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Dano moral contra pai

No início da década de setenta, era promotor de Justiça de uma pequena cidade do interior paulista, quando fui procurado por um empresário de sucesso que me revelou a sua grande dor: não tinha pai conhecido. Era filho de mãe solteira.

12/5/2008


Dano moral contra pai

Sérgio Roxo da Fonseca*

No início da década de setenta, era promotor de Justiça de uma pequena cidade do interior paulista, quando fui procurado por um empresário de sucesso que me revelou a sua grande dor: não tinha pai conhecido. Era filho de mãe solteira.

Confessava sentir uma profunda tristeza por não ter convivido com o seu pai desconhecido, por pior que fosse, pois sua mãe havia falecido sem revelar a sua identidade. Aquele ser habitava seus sonhos, surgindo como um homem sem rosto, que havia subtraído da sua infância, o prazer de jogar bola com ele ou de levá-lo a um circo imaginário. Nada de nada, era um homem sem pai.

Muitas vezes, via-se na contingência de identificar-se num banco, num hotel ou alhures, quando então alguém lhe perguntava o seu nome e o do seu pai. Não tenho pai, respondia. O outro compreendia a coisa pela rama, dizendo-lhe que percebia que o seu pai já havia morrido, mas que precisava saber qual era o seu nome. Nunca soube o nome do meu pai, sou filho de mãe solteira. O silêncio seqüente era a roupagem da sua dor e do constrangimento daquele que indagava.

Qual era a solução apresentada pelo direito brasileiro? Naquela época, a solução mais próxima aplacaria a dor dos interrogatórios, sem, contudo, cicatrizar as feridas da alma. Não havia o exame do DNA. Propus que procurasse um tio amigo que o adotasse, passando assim a figurar no seu registro de nascimento como seu pai. Resolvia o problema alheio. Não o dele.

Da pequena história extrai-se a possibilidade do pai ausente causar danos morais, quando não materiais, ao filho havido fora do casamento.

Com a tendente oxigenação das atuais relações familiares, casos análogos e semelhantes multiplicam-se. Um deles, de espantosa freqüência, refere-se a filhos havidos antes ou durante o casamento dos genitores, por eles repudiados, de tal sorte que aqueles nascidos do leito conjugal passam a ter um tratamento bastante diferente do enjeitado.

Teria o enjeitado o direito à antecipação da herança, buscando encontrar algum equilíbrio jurídico com seus irmãos de sangue? O direito brasileiro proíbe a antecipação da herança, sancionando o ato com pena de invalidade. Mas é justo discriminar um irmão do outro porque um é filho de mãe solteira e o outro de mãe casada?

Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo enfrentou essa questão, reformando sentença originária proferida em sentido contrário, respondendo que cabe ao enjeitado indenização por dano moral contra o pai negado. Não apenas contra o pai negado, mas também contra o pai ausente. Trata-se da apelação 5119034700 da comarca de Marília, julgada em 12 de março de 2008, relatada pelo Desembargador Caetano Lagrasta, com a seguinte ementa:

"Autor abandonado pelo pai desde a gravidez da sua genitora e reconhecido como filho após propositura de ação judicial. Discriminação em face dos irmãos. Abandono moral e material caracterizados. Abalo psíquico, Indenização devida. Sentença reformada".

Tais palavras falam mais do que um código de leis.

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*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor das Faculdades de Direito da UNESP e do COC.

 

 




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