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Registro de protetor solar – Uma questão de saúde pública

A Lei n.º 6.360/1976 dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos.

19/5/2008


Registro de protetor solar – Uma questão de saúde pública

Patrícia Luciane de Carvalho*

I. Introdução

A Lei n.º 6.360/1976 (clique aqui) dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos.

O inciso V, do artigo 3º, da referida lei, indica que são cosméticos os produtos para uso externo, destinados à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo, tais como pós faciais, talcos, cremes de beleza, creme para as mãos e similares, máscaras faciais, loções de beleza, soluções leitosas, cremosas e adstringentes, loções para as mãos, bases de maquilagem e óleos cosméticos, ruges, blushes, batons, lápis labiais, preparados anti-solares, bronzeadores e simulatórios, rímeis, sombras, delineadores, tinturas capilares, agentes clareadores de cabelos, preparados para ondular e para alisar cabelos, fixadores de cabelos, laquês, brilhantinas e similares, loções capilares, depilatórios e epilatórios, preparados para unhas e outros.

Assim, o produto conhecido como protetor solar, ou seja, o preparado anti-solar, registrado é como cosmético. Referida espécie de registro provoca, por falta de conhecimento da sociedade e por falta de uma atitude pró-ativa e preventiva do Estado, a concepção de que o preparado anti-solar é uma substância ou tratamento supérfluo ou voltada ao embelezamento ou apenas aos que estejam expostos ao sol na estação do verão.

Ainda, por ser registrado como cosmético recebe um tratamento de menor relevância pelo Estado e pela sociedade, diferentemente se o fosse registrado como medicamento. Desta forma, recebe atenção de modo focado no verão, em regiões com maior incidência solar, para as pessoas que estejam expostas ao sol em situação de lazer e as pessoas que tenham maior vulnerabilidade aos raios solares.

O item III, do artigo 49, do Decreto 79.094/1977 (clique aqui), que regulamenta a lei supra- citada, esclarece o que seja o preparado anti-solar:

"destinados a proteger a pele contra queimaduras e endurecimento provocado pelas radiações, diretas ou refletidas, de origem solar ou não, dermatologicamente inócuos e isentos de substâncias irritantes ou foto-sensibilizantes, e nos quais as substâncias utilizadas como protetoras sejam estáveis e não se decomponham sob a ação das radiações ultravioletas, por tempo mínimo de duas horas".

Ora, a própria legislação regulamentadora, indica que o preparado anti-solar serve para proteger, de modo preventivo, a pele contra as radiações, não apenas solares, diretas ou indiretas. Por ser uma forma de proteção e não embelezamento deve estar submetida a uma proteção legislativa específica de medicamento. E, portanto, receber do Estado atenção como se medicamento fosse.

O uso do protetor solar é a medida preventiva mais relevante, no mundo, frente à possibilidade de câncer de pele e fotodermatoses.

Esta constatação fez com que alguns setores, ainda de modo tímido, incluíssem, como opção e não obrigação, o protetor solar para uso de seus funcionários expostos ao sol. Porém, esta prática, além de ser muito restrita, é ineficaz, já que existe o preconceito frente à classificação como cosmético e não como medicamento.

Esta classificação impede o Estado de obrigar as empresas a fornecerem o protetor solar como Equipamento de Proteção Individual - EPI; impede de ser fornecido como medicamento essencial pelo Sistema Único de Saúde – SUS; impede de ser incluído na cesta básica para a redução de valor de mercado; impede de ser beneficiado pela redução da carga tributária; e impede a busca de redução de custos. Tudo isto porque como cosmético não é tratado como de relevância à saúde pública.

Desta forma, necessário que o Estado nacional, através do Ministério da Saúde, promova todos os esforços necessários, de modo preventivo e político, para que a saúde seja tratada de forma programática, ou seja, com o uso de orçamento, dentro de um critério temporário, para a execução de todos os atos necessários à consecução do direito à saúde, nos termos constitucionais do artigo 6º da Constituição Federal.

II. Conceitos técnicos estabelecidos pela agência nacional de vigilância sanitária

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, através da Gerência-Geral de Medicamentos - GGMED/DIMEP -, apresenta os conceitos técnicos da área, para os efeitos da legislação em vigor.

Dentre estes conceitos tem-se o de medicamento como o produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico.

O protetor solar corresponde a um produto tecnicamente elaborado, eis que necessita da pesquisa e desenvolvimento de profissionais habilitados para a sua produção. Tem, dentre outras funções, a finalidade de prevenir contra doenças ou irritações na pele, bem como de reduzir ou equilibrar a existência de problemas cutâneos, como o próprio câncer de pele.

