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Futuros Diplomatas: ponderem sobre a vírgula!

No dia 9 de março deste ano, realizou-se a primeira bateria de provas para a seleção dos futuros diplomatas do Instituto Rio Branco, localizado em Brasília.

2/6/2008


Futuros Diplomatas: ponderem sobre a vírgula!

A questão sobre pontuação na prova do Instituto Rio Branco

Eduardo de Moraes Sabbag*

No dia 9 de março deste ano, realizou-se a primeira bateria de provas para a seleção dos futuros diplomatas do Instituto Rio Branco, localizado em Brasília.

É sabido que os candidatos a tão nobre função devem dominar a língua portuguesa, além de outras disciplinas, para obterem êxito no rigoroso certame a que se submetem, e, finalmente, ingressarem na prestigiosa Instituição.

Alguns concursandos me pediram para comentar uma questão sobre "pontuação" – precisamente, sobre a "vírgula" –, com a qual depararam, na prova de Língua Portuguesa do mencionado concurso. Vamos ao teste:

"Cada uma das opções subseqüentes reproduz períodos do texto, aos quais se acrescentaram uma ou mais vírgulas, que aparecem destacadas, seguindo-se uma justificativa. Assinale a opção em que é improcedente a justificativa apresentada para o acréscimo da(s) vírgula(s).

A) O soldado e o marinheiro permutaram bofetadas, mais ou menos teóricas, numa esquina de minha rua (,) por causa da namorada comum, que devia chamar-se Marlene.

Justificativa: a vírgula separa adjuntos adverbiais que expressam noções diferentes.

B) O duelo durou vinte minutos (,) e cinqüenta pessoas assistiram.

Justificativa: a vírgula separa orações coordenadas que, unidas pela conjunção "e", têm sujeitos diferentes.

C) A dificuldade total foi reconstituir o delito, porque (,) tanto no inquérito policial quanto na formação de culpa perante o juiz (,) as espontâneas e numerosas testemunhas prestaram depoimentos inteiramente contraditórios.

Justificativa: as vírgulas isolam o adjunto adverbial antecipado.

D) Como começara e como findara a luta (,) foi impossível apurar.

Justificativa: a vírgula isola oração subordinada adverbial antecipada.

E) Diante da premência da fome, frio e desabrigo, o primeiro material foi o mais próximo e a primeira técnica (,) improvisada pela urgência vital.

Justificativa: a vírgula indica elipse do verbo."

O gabarito apontou a alternativa D como a que deveria ter sido assinalada. Concordo, sem titubeio. Todavia, não me furto de elogiar o teste, que requereu amplo conhecimento do uso da vírgula e, sobretudo, de análise sintática.

Como se verá abaixo, o abrangente teste exigiu o conhecimento de polissemia conjuntiva – tema ao qual sempre me atenho, nas aulas de português, em razão da insistente cobrança em provas de concursos e vestibulares. Procurei, à guisa de ilustração, citar testes neste artigo, com fartos exemplos, como forma de demonstrar a iterativa solicitação da temática.

De início, comentarei as alternativas que trouxeram justificativas aceitáveis (letras A, B, C, e E). Após, deter-me-ei à análise da alternativa D.

1°. Alternativa A: O soldado e o marinheiro permutaram bofetadas, mais ou menos teóricas, numa esquina de minha rua (,) por causa da namorada comum, que devia chamar-se Marlene.

Justificativa Ofertada: a vírgula separa adjuntos adverbiais que expressam noções diferentes.

Comentário: no período, a vírgula separa com adequação os adjuntos adverbiais de lugar (numa esquina de minha rua) e de causa (por causa da namorada comum). Note que se trata de circunstâncias que modificam o verbo "permutar" (bofetadas), trazendo-lhe as idéias de local e de motivo. A justificativa é válida.

2°. Alternativa B: O duelo durou vinte minutos (,) e cinqüenta pessoas assistiram.

Justificativa Ofertada: a vírgula separa orações coordenadas que, unidas pela conjunção "e", têm sujeitos diferentes.

Comentário: o período é composto por duas orações, em razão da presença de dois verbos – durar e assistir. A partícula "e" une tais orações, formadas por distintos núcleos dos sujeitos (duelo e pessoas). Neste caso – orações distintas, com sujeitos distintos, unidas pela partícula "e" –, a vírgula é obrigatória. A justificativa é válida.

3°. Alternativa C: A dificuldade total foi reconstituir o delito, porque (,) tanto no inquérito policial quanto na formação de culpa perante o juiz (,) as espontâneas e numerosas testemunhas prestaram depoimentos inteiramente contraditórios.

Justificativa Ofertada: as vírgulas isolam o adjunto adverbial antecipado.

Comentário: a vírgula veio separar o anteposto adjunto adverbial (tanto no inquérito policial quanto na formação de culpa perante o juiz). Note que se trata de circunstância que modifica o verbo "prestar" (depoimentos), trazendo-lhe a idéia modificativa própria do advérbio. A justificativa é válida.

