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A herança na relação de convivência e suas contradições com os direitos adquiridos

Quando da promulgação da Constituição Pátria de 1988, as pessoas que viviam como se marido e mulher fossem aos olhos da sociedade, tiveram esta relação guindada à condição de entidade familiar, conquistando em nossa opinião os mesmos direitos e obrigações daqueles que se casam pelo regime da comunhão parcial de bens.

20/5/2008


A herança na relação de convivência e suas contradições com os direitos adquiridos

Antonio Ivo Aidar*

Quando da promulgação da Constituição Pátria de 1988 (clique aqui), as pessoas que viviam como se marido e mulher fossem aos olhos da sociedade, tiveram esta relação guindada à condição de entidade familiar, conquistando em nossa opinião os mesmos direitos e obrigações daqueles que se casam pelo regime da comunhão parcial de bens. Todavia, com raríssimas exceções, assim não entenderam de pronto os nossos egrégios sodalícios. Somente com a edição da Lei nº. 9.278/96 (clique aqui) é que nossas cortes, na sua grande maioria, passaram a entender a União Estável como uma instituição que postergava às pessoas, os mesmos direitos e as mesmas prerrogativas do casamento pela Comunhão Parcial de Bens. Aliás, na questão sucessória, estes direitos já haviam sido quase igualados com a promulgação da Lei nº. 8.971/94 (clique aqui). Mais ainda, com a vigência da Lei nº. 9.278/96, foi postergado ao companheiro, quando do falecimento da outra parte, o direito real de habitação. Também, foi garantido ao companheiro, buscar a partilha de todos os bens adquiridos onerosamente no curso da união fática, independentemente do lapso de tempo pelo qual manteve a convivência. Bastava, como continua bastando, que homem e mulher tivessem o "animus" de viverem como se marido e mulher fossem aos olhos da sociedade.

Com a entrada em vigência do Novo Código Civil (clique aqui), este direito adquirido dos companheiros de serem beneficiários dos mesmos direitos e obrigações que usufruem aqueles que contraíram matrimônio sob a égide da comunhão parcial de bens, foi olimpicamente ignorado pelo artigo 1829. O referido artigo, elevou as pessoas casadas pelo regime da Comunhão Parcial de Bens; Separação Total de Bens e Comunhão Final de Aquestos à condição de herdeiros necessários, em igualdade com aqueles que herdam em face do "Jus Sanguinis". Por seu turno, os companheiros não foram reconhecidos como herdeiros necessários e estão enquadrados no capítulo "Da Sucessão em Geral", mais precisamente no artigo 1790, do novo Codex em vigência.

Enquanto a pessoa casada concorrerá com os filhos comuns, recebendo um percentual mínimo de 12,05% do total dos bens do casal, ou, ¼ (hum quarto) dos bens pertencentes ao cônjuge falecido, os companheiros, se concorrerem com filhos comuns, terão direito à um percentual equivalente àquele recebido pelo filho, incorrendo a figura do Piso mínimo de hum quarto. Mais ainda, concorrerão somente em face dos bens adquiridos onerosamente durante a vida fática. O código em vigência não guindou os companheiros à condição de herdeiros, não lhes sendo deferido participação nos bens particulares. Nunca é demais lembrar que, tanto no casamento pelo regime da comunhão parcial de bens, como na União Estável, restou preservada a meação dos bens adquiridos onerosamente no curso da relação.

Outro dos direitos adquiridos dos companheiros, devidamente ignorado pelo Novo Código Civil, é aquele que trata do Direito Real de Habitação, consagrado aos conviventes através do Parágrafo Único, do artigo 7º, da Lei nº. 9278/96. No entanto, sabendo que a Lei nova somente revoga a Lei anterior quando expressamente o declare, ou, quando aquela foi mais ampla, temos que o texto legal silenciou-se a respeito do assunto. Em nossa opinião o Direito Real de Habitação mantém-se redivivo em nosso ordenamento jurídico, a teor daquilo que encontra-se insculpido no artigo 2º, inciso I, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.

Ás pessoas casadas, foi conferido o direito de habitação, independentemente do regime de bens pelo qual contraíram suas núpcias. Portanto, agindo na contramão daquilo que vem elencado pelo artigo 226, inciso III, da nossa Constituição Federal, o legislador pátrio, equivocadamente, atribuiu dois pesos e duas medidas à uma mesma situação.

Não havendo descendentes das pessoas casadas, o cônjuge sobrevivente receberá metade daquilo que vier a receber cada ascendente do falecido. Porém, havendo um só ascendente, lhe caberá metade da herança. Mas não é só. Inexistindo descendentes e ascendentes, toda a herança caberá ao cônjuge supérstite, preferindo-se ele aos colaterais.

Esses mesmos direitos acima mencionados eram garantidos aos companheiros, em face do disposto pelo artigo 2º e seus respectivos incisos, da Lei nº. 8971/94, que encontra-se revogada em razão da vigência do novo Código Civil.

O novo texto legal retirou àqueles direitos, então adquiridos pelos companheiros, quando no artigo 1790, inciso III, estipula que, concorrendo com outros parentes sucessíveis (ascendentes e colaterais até quarto grau), terá direito tão somente a um terço da herança. O companheiro somente receberá a totalidade da herança no caso de não haver parentes sucessíveis, fato que não ocorria anteriormente à vigência do novo Estatuto Civil.

Com certeza, novas emendas, já tardiamente deverão ser propostas pelo Poder Legislativo. Outrossim, a jurisprudência emanada de nossos tribunais, tratarão de repor aos companheiros à mesma condição que desfrutam os cidadãos casados pelo regime da comunhão parcial de bens. Porém, que estes direitos acima comentados sejam resgatados, seremos obrigados a conviver com este verdadeiro atentado ao instituto de Direito Adquirido que é perpetrado pelo Código vigente. Tudo em nome de uma justiça, que, independentemente de culpa do Poder Judiciário, continua tardia.

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*Advogado do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais









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