Por sua vez, tem-se como cosmético produto que promove a higiene e a beleza da pele ou dos cabelos, mas não tem efeito medicinal ou cuja concentração de princípios ativos está abaixo da dose terapêutica.

Dentro destas conceituações o protetor solar é medicamento e não cosmético. Primeiro, dentre as características analisas acima, porque não visa à higiene ou a beleza da pele, muito pelo contrário, visa à preservação e ou manutenção da saúde da pele. Segundo, diante de sua natureza médica os profissionais, com enfoque os dermatologistas, indicam o protetor solar de acordo com o grau de proteção que podem oferecer, então, possuem medida médica para a obtenção dos interesses médicos. Terceiro, a indicação do grau de resultado da proteção do protetor corresponde a uma dose terapêutica, característica típica de medicamentos prescritos por profissionais da área médica.

Em virtude das próprias denominações utilizadas pela ANVISA tem-se que o protetor solar deve ser classificado como medicamento. Por outro lado, diante da realidade da saúde em matéria de câncer de pele, o protetor solar possui uma aplicação médica para prevenção e manutenção do status da saúde da pele; afastando-se, assim, da concepção originária de cosmético, como uso supérfluo.

A alteração de concepção é relevante para que o Estado promova alteração de suas diretrizes no que diz respeito às políticas voltadas à prevenção e restabelecimento em matéria de câncer de pele; para que a sociedade tenha o protetor solar como utensílio básico para a preservação da saúde, não apenas em épocas de maior incidência solar ou apenas quando o corpo encontra-se exposto ao sol com maior reiteração; para a sociedade, com enfoque ao setor empresarial, reconhecer que algumas categorias de trabalhadores estão mais propensas as doenças de pele; e, principalmente, para que o Poder Judiciário possa reconhecer o protetor solar como medicamento e não como cosmético.

III. Da atual conjuntura do câncer de pele e a previsão do ônus financeiro e social que esta moléstia grave acarretará ao estado

A radiação ultravioleta pode causar efeitos biológicos sobre a pele humana através da exposição prolongada ou pelo acúmulo de exposições sem a devida proteção. Dentre estes efeitos tem-se, em grau de gravidade, o eritema, a pigmentação, a imunomodulação, a mutagenicidade, o carcinogenicidade e o fotoenvelhecimento.

O carcinogenicidade, que equivale à exposição prolongada ao sol, pode causar câncer de pele do tipo carcinoma basocelular e carcinoma espinocelular. A exposição intensa repetida, por outro lado, pode causar o melanoma.

A incidência dos efeitos depende, além da exposição ao sol, também do tipo de pele, que pode variar do tipo I ao VI. Ocorre que esta classificação é muito subjetiva, eis que depende do entendimento individual do sujeito. Ou seja, a proteção preventiva – aquela de responsabilidade estatal – encontra-se absolutamente dificultada pela liberdade que o indivíduo possui.

Neste aspecto a prevenção está representada pela não exposição ao sol ou à proteção durante a exposição. A primeira alternativa é praticamente impossível, portanto, os esforços devem se concentrar na proteção. Neste aspecto o fato do protetor solar estar classificado como cosmético equivale a uma omissão do Estado frente a uma problemática já exteriorizada e com previsão de agravamento.

Em 1985, o subsistema de Mortalidade do Ministério da Saúde registrou 462 casos de morte que tiveram, como causa básica, melanoma maligno de pele, e foram classificados segundo o código 173 da Classificação Internacional de Doenças - CID, 9ª revisão. Ou seja, internacionalmente o câncer de pele é tratado como doença, portanto, qualquer substância que seja necessária para a sua redução ou eliminação deve ser considerada como medicamento.

Este número representou 0,66% do total de mortes por câncer, ocupando o vigésimo sexto posto entre as demais neoplasias malignas. Verificou-se, ainda, que, entre 1977 e 1985, os coeficientes de mortalidade por melanoma de pele não apresentaram grandes variações indicando um risco de morte para todas as idades em torno de 0,40 por 100.000 habitantes.

O papel da radiação solar no aparecimento dos carcinomas basocelulares e espinocelulares já está estabelecido tanto epidemiológica quanto experimentalmente. No caso de melanoma cutâneo esta relação ainda não é totalmente conhecida. Existem, porém, muitas evidências de que o aumento de incidência de melanoma nos últimos 50 anos teve relação com o aumento de exposição a raios solares sem a devida proteção.