4°. Alternativa E: Diante da premência da fome, frio e desabrigo, o primeiro material foi o mais próximo e a primeira técnica (,) improvisada pela urgência vital.

Justificativa Ofertada: a vírgula indica elipse do verbo.

Comentário: a elipse indica a supressão de um termo na oração, em cujo local será possível a inserção da vírgula. Na verdade, quando se consegue identificar o elemento suprimido – o que aconteceu no teste –, defende-se a ocorrência do chamado zeugma, ou seja, uma espécie de elipse. No caso, a frase preenchida ficará: "(...) o primeiro material foi o mais próximo e a primeira técnica FOI improvisada pela urgência vital."A justificativa é válida.

Passemos, agora, à análise da importante alternativa D:

5°. Alternativa D: Como começara e como findara a luta (,) foi impossível apurar.

Justificativa Ofertada: a vírgula isola oração subordinada adverbial antecipada.

Comentário: A justificativa é inválida.

A justificativa ofertada é, de fato, inválida. Para a exata compreensão desse posicionamento, recomenda-se uma análise detida da conjunção "como", acompanhada, se possível, de exaustiva exemplificação, com o fito de tornar didático o intrincado tema. É o que passo a fazer.

O estudo dos conectivos nas orações não deve se assentar em um automatismo cego. Muitas vezes, a conjunção parece indicar um dado valor semântico, mas, na verdade, representa sentido diverso, dependendo do contexto relacional. O fenômeno é conhecido por "polissemia conjuntiva".

A conjunção "como" estabelece diferentes relações de sentido entre a oração principal e, por exemplo, a oração subordinada adverbial. Neste plano fronteiriço, são três os principais valores semânticos para o conectivo "como": de causa, de conformidade e de comparação. Note:

1. Relação de causa: o conectivo assume o sentido causal, equivalendo à conjunção "porque" ou às locuções conjuntivas "já que" e "uma vez que". Nesse caso, o termo ocupa a função sintática de conjunção subordinativa adverbial causal, aparecendo, exclusivamente, no início do período. Observe os fartos exemplos:

a) Como havia chovido na véspera, os caminhões não conseguiram chegar à fazenda.

b) Como estava chovendo, evitei sair de casa.

c) Como estava apressada, a cliente esqueceu o cartão de crédito.

d) Como não tenho dinheiro, não poderei participar da viagem.

e) Como estava doente, não foi à aula.

f) Como estamos em má situação, devemos investir o máximo neste projeto.

g) Como estava esgotado, encostou-se a uma parede da velha casa.

h) Como o professor exigiu, ele fez os trabalhos.

i) "Como continuamos a ler pelos anos afora o maior nome das nossas letras, Machado de Assis é uma boa referência. (...)"1

j) Como praticamente não existem estímulos para procurar essa carreira, o cenário poderá ficar crítico nos próximos dez anos.2

l) Como o sol da tarde lhe queimava o rosto, fechou rapidamente a janela.3

m) "(...) Como o Estado tem o privilégio de impor ônus ao particular, e em prazos determinados, tanto mais deve agir com obediência a normas permanentes e conhecidas." 4

2. Relação de Conformidade: o conectivo assume o sentido conformativo, equivalendo às expressões "de acordo com" ou "conforme". Nesse caso, o termo ocupa a função sintática de conjunção subordinativa adverbial conformativa. Note os variados exemplos:

a) Tudo aconteceu como eles haviam previsto.

b) Faço o trabalho como o regulamento prescreve.

c) Como dizia o poeta, "a vida é a arte do encontro".

d) Como ia dizendo, não me leve a mal!

e) Como o jornal noticiou, o teatro ficou lotado.

f) O funcionário procedeu como determina o memorando.

g) Como é do conhecimento geral, tomaremos as medidas hoje mesmo.

h) Como disse anteriormente, você está equivocado.

i) Como se verá, nosso trabalho de tantos anos mostrou-se inteiramente inútil.5

3. Relação de Comparação: o conectivo assume o sentido comparativo, equivalendo às expressões "do mesmo modo que", "tal qual", "qual", "assim como" ou "igual a". Traduz-se em tendência estilística conhecida por símile. Nesse caso, o termo ocupa a função sintática de conjunção subordinativa adverbial comparativa. Veja os exaustivos exemplos:

a) Ele age como o pai (agiria).

b) Maria falou como o seu tio (falou).

c) O cão acomodou-se no sofá, como um caracol.

d) Este menino é tão inteligente como o irmão.

e) Como todos os seres vivos, nós nascemos, atingimos a maturidade, procriamos e morremos.

