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COFINS - Imunidade e atividades filantrópicas

No campo das imunidades, a Carta Maior estabeleceu a não incidência da COFINS em duas hipóteses, definidas no artigo 150, VI, c e 195, § 7º.

10/8/2004

COFINS - Imunidade e atividades filantrópicas


Morvan Meirelles Costa Júnior*

No campo das imunidades, a Carta Maior estabeleceu a não incidência da COFINS em duas hipóteses, definidas no artigo 150, VI, c e 195, § 7º.

Para o presente estudo, analisaremos somente a segunda hipótese, a qual refere-se à imunidade concedida às entidades beneficentes de assistência social, traçando seus limites objetivos e subjetivos, mormente para reconhecimento das atividades filantrópicas como abarcadas por dito benefício tributário.

Este benefício é definido pelo artigo 195, § 7º da Constituição Federal, nos seguintes termos:

“Art. 195 – (...)

(...)

§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.”

Apesar do texto tratar expressamente de “isenção”, a doutrina majoritária acertadamente entende tratar-se do instituto de imunidade, em função da “roupagem” constitucional da norma.

José Eduardo Soares de Mello assim considera:

“As entidades beneficentes de assistência social (arts. 203 e 204 da CF) encontram-se imunes às contribuições sociais à seguridade social (art. 195, I e par. 4º), não só porque perseguem objetivos públicos (saúde, previdência e seguridade), mas também porque a expressão ‘isenção’ (art. 195, par. 7º) é equivocada, significando efetiva imunidade (origem constitucional)”.

Ocorre que esta norma constitucional contém eficácia limitada, já que remete à legislação infraconstitucional a prerrogativa de regulação dos dispositivos de que trata.

Também aqui, José Eduardo Soares Mello:

“A ‘lei’ mencionada (art. 195, par. 7º), para gozo da desoneração das contribuições sociais (autêntica imunidade), é a lei complementar (no caso, o CTN, recepcionado pelo par. 5º do art. 34 do ADCT), não tendo eficácia legislação ordinária que estabeleça condições diferenciadas (declarações de utilidade pública, federal, estadual e municipal, certificado de registro em órgão público, etc.)”.

Este entendimento tem enorme relevância para a aplicabilidade da norma, como veremos a seguir.

A Lei 9.732/98, em seu artigo 4º, impôs às entidades acima (beneficentes de assistência social) a necessidade de cumprir os requisitos estabelecidos nos incisos I, II, III, IV e V do artigo 55 da Lei 8.212/91, a saber:

“Art. 55 – Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;

II - seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos;

III - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência;

IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;

V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades.”

Lembramos que segundo o artigo 146, II, da Constituição Federal, é de competência exclusiva de lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Portanto, não só considerando que a norma constitucional instituidora da imunidade ora em exame contém eficácia limitada, e não contida, não se admitindo, assim, a redução de sua aplicabilidade em função de legislação infraconstitucional que lhe restrinja o alcance, o que é o caso do artigo 55 supra transcrito, deve-se invocar a regra constitucional do artigo 146, II, como acima, o qual reserva competência privativa à lei complementar em regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, ou seja, as imunidades.

Sob esse entendimento, qual seria então a legislação aplicável, vez que a Lei Complementar 70/91 não se atem à regulação a ela constitucionalmente delegada?

O Código Tributário Nacional - CTN, que fora promulgado, na sistemática da Constituição Federal de 1946, como Lei Ordinária, foi recepcionado pelas Constituições seguintes, 1967 e 1988, como Lei Complementar, já que o conteúdo de suas normas é de competência exclusiva, na nova estrutura, dessa forma legal (vide artigo 146 da Constituição Federal).

Portanto, entendemos que cabe ao CTN, e somente a este, regular a imunidade supra.

Para tanto, invoca-se o artigo 14 e 9º do citado Código, os quais dispõem o que segue:

“Art. 14 – O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado;

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.”

“Art. 9º - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

IV – cobrar imposto sobre:

(...)

c) o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo;

(...)”

Infere-se da análise dos dispositivos acima que o obstáculo que se aventa, não se refere à fruição de imunidade, independentemente dos requisitos estabelecidos pela Lei 8.212/91, mas sim quanto à caracterização de entidade de assistência social.

O conceito de assistência social

O conceito de assistência social encontra contornos na própria Constituição, de início no art. 6º da CF, que assim define os direitos sociais:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e assistência aos desamparados, na forma desta constituição.”

E mais adiante, nos arts. 203 e 204, II, explicitando, respectivamente, o que se entende por assistência social e a participação da sociedade nesse âmbito:

“Art. 203 – A assistência social será prestada a quem dela necessitar independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Art. 204 – As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I – (omissis)

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.”

Conforme preconiza Celso Ribeiro Bastos, “entende-se por serviços assistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos na Lei nº 8742/93. As ações sociais têm o intuito de estimular a educação, amparar a maternidade e a infância, socorrer as famílias de prole numerosa e proteger a juventude contra todo tipo de exploração, bem como contra o abandono físico, moral e intelectual. (...) Essa, como já foi visto, é uma característica essencial da assistência social: a participação da sociedade em todas as suas atividades”.

A imunidade é, pois, a contrapartida que a Constituição assegura aos particulares que deixam de dedicar-se a atividades lucrativas ou de interesse pessoal, para desempenhar atividades de interesse público e de cunho altruístico, que o Estado não consegue atender plenamente.