Entre os pacientes com melanoma de pele, a distribuição anatômica das lesões não se dá, prioritariamente, em áreas expostas ao sol como se observa entre os portadores de epiteliomas basocelulares e tumores espinocelulares. Observa-se, porém, que o risco de melanoma, em áreas da pele que são pouco expostas ao sol, aumenta em decorrência de exposições intermitentes e intensas ao sol.

Em que pesem as dúvidas, estas não podem ser utilizadas em desfavor da sociedade, mas sim interpretadas de acordo com o princípio da prevenção – já que se trata de direito fundamental -, e o da menor onerosidade.

O número de casos novos de câncer de pele não melanoma estimados para o Brasil em 2006 é de 55.480 casos em homens e de 61.160 em mulheres. Estes valores correspondem a um risco estimado de 61 casos novos a cada 100 mil homens e 65 para cada 100 mil mulheres (conforme estudo do Instituto Nacional do Câncer – INCA – clique aqui).

O câncer de pele não melanoma é o mais incidente em homens em todas as regiões do Brasil, com um risco estimado de 89/100.000 na região Sul, 70/100.000 na região Sudeste, 36 52/100.000 na região Centro-Oeste, 44/100.000 na região Nordeste e 30/100.000 na região Norte. Nas mulheres é o mais freqüente nas regiões Sul (93/100.000), Centro-Oeste (73/ 100.000), Nordeste (50/100.000) e Norte (32/100.000); enquanto que, na região Sudeste (69/ 100.000) o mesmo é o segundo mais freqüente.

O câncer de pele não melanoma continua sendo o mais incidente em nosso país em ambos os sexos, mesmo considerando-se que estes índices podem estar subestimados pelo fato de que muitas lesões suspeitas são retiradas sem diagnóstico. Embora de baixa letalidade, em alguns casos pode levar a deformidades físicas e ulcerações graves, conseqüentemente, onerando os serviços de saúde. É quase certo que exista um considerável sub-registro devido ao sub-diagnóstico e também por ser uma neoplasia de excelente prognóstico, com taxas altas de cura completa, se tratada de forma adequada e oportuna.

Conseqüentemente, as estimativas das taxas de incidência e dos números esperados de casos novos em relação a este tipo de câncer devem ser consideradas como estimativas mínimas.

O melanoma de pele é menos freqüente do que os outros tumores de pele (basocelulares e de células escamosas), porém sua letalidade é mais elevada. Tem-se observado um expressivo crescimento na incidência deste tumor em populações de cor de pele branca. Quando os melanomas são detectados em estádios iniciais, os mesmos são curáveis.

O prognóstico desse tipo de câncer pode ser considerado bom, se detectado nos estádios iniciais. Nos últimos anos houve uma grande melhora na sobrevida dos pacientes com melanoma, principalmente devido à detecção precoce do mesmo. Nos países desenvolvidos a sobrevida média estimada em cinco anos é de 73%, enquanto que, para os países em desenvolvimento, a sobrevida média é de 56%. A média mundial estimada é de 69%.

A prevenção do câncer de pele, inclusive os melanomas, inclui ações de prevenção primária por meio de proteção contra luz solar, que são efetivas e de baixo custo. A educação em saúde, tanto para profissionais quanto para a população em geral, no sentido de alertar para a possibilidade de desenvolvimento de câncer de pele e de possibilitar o reconhecimento de alterações precoces sugestivas de malignidade, é outra estratégia internacionalmente aceita.

Como se observa o protetor solar além de ser, efetivamente, medicamento, é a melhor forma orçamentária, eis que o custo é reduzido, para a prevenção de outros custos futuros que o Estado terá que arcar como titular do direito à saúde. Necessário, portanto, o prévio e programático tratamento do protetor solar como medicamento e, conseqüentemente, campanha esclarecedora no sentido de que tratá-se de um medicamento preventivo e minimamente restaurador.

IV. Da relação com o direito à saúde insculpida no artigo 6º da constituição federal

Necessária a presente análise para que fique claro que a proteção que a Constituição Federal oferece é para o medicamento e não para o cosmético, portanto, relevante a alteração da classificação do protetor solar. Desta forma, o acesso à proteção oferecida pela Constituição Federal, através do Estado, como agente político e preventivo, e através do Poder Judiciário, na função de intérprete e aplicador da norma, estará garantido e afastado de desvios de interpretação terminológica.

