Dano moral contra pai
Sérgio Roxo da Fonseca*
Confessava sentir uma profunda tristeza por não ter convivido com o seu pai desconhecido, por pior que fosse, pois sua mãe havia falecido sem revelar a sua identidade. Aquele ser habitava seus sonhos, surgindo como um homem sem rosto, que havia subtraído da sua infância, o prazer de jogar bola com ele ou de levá-lo a um circo imaginário. Nada de nada, era um homem sem pai.
Muitas vezes, via-se na contingência de identificar-se num banco, num hotel ou alhures, quando então alguém lhe perguntava o seu nome e o do seu pai. Não tenho pai, respondia. O outro compreendia a coisa pela rama, dizendo-lhe que percebia que o seu pai já havia morrido, mas que precisava saber qual era o seu nome. Nunca soube o nome do meu pai, sou filho de mãe solteira. O silêncio seqüente era a roupagem da sua dor e do constrangimento daquele que indagava.
Qual era a solução apresentada pelo direito brasileiro? Naquela época, a solução mais próxima aplacaria a dor dos interrogatórios, sem, contudo, cicatrizar as feridas da alma. Não havia o exame do DNA. Propus que procurasse um tio amigo que o adotasse, passando assim a figurar no seu registro de nascimento como seu pai. Resolvia o problema alheio. Não o dele.
Da pequena história extrai-se a possibilidade do pai ausente causar danos morais, quando não materiais, ao filho havido fora do casamento.
Com a tendente oxigenação das atuais relações familiares, casos análogos e semelhantes multiplicam-se. Um deles, de espantosa freqüência, refere-se a filhos havidos antes ou durante o casamento dos genitores, por eles repudiados, de tal sorte que aqueles nascidos do leito conjugal passam a ter um tratamento bastante diferente do enjeitado.
Teria o enjeitado o direito à antecipação da herança, buscando encontrar algum equilíbrio jurídico com seus irmãos de sangue? O direito brasileiro proíbe a antecipação da herança, sancionando o ato com pena de invalidade. Mas é justo discriminar um irmão do outro porque um é filho de mãe solteira e o outro de mãe casada?
Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo enfrentou essa questão, reformando sentença originária proferida em sentido contrário, respondendo que cabe ao enjeitado indenização por dano moral contra o pai negado. Não apenas contra o pai negado, mas também contra o pai ausente. Trata-se da apelação 5119034700 da comarca de Marília, julgada em 12 de março de 2008, relatada pelo Desembargador Caetano Lagrasta, com a seguinte ementa:
"Autor abandonado pelo pai desde a gravidez da sua genitora e reconhecido como filho após propositura de ação judicial. Discriminação em face dos irmãos. Abandono moral e material caracterizados. Abalo psíquico, Indenização devida. Sentença reformada".
Tais palavras falam mais do que um código de leis.
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