Daí que a desoneração contemplada no art. 195, § 7º da CF tem por finalidade, precisamente, estimular a sociedade a organizar-se para suprir as deficiências do organismo estatal, colaborando com o Poder Público no exercício de tais atividades, que têm fim público, mas que o Estado, sozinho, não consegue desempenhar de modo satisfatório, como é o caso da saúde ou da educação.

O termo “beneficente”, também ligado à idéia de solidariedade, é um conceito de conteúdo constitucional e de direito privado, utilizado pela lei maior para estabelecer um limite ao poder impositivo do Estado relativamente à formação de sua receita derivada. Nessa medida, não pode ser alterado pela legislação tributária – nem mesmo pela lei complementar – por vedação expressa do art. 110 do CTN, in verbis:

"Art. 110 – A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

Com efeito, na expressão “entidade beneficente de assistência social”, resta inequívoco que o termo “beneficente” indica a qualidade ou natureza que a entidade deve ostentar para fazer jus à imunidade; já a locução “assistência social” refere-se ao tipo de atividade que deve ser por ela desenvolvida para esse fim.

Nesse sentido, buscam interesses de outrem as sociedades que atuam em benefício de alguém que não a própria entidade ou os que a integram. É o caso das entidades sem fins lucrativos que, como não visam a um interesse próprio, e sim alheio, são entidades beneficentes na medida em que agem “em benefício de outrem”.

No entanto, não podemos nos furtar, o que inclusive não deixa de ser o objetivo do Estado, que quanto ao modo de satisfazer o interesse de outrem algumas hipóteses possam ser lembradas.

Dentre elas, destacamos o dispêndio de patrimônio sem reserva de contrapartida e a atuação direta do ente particular de modo a viabilizar o atendimento do interesse alheio sem qualquer oneração ou mesmo oneração excessiva do beneficiado.

Na primeira hipótese, a entidade cuja atividade se desdobra no dispêndio patrimonial em benefício de outrem é uma entidade filantrópica.

Portanto, sob esta lógica, pode-se concluir que em sendo a filantropia vertente de beneficência, forma destacada de atuação de ente privado visando o bem alheio, a beneficência é gênero que a engloba.

Sendo assim, não cabe ao Estado excluir do rol de entidades a quem deseja estimular a sua atuação altruística, em paralelo à assistência social por ele próprio praticada, os meios que dispõe para o exercício desse estímulo, entre eles a imunidade tributária.

Se assim o fosse, estaria promovendo considerável restrição à atuação de entidades filantrópicas, as quais, nos termos da construção conceitual acima, não necessariamente atuam em conformidade à expressão entendida em sua literalidade “assistência social”.

Esse parece ser o entendimento de boa parte da doutrina.

Nesta seara, podemos citar Yonne Dolácio de Oliveira, a qual entende:

“Já no campo da imunidade, que se liga antes ao poder de regular, verificamos que o legislador tem um escopo totalmente diverso, pois, pela eliminação do imposto, tenta aumentar a capacidade econômica do beneficiário para incrementar a satisfação de seu objetivos, que são estimulados pelo Estado, como de máxima relevância para o bem social. Em decorrência, no exame de cada hipótese de imunidade não se deve levar em consideração a existência ou não de capacidade contributiva do beneficiário, se se trata de uma entidade rica ou pobre. A não compreensão deste fenônemo jurídico tem levado a se supor, equivocadamente, que a imunidade se destina a proteger apenas entidades pobres, que as entidades imunes não podem cobrar preços por seus serviços, não podem pagar serviços efetivos de terceiros etc. O verdadeiro objetivo do legislador é o de resguardar essa capacidade econômica de modo que, se inexistente, passe a existir, se existente, aumente expressivamente”.

Conclusão

Portanto, a imunidade pretendida, dentro de sua delimitação constitucional e legal, é universal, abrangendo inclusive as entidades filantrópicas, sendo que quanto maior a capacidade econômica da entidade imune, melhor para o Estado, uma vez que ela atenderá de maneira mais eficiente aos seus fins institucionais, de forma a colaborar com o próprio Estado.

Na conclusão de Ives Gandra da Silva Martins, “à luz do direito positivo, portanto, Instituição de Assistência Social é toda organização de pessoas, sem fins lucrativos, criadas com a finalidade de, ao lado do Estado, prestar assistência aos necessitados, em atendimento a seus objetivos sociais (com atuação em geral nas áreas da saúde, educação e assistencial aos menos favorecidos), que atenda ao interesse público, suprindo ou complementando atividades próprias do Estado. Pode ser aberta à comunidade ou a um número restrito de pessoas, desde que seus resultados financeiros sejam totalmente revertidos aos fins institucionais, de modo a realizar finalidades públicas, ou seja em benefício de outrem.”

Essa definição por analogia não exclui, conforme acima, as entidades filantrópicas, pois, utilizando-se de meios diferentes, têm essas como objetivos, em comum às entidades de assistência social, beneficiar, sem qualquer contrapartida, terceiros em paralelo à atuação estatal.

E, como a constatação de atividade filantrópica se calca na situação fática, real, em desconsideração ao que consta ou não no objeto social da entidade, pois a filantropia é resultado de dispêndio de patrimônio sem contrapartida, podendo estar descrito ou não no objeto a sua atuação limitada ao território brasileiro, a contraprestação merecida (imunidade tributária) é devida em razão do exercício de atividade “altruística” no território nacional, o efetivo dispêndio patrimonial em prol de interesse de terceiros, sempre em paralelo aos objetivos e atuação social do Estado.
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* Advogado do escritório LOTTI º ARAÚJO - Sociedade de Advogados









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