O direito à saúde até o surgimento do constitucionalismo moderno, por meio da Organização das Nações Unidas, esteve vinculado à existência de doença. Ou seja, apenas diante de uma moléstia, de natureza grave, é que alguma preocupação era oferecida à situação. Despendia-se atenção porque a doença afetava um elevado número de pessoas e desta forma o aspecto econômico era afetado através da queda de produção em decorrência dos afastamentos e falecimentos. A resposta pública era no sentido de reunir esforços para evitar a disseminação da doença junto à comunidade.

A idéia de saúde como um bem de todos e não apenas como um meio produtivo surge nos Estados Unidos, acompanhado pelos trabalhos da Revolução Francesa, para fazer frente à Declaração de Independência dos Estados Unidos e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Em 1851, é assinada a Primeira Conferência Internacional Sanitária entre doze países, tendo por preocupação a cólera, a peste e a febre amarela, doenças que assolavam os trabalhadores da época. Em 1864, cria-se a Cruz Vermelha Internacional e em 1882 e em 1883, são descobertas as causas da tuberculose e da difteria. Percebe-se que, assim como os direitos humanos, o direito à saúde iniciou sua proteção pela ordem internacional, a qual também passou pela incorporação por meio das diversas ordens jurídicas nacionais.

Com o pós-guerra e todas as suas implicações em direitos humanos é que se passa definitivamente a pensar a saúde não apenas como processo de cura por conta de valores econômicos, mas também como direito de todos a ter acesso à cura e à prevenção, por meio de um processo coletivo correspondente à prestação pelo Estado de serviços básicos relacionados à saúde, com destaque para o saneamento básico.

Em 26 de julho de 1946, o conceito de saúde é determinado no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, órgão vinculado à Organização das Nações Unidas:

"saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças".

Por intermédio da Organização Mundial da Saúde, o conceito é ampliado, além de preventivo, incidental e público, não se relaciona exclusivamente à existência de doenças, mas à vida e automaticamente, à democracia, igualdade, respeito ecológico, desenvolvimento tecnológico, dentre outros. Assim, a boa qualidade de vida não está apenas vinculada a questões médicas, mas também à moradia, educação, meio ambiente, proteção da família, do trabalhador, morte digna, informação, não ter fome, assistência social, segurança e outros que venham a surgir, eis que não são taxativos, mas apenas enumerativos e progressivos.

Para Francisco Carlos Duarte, o direito à saúde:

"integra o conceito de qualidade de vida, porque as pessoas em bom estado de saúde não são as que recebem bons cuidados médicos, mas sim aquelas que moram em casas salubres, comem uma comida sadia, em um meio que lhes permite dar à luz, crescer, trabalhar e morrer".

Paul Singer estabelece como forma de visualizar a saúde um conceito ideal, em que corresponderia a um estado a ser alcançado como meta de políticas de saúde; compreende um conceito de saúde ideal para o qual deve levar em consideração o desenvolvimento social, econômico e cultural.

O Ministério da Saúde do Brasil estabelece que se perceba o conceito de saúde por meio de alteração ou desvio do estado de equilíbrio de um indivíduo com o meio.

O estudo da saúde pública compreende:

"a ciência e a arte de prevenir as enfermidades, prolongar a vida e promover a saúde e a eficiência, mediante o esforço organizado da comunidade, para o

a)saneamento do meio ambiente;

b)o controle das doenças transmissíveis;

c)a educação dos indivíduos na higiene pessoal;

d)a organização dos serviços médicos e de enfermagem para o diagnóstico precoce e o tratamento preventivo de enfermidades;

e)o desenvolvimento de um mecanismo social que assegure a cada um, nível de vida adequado para a conservação da saúde, organizando estes benefícios de tal modo que cada cidadão se encontre em condições de gozar de seu direito natural à saúde e à longevidade".

Para Wilson Smillie:

"Saúde pública compreende atividades que visem evitar a doença e promover a saúde, e pelas quais é responsável, primariamente a comunidade. Tais atividades podem ser levadas a efeito pelos serviços oficiais de saúde pública, por organizações sanitárias particulares, por departamento de educação, por sociedades médicas estaduais ou municipais ou por outros órgãos da comunidade".

Rodolfo dos Santos Mascarenhas entende que:

"saúde pública é a ciência e a arte de promover, proteger e recuperar a saúde física e mental, através de medidas de alcance e de motivação da população".