f) "No pátio o silêncio dormia ao sol como um lagarto." (Raul Pompéia, em "O Ateneu")

g) "As condecorações gritavam-lhe no peito como uma couraça de gritos." (Raul Pompéia, em "O Ateneu")

h) "E cai como uma lágrima de amor." (Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes)

i) "Eu faço versos como quem chora / De desalento (...) de desencanto (...)" (M. Bandeira)

j) "(...) Como os sacerdotes de antigamente, economistas têm a missão de explicar o inexplicável – como o dinheiro é tudo e nada ao mesmo tempo, por que falta dinheiro se dinheiro é papel impresso, ou se a quantidade de santinhos muda o tamanho do milagre."6

l) "Como a tão malbaratada palavra 'ética', muito vocábulo perde seu sentido quando envereda por trilhas falsas. (...)"7

m) "O fim do bonde como transporte coletivo não correspondeu ao fim do signo,(...)."8

n) "... ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas..."9

o) O governo atual é tão bom ou ruim como os anteriores.10

p) "Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, / Já solta o bogari mais doce aroma! / Como prece de amor, como estas preces, / No silêncio da noite o bosque exala." (Gonçalves Dias)11

q) "Se eu usasse lentes de contato, eu poderia ter um olho vermelho-sangue e outro amarelo-canário, como um inseto."12

r) "A reação dos moradores foi tão chocante como as brutais mutilações."13

Feitas as observações acima, impende destacar, ademais, que a conjunção "como" pode servir para introduzir certos tipos de orações subordinadas substantivas. Note os importantes exemplos abaixo:

1. Na Oração Subordinada Substantiva Subjetiva:

a) Ignora-se como chegou vivo à casa da mãe. (= Ignora-se isso, o sujeito)

b) Estipula-se como será o cálculo. (= Estipula-se isso, o sujeito)

c) Calcula-se como chegaremos ao topo da montanha. (= Calcula-se isso, o sujeito)

2. Na Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta:

a) Ignoramos como conseguiram se salvar. (= Ignoramos algo, o objeto direto)

b) Ninguém sabia direito como ele iria embora. (= Sabia direito algo, o objeto direto)

c) Eles confessaram-lhe como haviam conseguido entrar. (= Confessaram-lhe algo, o objeto direto)

d) Perguntei-lhe como faria para saldar aquela dívida.14 (= Perguntei-lhe algo, o objeto direto)

e) Não sabemos como adquiriu o bem. (= Não sabemos algo, o objeto direto)

f) Os jornais explicaram como os ladrões fugiram. (= Explicaram algo, o objeto direto)

Assim, após esta minuciosa análise, a que julguei oportuno proceder, na resolução da questão, torna-se evidente que a alternativa D apresenta justificativa inválida, quanto ao uso da vírgula.

A vírgula ocorre em tal assertiva para isolar, sim, uma oração subordinada substantiva objetiva direta ("Como começara e como findara a luta") – no caso, anteposta –, e não para isolar oração adverbial.

Para os concursandos, acredito que tenha ficado uma lição: a força da vírgula, bem justificada, é importante desafio àqueles que irão, sem o uso da força, diante de possíveis antagônicas justificativas, lidar com a arte da ponderação – os diplomatas. Boa sorte a todos!

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1 Fausto, Boris. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, in "A Dança das Palavras", em 15/4/2007: Item de Vestibular da ESPM, realizado em julho de 2007.

2 Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

3 Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

4 Marinho, Josaphat. Surpresas Tributárias, com adaptações: Item do Concurso Público para Auditor-Fiscal da Receita Federal, realizado pela ESAF, em 06-04-2002.

5 Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

6 Sayad, João. Cidade de Deus. Classe Revista de Bordo da TAM, nº. 95, com adaptações): Item do Concurso Público para Auditor-Fiscal do Trabalho, realizado pela ESAF, em 13-12-2003.

7 Luft, Lya. Veja, 30-11-2005: Item do Concurso Público para Escrevente Técnico Judiciário – TJ/SP, realizado pela VUNESP, em 23-04-2006.

8 Fausto, Boris. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, in "A Dança das Palavras", em 15/4/2007: Item do Concurso Público para Escrevente Técnico Judiciário – TJ/SP, realizado pela VUNESP, em 23/4/2006.

9 Item de Vestibular da PUC/SP, realizado em 2003.

10 Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

11 Item do Vestibular do Mackenzie, realizado em dezembro de 2004.

12 Item do Vestibular da UFAM, realizado em 10-12-2006.

13 Item do Vestibular da PUC/SP, realizado em julho de 2006.

14 Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

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*Advogado; Doutorando <_st13a_personname productid="em Direito Tribut?rio" w:st="on">em Direito Tributário, na PUC/SP; Mestre <_st13a_personname productid="em Direito P?blico" w:st="on">em Direito Público e Evolução Social, pela UNESA/RJ; Professor de Direito Tributário e de Língua Portuguesa, no Curso LFG/PRIMA; Coordenador e Professor do Curso de Pós-graduação, <_st13a_personname productid="em Direito Tribut?rio" w:st="on">em Direito Tributário, na Rede LFG/UNISUL; Professor de Direito Tributário do Curso de Pós-graduação da UNISAL-Lorena/SP





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