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A reforma tributária e a nova surpresa dos contribuintes

O Ministro Mantega anunciou a proposta de reforma tributária prometendo acabar com a guerra fiscal entre as unidades da Federação, mas discursou escondendo as incontáveis maldades do pacote quando disse que seus principais objetivos seriam simplificação, a desoneração, e a eliminação das distorções que prejudicam o crescimento das empresas e sua competitividade.

27/3/2008


A reforma tributária e a nova surpresa dos contribuintes

Jove Bernardes*

O Ministro Mantega anunciou a proposta de reforma tributária prometendo acabar com a guerra fiscal entre as unidades da Federação, mas discursou escondendo as incontáveis maldades do pacote quando disse que seus principais objetivos seriam simplificação, a desoneração, e a eliminação das distorções que prejudicam o crescimento das empresas e sua competitividade.

Ora, é evidente que simplificação do sistema e desoneração do contribuinte é o que não se vê. Quanto ao mais, vê-se que a eliminação das distorções do sistema passa pela nivelação da carga tributária por cima, acabando com a guerra fiscal entre estados agradando todos os combatentes, indistintamente. Aconteceu o mesmo com o Supersimples: dados de pesquisa nacional recentemente divulgada pelo Sebrae sobre os impactos do regime indicam que dos 72% dos empresários que optaram pelo regime, 37,5% sentiram que sua carga tributária aumentou em relação ao antigo Simples, contra 23,6% que acharam que ela diminuiu. O próprio presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, disse que está provado que houve, sim, aumento da carga tributária em vários Estados.

A proposta da reforma tributária pouco esclarece sobre a tão propagandeada desoneração da folha de pagamentos, não amplia a base de contribuintes, pressuposto para que mais paguem menos, pouco ou nada diz sobre o IPI e o IR e, se tem o mérito de propor a centralização da legislação do ICMS, presta um desserviço ao empreendedor, pois garante ao Fisco caminho aberto em direção ao bolso do contribuinte ao tirar do governo um importante limite ao seu poder de tributar, subtraindo da guarida da Constituição Federal (clique aqui) a garantia da não cumulatividade ínsita ao ICMS, transferindo-a para lei federal.

Em outras palavras, a proposta mantém em lei federal a espinha dorsal do regime jurídico da compensação de créditos de ICMS, mas planeja levar para lá também a própria definição do que é a não cumulatividade do imposto.

A mudança não é pequena.

As 27 legislações de ICMS que hoje proliferam no país são pródigas na criatividade com que burlam, com mais ou menos eficácia, a não cumulatividade de que trata o inciso I do § 2º do art. 155 da Constituição Federal ("o ICMS será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal"). Esta não cumulatividade só é limitada pelas duas exceções referidas no inciso II do mesmo § 2º do art. 155: apenas se houver isenção é que o crédito não ensejará compensação nas operações seguintes; e a não incidência anulará o crédito das operações anteriores.

A burla sistemática a este direito subjetivo público de guarida constitucional é feita para aumentar a receita do Estado indiretamente, sem precisar aumentar a alíquota do imposto. Até aqui o dispositivo constitucional que garante a não cumulatividade tem sido escamoteado por lei estadual, ou até mesmo mero ato administrativo (como a Resolução nº 3.166/2000 do governo mineiro, por exemplo) vedando a integral apropriação do crédito em casos outros que não a isenção ou não incidência. Assim, o imposto a ser recolhido aumenta, pois o débito fica maior devido à míngua do crédito surrupiado.

Este tipo de legislação marota, porém, sempre levou à barra dos tribunais os contribuintes, que, escorados no citado dispositivo constitucional da não cumulatividade, costumam ver reconhecido pela Justiça seu direito à integralidade dos créditos de ICMS. A vedação das legislações estaduais à apropriação integral dos créditos de ICMS incidente sobre as mercadorias componentes da cesta básica é apenas um exemplo das muitas tentativas que são barradas na Justiça.

Propondo a retirada desta garantia da Constituição Federal, porém, o governo federal faz o contribuinte perder uma importantíssima salvaguarda. Ao propor deixar para lei federal a definição do que seja não cumulatividade do ICMS, o governo perde a limitação antes existente e ganha o direito de manipular à vontade não só o regime jurídico da compensação dos créditos como também o próprio conceito de não cumulatividade.

A manipulação que vai ocorrer não só é previsível como já tem dois excepcionais exemplos prontos e acabados. Tratam-se das contribuições sociais PIS e COFINS a que se sujeitam os contribuintes dos regimes não cumulativos destes tributos, regulados, respectivamente, pelas Leis nº.s 10.637/2002 (clique aqui) e 10.833/2003 (clique aqui).

Ao tornar não cumulativas estas contribuições sociais, o governo federal não se submeteu aos modelos pré-existentes de não cumulatividade referentes ao ICMS e do IPI que já existiam na Constituição Federal, instituindo por lei a não cumulatividade marota e extravagante que hoje vigora para estes tributos: simples alterações na lei que os instituiu não cumulativos, feitas até por medidas provisórias, bastam para aumentar a arrecadação de uma e outra contribuições pela limitação dos créditos ou pelo aumento da coluna dos débitos, tudo ao sabor da conveniência do momento e do aperto de caixa do governo, que é notório e constante.

O que importa salientar, ao fim e ao cabo, é que a não cumulatividade visa a neutralizar o impacto do tributo na Economia, buscando, em suma, tributar apenas a margem que o contribuinte operador daquele elo comercial agrega ao valor da mercadoria ou serviço. É óbvio, porém, que, selecionando quais créditos o contribuinte pode e não pode aproveitar, o governo acaba fazendo com que ele seja onerado pelo que acrescentou de valor à operação de que participa e ainda pela parte do crédito que ele não pôde realizar.

Em suma: há muito ainda que analisar na proposta de reforma tributária, mas já neste detalhe - e, como diz o Dr. Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, em direito tributário "o diabo mora é no detalhe" - já dá pra notar que o que quer o governo é manter a arrecadação e garantir-se instrumentos para aumentá-la quando bem entender. E faz isso às claras nesta proposta de reforma tributária, eliminando as salvaguardas dos contribuintes e limitando seu poder de reação.

Simplificação do sistema tributário, no nosso entender, decorre da diminuição da quantidade de tributos e de obrigações instrumentais, não apenas da fusão de tributos pré-existentes tendo a manutenção do nível de arrecadação como premissa. Desoneração da carga tributária, por sua vez, faz-se aumentando a base de contribuintes, para que mais paguem menos.

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*Advogado do escritório Bernardes & Faria Advogados Associados






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