Saúde pública então corresponde ao setor de interesse do Estado, por vincular-se a direito humano e por ser essencial a outros direitos humanos, como a vida, a dignidade, a liberdade, a igualdade e ao desenvolvimento, que envolve os conceitos anteriores de direito à saúde, mas que tenha relevância desde o treinamento e educação da sociedade para que se promova a mais ampla proteção da saúde.

Deve ser analisada sobre dois enfoques, conforme a Constituição, um ideal e um real. A saúde ideal é aquela programática, ou seja, preventiva. Enquanto que a real é a prestação da saúde no seu mais alto grau àquele que reclama administrativa ou judicialmente. Além do que, deve ser analisada não apenas sob o enfoque da doença, mas também sob os aspectos sociais, econômicos e culturais.

Mais ampla proteção possível da saúde na forma preventiva e incidental, física e psíquica, que possa ser ofertada à sociedade como conseqüência do desenvolvimento técnico e científico. Este é o conceito da prestação do mais alto grau do direito à saúde, em que o grau máximo corresponde aos resultados estabelecidos e testados pelos diversos centros de pesquisa e inovações das indústrias respectivas. Observe-se, contudo, que a falta de desenvolvimento não pode ser alegada para a omissão em prestar a saúde no seu mais alto grau (este argumento será analisado em capítulo próprio).

No Brasil, por exemplo, a saúde é naturalmente pública, uma vez que é responsabilidade do Estado, ainda que possa ser explorada pela iniciativa privada sob regulamento e fiscalização do ente estatal. Isto porque saúde, no Brasil, é tema de política pública, na esfera preventiva e incidental. Restando à iniciativa privada tão-somente exercer a atividade como alternativa à prestação estatal.

Desta construção tem-se que o direito à saúde corresponde ao atendimento médico, atendimento hospitalar, realização de exames necessários para o diagnóstico e monitoramento, uso do tratamento necessário e eficaz e acesso a medicamentos, também necessários e eficazes. Estas espécies de prestação do direito à saúde, por corresponderem à prestação de direito humano, são enumerativas, gerais, independentes, irredutíveis, complementares e progressivas, então devem ser aprimoradas de acordo com o desenvolvimento social, tecnológico e científico. Também se destinam ao tratamento de problemas físicos e psíquicos, seja na forma preventiva, seja na forma incidental.

O acesso a medicamentos corresponde a um dos elementos para a completude do direito à saúde e como tal deve ser respeitado e colocado à disposição da sociedade, principalmente de modo preventivo, evitando-se, desta forma, problemas de difícil ou prolongada solução.

No Brasil o acesso a medicamentos encontra amparo no artigo 6º da Constituição Federal. E mais, possui eficácia imediata através do parágrafo 1º do artigo 5º e deve ser progressivo ou enumerativo (irredutível) por meio do parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal.

O constituinte originário inicia com os direitos sociais, o que denota a maior relevância destes, eis que afetam uma camada da sociedade e não apenas indivíduos. Além do que, os direitos sociais são formados pelo conjunto de necessidades individuais. Não corresponde a maior relevância à redução da prestação de outras espécies de direitos, mas sim que maior atenção deve ser oferecida aos sociais, principalmente na esfera preventiva de atuação estatal. Mesmo porque social ou individual ambos são espécies de direitos fundamentais.

O acesso a medicamentos, como espécie do direito à saúde, corresponde a um direito social. É o que se depreende da Seção dos Direitos Sociais que começa com o artigo 6º da Constituição Federal. Denota-se a necessidade do Estado agir preventivamente, como legislador e como agente social voltado para a consecução do bem comum, e incidentalmente, por meio do Poder Judiciário para a interpretação e aplicação da norma. Portanto o acesso a medicamentos como direito social deve ser assegurado para a consecução do bem-estar, para que o beneficiário possa ser um dos operadores do desenvolvimento social, tendo por base a igualdade de tratamento e de condições e a justiça social, conforme o preâmbulo.

Segundo conceito formulado pela Federação Nacional dos Farmacêuticos, a assistência farmacêutica, que está relacionada ao acesso a medicamentos e ao direito à saúde envolve também:

"Assistência Farmacêutica trata-se de um conjunto de ações, centradas no medicamento e executadas no âmbito do Sistema Único de Saúde, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde da população, compreendendo os seus aspectos individuais e coletivos. Essas ações, necessariamente baseadas no método epidemiológico, deverão envolver: padronização, prescrição, programação, aquisição, armazenamento, distribuição, dispensação, produção, controle de qualidade, educação em saúde, vigilância farmacológica e sanitária, pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, imunoterápicos e hemoderivados".

