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O princípio da segurança jurídica nos reajustes tarifários

O Superior Tribunal de Justiça julgou, recentemente, os recursos contra a decisão judicial que impediu a aplicação do IGP-DI no reajuste das tarifas telefônicas. Esse índice está previsto nos contratos de concessão e havia sido autorizado pela ANATEL.

27/7/2004


O princípio da segurança jurídica nos reajustes tarifários


Sérgio Guerra*

O Superior Tribunal de Justiça julgou, recentemente, os recursos contra a decisão judicial que impediu a aplicação do IGP-DI no reajuste das tarifas telefônicas. Esse índice está previsto nos contratos de concessão e havia sido autorizado pela ANATEL. Fundamentando sua decisão no princípio da segurança jurídica, a Corte suspendeu a liminar que determinava às operadoras a adoção do IPCA, restabelecendo, portanto, o indexador contratual.

Tudo começou em 2003, quando o reajuste das tarifas de telefonia foi contestado em diversas ações judiciais por todo o país. Prevaleceu uma liminar do Juiz da 2ª Vara Federal de Brasília sustentando que o IGP-DI "não concretiza a norma que assegura modicidade (modéstia) das tarifas".

Não restam dúvidas que o IGP-DI, influenciado pela alta do dólar no final de 2002, teve maior variação, ficando em torno de 32%, o que representa maior ônus para os consumidores. Já o IPCA, que foi adotado inicialmente pelo Judiciário, ficou bem abaixo, em torno de 17%.

Contudo, a decisão judicial que havia determinado a aplicação do IPCA alterou regras do contrato e, mais do que isso, não observou todo o arcabouço regulatório das telecomunicações. Com marcos pré-definidos pelos Poderes Legislativo e Executivo (standards), a regulação desse setor tem sido implementada pela ANATEL por meio de uma interpretação técnica altamente complexa, que deve ponderar interesses, custos, ônus e benefícios para todo o mercado, inclusive para os consumidores.

Ao restabelecer o IGP-DI, previsto nos contratos de concessão, o Superior Tribunal de Justiça não só reafirmou a indisponibilidade do princípio da segurança jurídica nos contratos de concessão, mas, sobretudo, contribuiu para se evitar o risco regulatório do sistema de telecomunicações e, em cadeia, dos outros sistemas regulados.

Não se pode esquecer que, de acordo com o modelo neoliberal vigente, o Brasil implementou um amplo processo de privatizações, transferindo para a iniciativa privada diversas atividades econômicas e a concessão de serviços públicos. Foi nesse cenário que o Estado criou a ANATEL, ANEEL e demais Agências Reguladoras.

Desde meados da década de 90, até 2002, o Brasil desenvolveu um consistente esforço político e institucional para implantar o modelo constitucional de “Estado Regulador”, com participação estatal indireta. Por isso, entidades autárquicas foram criadas com relativo grau de independência e autonomia.

Nesse contexto jurídico-constitucional, a Administração Pública direta, diante da premente necessidade de atrair investimentos, sobretudo estrangeiros, abriu mão da função de regular diretamente os novos mercados, conferindo-a às Agências Reguladoras.

O objetivo foi – e deve continuar sendo – o de gerar salvaguardas institucionais que significassem um compromisso com a manutenção de regras e contratos de longo prazo. A bem da verdade, a decisão política de ceder controle e capacidade decisória às Agências Reguladoras conduz à confiabilidade e equilíbrio de mercado.

É fato que este processo vem gerando mudanças significativas, não só na forma de intervenção econômica do Estado, como também em sua relação com a sociedade e na organização do governo. Mudanças que trazem em seu bojo expressivas transferências de “poder” para novos atores.

É sempre bom recordar que, no passado próximo, as empresas estatais, notadamente as prestadoras de serviços públicos, foram utilizadas como meio político para se atingir metas sociais e econômicas, sem o compromisso com o indissociável equilíbrio das contas públicas.

Somente com a criação de Agências Reguladoras, com relativo grau de independência e autonomia, além de corpo técnico com comprovada capacidade e experiência no setor regulado, se pode alcançar um ambiente de segurança e, principalmente, atratividade dos investidores nacionais e estrangeiros.

Com isso, o Poder Executivo e, por que não dizer, até mesmo o Poder Judiciário, devem compreender essa nova realidade, em que se deslocou o controle e capacidade decisória do poder estatal central para um quadro técnico da administração pública indireta.

Em troca, se busca credibilidade e estabilidade perante um mundo globalizado, demonstrando, não só ao empresariado brasileiro, mas à comunidade internacional, que o modelo de intervenção regulatória adotado pelo Brasil é seguro, não sendo um tema de um determinado governo de direita, centro ou esquerda, mas, sobretudo, um modelo de Estado.
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados









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