessoa jurídica de direito público integrante da Administração Federal indireta e submete-se a regime autárquico especial, estando vinculada ao Ministério dos Transportes. Sendo uma autarquia especial, a agência tem independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes.

Os portos organizados estão abrangidos na esfera de competência da ANTAQ, juntamente com a navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e de longo curso; assim como os terminais portuários privativos, o transporte aquaviário de cargas especiais e perigosas e a exploração da infra-estrutura aquaviária.

Especificamente no âmbito dos portos organizados, cumpre destacar as principais competências atribuídas à ANTAQ, de forma a verificar sobretudo a participação da Agência nas concessões e arrendamentos levados a efeito no setor portuário.

Assim, cabe à ANTAQ: propor ao Ministério dos Transportes o plano geral de outorgas de exploração de infra-estrutura portuária; elaborar e editar normas e regulamentos referentes à exploração de infra-estrutura portuária; reunir, sob sua administração, os instrumentos de outorga de infra-estrutura portuária firmados antes da vigência da Lei que criou a agência; aprovar, após comunicação ao Ministério dos Transportes, as propostas de revisão e de reajuste de tarifas apresentadas pelas Administrações portuárias; estabelecer normas e padrões a serem atendidos pelas autoridades portuárias; publicar os editais, conduzir as licitações e celebrar e gerir os contratos de concessão de portos organizados; e cumprir e fazer cumprir as cláusulas relativas aos bens reversíveis à União.

À luz de tais disposições, bem como das regras abordadas nos itens anteriores, constata-se que a participação da ANTAQ nas concessões e nos arrendamentos realizados no âmbito do setor portuário é distinta. Nas concessões, a própria ANTAQ instaurará os certames e celebrará os respectivos contratos, em nome da União (titular da exploração dos portos organizados), gerindo-os durante toda a execução contratual, ao passo que nos arrendamentos, a agência apenas participará editando normas sobre a matéria e a aprovando programas gerais, sendo que a licitação e o contrato ficarão sob responsabilidade direta da autoridade portuária (ou seja, da Administração do Porto, seja uma entidade administrativa ou uma concessionária privada).

Há que se considerar ainda que a ANTAQ tem também a competência lega expressa “de supervisão e de fiscalização das atividades desenvolvidas pelas Administrações Portuárias nos portos organizados” (artigo 51-A, caput, da Lei 10.233/01), o que significa que a agência acompanhará estritamente os atos da empresa concessionária e também as atividades concernentes aos arrendamentos realizados, mesmo não sendo, neste último caso, a parte contratante da avença.

Os portos brasileiros, em muitos casos, já encontram-se sob administração e exploração da iniciativa privada mediante concessão, bem como muitas de suas áreas e instalações estão sob arrendamento a empresas devidamente contratadas para tal escopo. Com a criação da ANTAQ, o setor vem sendo regulado e fiscalizado de modo que possa atender com mais eficiência e satisfatoriedade tanto aos interesses dos usuários e de empresas privadas aptas a serem parceiras do Estado, como ao interesse público primordial de desenvolver e modernizar tal relevante setor de infra-estrutura, revertendo-se em benefícios à coletividade e ao erário público.

Sendo recente a criação da ANTAQ, a sua participação efetiva nas concessões e arrendamentos poderá ser verificada e avaliada com o tempo e com o aprimoramento constante de suas atividades, de forma a trazerem efetivamente mudanças positivas. As atividades da agência podem ser porventura modificadas num futuro próximo, em decorrências de eventual alteração da legislação referente a agências reguladoras como um todo, embora os termos gerais dos negócios jurídicos entre Poder Público e iniciativa privada na esfera portuária possam permanecer tal como vigentes atualmente.

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* Advogada do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais









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