O Título I da Constituição refere-se aos princípios fundamentais, os quais são essenciais para a compreensão e exercício dos demais dispositivos. Os incisos II e III do artigo 1º apontam a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos, alicerces do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal é conhecida por ser principiológica e isto ocorre porque além dos princípios serem normas, são também parâmetros interpretativos para as demais normas, por isto diz-se que a interpretação deve ser conforme a Constituição.

O estabelecimento do que seja dignidade não pode ficar para um critério distante do estabelecido pela Constituição, caso contrário estar-se-ia rompendo com o sistema jurídico proposto por Hans Kelsen. Considerando a idéia de sistema, tem-se que a dignidade, assim como outros valores como bem-estar e justiça social, possui origem na própria Carta Constitucional. É por este motivo que os fundamentos do Estado Democrático de Direito são indicados já no artigo 1º, permitindo que o corpo dos dispositivos constitucionais ofereça resposta diante da necessária interpretação. Portanto, o interessado ou necessitado de um medicamento, utilizando-se da cidadania, possui direitos que devem ser reconhecidos pelo Estado preventivamente e, em sendo necessário, de forma incidental pelo Poder Judiciário. Independente das justificativas a negativa do acesso a medicamentos ofende a cidadania.

O artigo 3º estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil uma sociedade justa, solidária, a garantia ao desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza, redução das desigualdades regionais e a promoção do bem de todos. Estes não são os únicos objetivos, mas os essenciais, no sentido de que todos os outros objetivos do corpo constitucional devem tê-los por parâmetro.

O artigo 4º estabelece a postura do Brasil frente à ordem internacional, para a qual prevalecem os direitos humanos (inciso II). Oferece-se destaque aos direitos humanos em decorrência do seu histórico internacional, principalmente com os trabalhos realizados pela ONU e pela OEA.

O acesso a medicamentos, como espécie do direito à saúde encontra-se no artigo 6º, portanto, direito fundamental, por conseguinte, deve ser aplicado imediatamente. O vínculo que se faz entre o direito à vida e à saúde reconhece-se como necessário, porém são independentes diante da aplicação imediata da saúde. O fato de a determinação da aplicação imediata estar inserida em parágrafo do artigo 5º justifica-se pelo fato de ser o primeiro artigo do Título II, relevante é a expressão "direitos e garantias fundamentais" que abrange todos os artigos do referido título.

Tem-se a saúde detalhada no artigo 196 do Título VIII – Da Ordem Social, em que este dispositivo operacionaliza o direito à saúde indicado no artigo 6º. Do texto depreende-se que a saúde condiciona-se a políticas sociais e econômicas e da sua promoção, proteção e recuperação pelo Estado. O artigo 196 e seguintes demonstra a importância maior que possui a saúde diante de sua necessidade para a consecução de outros direitos. Por este motivo a necessidade de ser ela protegida de forma prioritariamente preventiva. Mas, em decorrência do artigo 6º, quando requerida, deve ser prestada imediatamente.

Com a Constituição, criou-se o Sistema Único de Saúde, que deve primar pela saúde preventiva e pelo seu fornecimento universal. Da leitura dos artigos 196 a 200, têm-se a enumeração, não taxativa, das atividades do Estado frente à saúde e percebe-se que são condutas a serem executadas no tempo com o emprego de orçamento progressivo e solidário entre os entes estatais. Outro não poderia ser o entendimento analisando-se sistematicamente o artigo 170, o qual se encontra no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira e refere-se aos princípios gerais da atividade econômica. A ordem econômica, em que pese o enfoque econômico, tem como finalidade assegurar existência digna, consoante os ditames da justiça social.

Dentro desta contextualização, o artigo 200 estabelece a participação do Estado junto à ordem econômica, pelo Sistema Único de Saúde, na produção de medicamentos e incremento, em sua área de atuação estatal, do desenvolvimento científico e tecnológico.

Constata-se que o Brasil possui uma responsabilidade mediata para com a saúde de modo incidental (quando se busca a tutela do Poder Judiciário, diante da omissão do Estado, como agente político), mas também uma responsabilidade preventiva ou programática, voltada ao Estado como agente pró-ativo.

É nesta análise que se insere a responsabilidade do Estado em promover todos os esforços para a proteção da saúde, através do acesso a medicamentos. Neste contexto tem-se a relevância ao protetor solar como substância primordial para a prevenção de uma das doenças mais sérias, caras e sofríveis do mundo, que é o câncer de pele.

