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Argentina

Durante o ano de 2007, a Argentina não experimentou grandes mudanças em relação às normas sobre Preços de Transferência. Contudo, um recente acórdão da Sala C do Tribunal Fiscal da Nação (“TFN”) estabeleceu a aplicação concreta de uma nova pauta interpretativa sobre Preços de Transferência, não prevista na Lei do Imposto de Renda nem em seu Decreto Regulamentar.

1/4/2008


Preço de Transferência*

Argentina (2007)

Martin J. Barreiro**

Silvana M. Yanichevsky**

Durante o ano de 2007, a Argentina não experimentou grandes mudanças em relação às normas sobre Preços de Transferência. Contudo, um recente acórdão da Sala C do Tribunal Fiscal da Nação ("TFN") estabeleceu a aplicação concreta de uma nova pauta interpretativa sobre Preços de Transferência, não prevista na Lei do Imposto de Renda nem em seu Decreto Regulamentar. A referida pauta interpretativa, como se explicará a seguir, permite uma maior flexibilidade nos casos envolvendo partes vinculadas (em contraposição ao conceito de "partes independentes").

Essa pauta interpretativa surge da aplicação dos comentários da publicação Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations (OCDE, Paris, 1995).

De fato, na sentença proferida no processo "Compañía Ericsson S.A.C.I.", no dia 15 de agosto de 2007, a Sala C do TFN indeferiu a petição de 13 de novembro de 2002, pela qual a Direção Geral de Impostos ("DGI") havia determinado um ajuste no Imposto de Renda referente aos exercícios fiscais de 1996 e 1997.

Mesmo quando o ajuste efetuado pela DGI compreendia períodos anteriores à data em que as normas de Preços de Transferência foram incorporadas à Lei do Imposto de Renda, a Sala C do TFN utilizou como argumento para fundamentar sua decisão os comentários da publicação Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations (OCDE, Paris, 1995).

O ajuste realizado pela DGI havia sido efetuado por considerar que o empréstimo recebido de uma companhia vinculada do exterior não era em condições de mercado devido à falta de: (i) documentação do empréstimo – o único "documento" que havia era um simples memorando detalhando as condições do empréstimo, sem qualquer assinatura que obrigasse a sociedade; e (ii) fiadores e/ou avais necessários em função do elevado nível de endividamento que a companhia tinha.

A DGI não considerou relevante que a companhia já havia anteriormente se endividado com entidades financeiras em condições semelhantes e que, portanto, o empréstimo que ensejou o referido acórdão foi liquidado com um novo empréstimo obtido por outra entidade financeira também em condições semelhantes.

A Sala C do TFN entendeu que a decisão da DGI deveria ser revogada.

Para chegar a essa conclusão, a Sala C do TFN fez referência ao artigo 14 da Lei Local do Imposto de Renda ("LIG"), que prevê o conceito de "terceiro independente", sendo que todas as transações entre contribuintes do país ou pessoas ou entidades vinculadas constituídas, domiciliadas ou situadas no exterior serão consideradas, para todos os efeitos, como celebradas entre partes independentes sempre que suas prestações e condições se ajustarem às práticas normais de mercado entre entes independentes (parágrafo terceiro).

Como indicamos anteriormente, a Sala C do TFN considerou o comentário 1.10 do Capítulo I que, em matéria de plena concorrência, incorpora o entendimento da publicação "Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations" (OCDE, Paris, 1995) ao expressar que: "uma dificuldade prática na aplicação do princípio do terceiro independente reside no fato de que as empresas vinculadas podem encarar transações que empresas independentes não efetuariam".

Nesse sentido, a Sala C do TFN considerou "que, em expressa referência à observação das formas contratuais utilizadas pelas empresas vinculadas em seus acordos, o comentário 1.28 da publicação citada formula a seguinte observação: "no que se refere ao princípio da plena concorrência, os termos contratuais de uma transação de modo geral definem explícita ou implicitamente as responsabilidades, riscos e benefícios a serem compartilhados pelas partes independentes", acrescentando que "os termos de uma transação podem surgir de correspondências e comunicados entre as partes, mas também de um contrato", situação que é precisamente a que se verifica nos autos e que é reconhecida pelos organismos de âmbito internacional como habitual entre partes vinculadas".

A Sala C do TFN acrescentou ainda: "que, além do mais, o comentário 1.29 observa que a "não há conflito de interesses no caso de empresas vinculadas, cabendo, portanto, examinar se a conduta das partes se acomoda aos termos de um contrato ou se a referida conduta indica que não seguiram as cláusulas contratuais ou que estas carecem de virtualidade. Que nesses casos as pautas recomendadas indicam a conveniência de uma análise da conduta seguida pelas empresas vinculadas para determinar os termos das transações que efetuaram".

Finalmente, a Sala C do TFN ressaltou "que, precisamente no caso dos autos, a observação da conduta seguida pelas entidades envolvidas na transação não permite inferir conduta tendente à evasão do tributo, uma vez que reflete a que teria sido observada por partes independentes, ainda mais quando o empréstimo foi substituído por outro acordado com uma instituição bancária local não vinculada, tendo sido outorgado em condições semelhantes às questionadas pelo fisco nacional."

A relevância deste caso reside na flexibilidade outorgada pela Sala C do TFN aos requisitos estabelecidos para os empréstimos realizados entre partes vinculadas. Além disso, pode-se ver o princípio da realidade econômica expressamente aplicado a esse caso, em que a análise voltou-se, quase que completamente, à conduta das partes, independentemente da forma e/ou da formalidade da operação.

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*A partir de hoje Trench, Rossi e Watanabe Advogados, associado a Baker & McKenzie, publica uma série de artigos que descreve as principais mudanças ocorridas no ano de 2007 na prática de preços de transferência nos principais países da América Latina.

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**Integrantes do escritório Baker & McKenzie









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