Pulseiras eletrônicas
Matheus Guimarães Cury*
Iniciativa louvável, se analisarmos apenas pela expectativa popular. No entanto, não basta apenas a boa vontade em responder ao clamo social, é preciso analisar a constitucionalidade da lei.
Nos termos do artigo 24, inciso I da Constituição Federal (clique aqui), compete ao Estado, concorrentemente com a União legislar sobre direito penitenciário.
E justamente, com base nesse dispositivo foi sancionada a referida lei, sob o argumento de se estabelecer normas de direito penitenciário.
O parágrafo único do artigo 1° da Lei Estadual nº. 12.906/08 prevê:
"A vigilância eletrônica consiste no uso da telemática e de meios técnicos que permitam, à distância e com respeito à dignidade da pessoa a ela sujeita, observar sua presença ou ausência em determinado local e durante o período em que, por determinação judicial, ali deva ou não possa estar".
Simplificando ao leitor, trata-se de regulamentação do uso de pulseiras eletrônicas, visando monitorar os condenados que cumprem pena em domicílio; que estão proibidos de freqüentar determinados lugares; que estão em benefício de livramento condicional e os presos autorizados à saída temporária do estabelecimento prisional.
Prevê, ainda, a respectiva Lei, em seu artigo 7°, que a violação dos deveres quanto ao monitoramento eletrônico configura falta grave.
Contudo, devemos questionar se tal matéria relaciona-se ao Direito Penitenciário ou são normas que devem ser reguladas no âmbito da Execução da Pena, de caráter penal e processual penal.
Nos termos do artigo 22, inciso I da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito penal e direito processual penal, e nos parece claramente que tais regras devem ser regulamentadas no âmbito da Execução Penal, motivo pelo qual caberia apenas à União, através de sanção do Presidente da República regular o monitoramento eletrônico.
A Lei de Execução Penal, nº. 7.210/84 (clique aqui), trata da Execução das Penas em Espécie, dos Regimes, da Progressão de Regime, da Regressão de Regime, das autorizações de saída, do Livramento Condicional e tantos outros institutos de Execução de Pena, entre eles "Das Faltas Disciplinares".
Nos parece evidente que cabe privativamente à União legislar sobre a matéria. E mais, a Lei Estadual jamais poderia trazer qualquer previsão sobre "falta grave". O instituto é regulado por Lei Federal e não pode o Estado, em nenhuma hipótese, incrementá-lo, eis que o cometimento de falta grave acarreta a perda de benefícios.
Tanto que o Legislador Estadual prevê no artigo 2° da referida Lei, que "a vigilância eletrônica dependerá de consentimento do condenado". Prevendo que seria questionada a inconstitucionalidade da Lei o Legislador Estadual preferiu o consentimento.
Ainda que se colha o consentimento do condenado, esbarramos na sanção disciplinar, que não pode ser regulada por Lei Estadual, conforme já explicitado, pois, uma vez caracterizada a falta grave, sofrerá o condenado com reflexos penais.
Ao contrário do sustentado pelo legislador que entende ser constitucional o texto legal, a Lei Estadual não traz meras regras de direito penitenciário, como regulamentações de visitas ou transferências de presos, mas sim, por via oblíqua, impõe sanção de natureza grave, contrariando o dispositivo constitucional.
Como já dissemos, louvável a iniciativa do Deputado Baleia Rossi, que atende ao clamo social. No entanto, não basta ser louvável, tem que se respeitar a Constituição Federal, pilar do nosso Estado Democrático de Direito.
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*Advogado, Professor de Direito Penal da UNISANTOS, Membro Efetivo do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo, Mestre em Direito pela UNIMES, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra – Portugal
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