Esta moléstia não causa apenas a morte, mas, pior, perda de capacidades físicas e partes do corpo, portanto, ainda que não ocorra o falecimento, perdura a responsabilidade estatal no atendimento das necessidades dos que sofram qualquer outro efeito em virtude do câncer de pele.

Ausente o Estado no que diz respeito, minimamente, as campanhas de esclarecimentos. Mesmo porque a partir do momento que classifica o protetor solar como cosmético já realiza uma indicação de que não possui prescrição médica. E a realidade aponta para outro rumo, já que os médicos na sua totalidade indicam o protetor solar como o meio para afastar a possibilidade do câncer de pele, bem como de impedir a sua extensão.

V. Do conceito de política pública

A justificativa da existência da esfera política é exatamente cumprir com o bem público e esta atividade é exercida primordialmente por meio do Direito. Todas as definições que se apresentem sobre bem público conterão, direta ou indiretamente, a realização ou satisfação do interesse social, eis que se trata de uma democracia. Este entendimento, ainda que aplicado modernamente, tem amparo no Contrato Social, na Teoria Pura do Direito e na Teoria Tridimensional, anteriormente analisadas.

A Constituição Federal desde o preâmbulo até artigos específicos indica, sistematicamente, quais são os elementos do bem comum, assim como, quais as diretrizes que devem ser realizadas para a consecução dessa finalidade estatal. Por exemplo, a Constituição é uma carta principiológica, programática e social. Desta conclusão fica também claro que o ente político e o judiciário, quando no exercício da atividade preventiva e incidental, devem agir em conformidade com a Constituição, diante do fato de que ela é norma e parâmetro interpretativo.

Em matéria de acesso a medicamentos, impossível analisar o tema apenas sob o enfoque programático, orçamentário e temporário; necessária a análise sistêmica e social, eis que diretamente em contato com a vida e a dignidade da pessoa humana. É o que realizou a Desembargadora Relatora Vera Angrisani, da 2ª Câmara de Direito Público, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de Instrumento n.º 540.089-5/1-00:

"O bem social é o interesse público primário por isso a vida e a saúde são merecedoras de especial proteção do ente e, para tanto, é certo que cabe a Administração Pública diante de pacientes que não reúnam condições econômico financeiras para arcar com o custeio da aquisição do remédio, suportar certas despesas porque estas as de sua responsabilidade".

A definição do que seja comum para a sociedade é o que equivale à política pública. O comum para a sociedade corresponde àquilo que é essencial, ou seja, sem aquilo não há como estabelecer uma sociedade mais justa e desenvolvida. Este elemento comum, por ser coincidente, é mínimo, portanto, sua redução não condiz com a proteção do que seja comum a todos. Percebe-se que os conceitos de direitos humanos e bem comum coincidem. Depreende-se, então, que o bem comum, na ordem internacional, corresponde aos direitos humanos; enquanto que na ordem nacional, correspondem aos direitos fundamentais.

Toda política nacional deve, direta ou indiretamente, estar voltada para o cumprimento dos direitos fundamentais, os quais são essenciais, comuns a todos da sociedade. Além de serem comuns, percebe-se, com o transcorrer do tempo, que a ausência ou omissão na prestação de um direito fundamental, causa a falência de uma série de outros direitos. É por este motivo que o conceito de políticas públicas encontra-se, irremediavelmente, vinculado ao de democracia.

Para Maria José Palmeira e Franck Lechner:

"A Política Pública, pois, visa assegurar o redirecionamento da sociedade, isto é, garantir que as mutações por ela geradas propiciem o bem-estar do conjunto de sua população. Tem, portanto, mais do que paliativa, uma natureza preventiva e organizativa da sociedade".

O direito ao acesso a medicamentos relaciona-se com o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à fraternidade, à justiça social, à saúde e ao desenvolvimento sustentável. Sobre a relação, o Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 486.816-1, 2ª Turma, Ministro Relator Carlos Velloso, considera que o requerente, que é pessoa portadora da SIDA e sem condições financeiras, tem direito ao acesso a medicamentos, em virtude do artigo 196 e do artigo 5º, quando fala no direito à vida, destaca a indissociabilidade do acesso a medicamentos com o direito à vida. Esta relação entre os direitos deve ser valorada, contudo, não há a necessidade da dependência ao direito à vida para a concessão do medicamento.

Nos mesmos termos da decisão, tem-se o voto do relator no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n.º 83, do Ministro Relator Edson Vidigal, junto ao STF, no sentido de que diante do parecer médico, devidamente capacitado, de que outros medicamentos que não aqueles fornecidos pelo SUS estão produzindo resultados muito mais satisfatórios, em decorrência do princípio da igualdade e do direito à saúde, deve o Estado fornecer o medicamento.

A política pública ou o bem comum voltado para o acesso a medicamentos é o exercício desse direito de forma preventiva e incidental. A preventiva envolve a elaboração de normas, execução de atos políticos, principalmente de modo antecipado, dentro do desenvolvimento progressivo do orçamento e da capacidade tecnológica e científica destinada a efetivar o acesso aos medicamentos que sejam necessários. Já a forma incidental, relaciona-se ao Poder Judiciário quando destinado a analisar o fato, com a norma e com o valor de justiça em caso de acesso a medicamentos.

Entenda-se como atuação preventiva não apenas a prática de atos na esfera nacional, mas também junto à ordem internacional. Esta atividade compreende a participação em negociações junto à OMS, à OMPI, à OMC e negociações com outros países em matéria de direitos humanos e acesso a medicamentos como no âmbito do Mercosul.

Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura é necessário:

"revisar o conceito de política pública e concebê-la como direito do cidadão. A idéia é desenvolver ações que estabeleçam novas instâncias de coordenação com os programas existentes e introduzam um novo 'mercado' de prestação de serviços sociais onde o Estado não é o único formulador e prestador".

Sobre este enfoque não há argumento, dentro de uma hermenêutica constitucional, que autorize o afastamento do acesso ao protetor solar, como medicamento, pelo Estado, pela iniciativa privada ou pelo Poder Judiciário, sem que para isso a proteção da ordem internacional e da ordem jurídica nacional não sejam desrespeitadas.

VI. Medidas a serem adotadas para minimização da problemática

Necessário que o Estado altere a forma do registro do protetor solar, ou seja, que o reconheça como medicamentos. Ato contínuo, o Estado poderá, de forma fundamentada, incluir os medicamentos, ao menos os de maior uso nacional, na cesta básica. Automaticamente políticas tributárias poderão ser acessadas pelos fabricantes, beneficiando-se, na cadeia de fornecedores e consumidores, os que necessitam do referido medicamento.

O conjunto destes atos fará com que a sociedade também acompanhe, de modo preventivo e para obter maior eficácia, a salvaguarda da vida, da saúde, da dignidade e do desenvolvimento humano, de modo progressivo.

Por último, na ocorrência da tutela do Poder Judiciário ser necessária, este não terá restrições para a concessão do pleito, eis que a decisão estará fundamentada na Constituição Federal e em preceito de lei federal.

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Referências bibliográficas

Brasil. Ministério da Saúde. Terminologia básica em saúde. Brasília, 1985.

Carvalho, Patrícia Luciane de. Patentes Farmacêuticas e Acesso a Medicamentos. São Paulo: Atlas, 2007.

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Duarte, Francisco Carlos. Qualidade de Vida: A Função Social do Estado. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 41, junho/1994.

Federação Nacional dos farmacêuticos, Brasília, set. de 1996. Assistência Farmacêutica no SUS. 10ª Conferência Nacional de Saúde, Brasília: Ministério da saúde, 1996.

Mascarenhas, Rodolfo dos Santos. Introdução à administração sanitária. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 1972.

Palmeira, Maria José; Lechner, Franck. As mutações sociais e as políticas públicas.

Artigo publicado no site: www.cedeca.org.br/pdf/mutacoes_maria_palmeira. Acesso em 17 de outubro de 2006.

Smillie, Wilson. G. Medicina preventiva e saúde pública. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Higiene, 1950.

Singer, Paul. Prevenir e curar. Rio de Janeiro: Forense, Universitária, 1981.

Winslow apud Acosta, R. T. K. Aspectos de la operacionalización de la política de salud del estado de Santa Catarina (Brasil), a nível del DSP (Departamento Autônomo de Salud Pública). Dissertação de Mestrado. Santiago: Universidade do Chile, 1983.

professora, advogada, autora do livro Patentes Farmacêuticas e Acesso a Medicamentos (Atlas), coordenadora da obra Propriedade Intelectual Estudos em Homenagem à Professora Maristela Basso (Juruá) e organizadora, com Maristela Basso, da obra "Lições de Direito Internacional Estudos e Pareceres de Luiz Olavo Baptista" (Juruá)

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*Professora e advogada





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