Apontamentos sobre as sociedades de propósito específico - SPEs
Carlos Augusto Moreira Filho*
Criação norte-americana, a joint venture, na acepção de Len Young Smith e G. Gale Roberson, é "uma modalidade de partnership temporária, organizada para a execução de um único ou isolado empreendimento lucrativo e, usualmente, embora não necessariamente, de curta duração. É uma associação de pessoas que combinam seus bens, dinheiro, esforços, habilidade e conhecimentos com o propósito de executar uma única operação negocial lucrativa." (in Business Law, 4th ed. St. Paul Minn., 1977, p. 698, apud Modesto Carvalhosa in Comentários à Lei de Sociedades Anônimas (clique aqui), tomo 4, Saraiva, 1998, pág. 360).
A joint venture pode resultar, ou não, na criação de uma terceira empresa ("corporate joint venture" ou "unincorporated joint venture"). A joint venture guarda certa similitude com o consórcio, disciplinado entre nós nos artigos 278 e 279 da Lei nº. 6.404, de 15.12.1976 (Lei das Sociedades Anônimas), pois ali se trata da união de duas ou mais empresas para executar determinado empreendimento. Entretanto, o consórcio não tem personalidade jurídica e as empresas consorciadas somente se obrigam nas condições ajustadas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade. O consórcio não é, como sabido, uma nova empresa. Exatamente por não ter personalidade jurídica, o consórcio não pode adquirir direitos, nem assumir obrigações, mas sim as empresas que o integram.
Quando a joint venture tem como objetivo desenvolver e explorar um novo produto, essa finalidade pode dar origem a uma SPE, na qual as empresas sócias vão dividir a responsabilidade pelo projeto e pelo seu respectivo custo.
A SPE não constitui um novo tipo societário e pode adotar, em tese, qualquer das formas previstas no nosso ordenamento jurídico. Dizemos em tese, porque a Lei nº. 11.079, de 30.12.2004 (clique aqui), que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parcerias público-privadas no âmbito da União Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabeleceu em seu artigo 9º que "antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria."
Como a Administração Pública não pode assumir responsabilidade solidária e ilimitada perante terceiros, resta claro e indiscutível que a SPE à qual foi atribuída a concessão, não poderá revestir as formas de sociedade em nome coletivo, sociedade em conta de participação ou sociedade cooperativa. Registre-se que as SPEs têm habitualmente adotado as formas de sociedade anônima ou sociedade limitada. Além disso, a grande vantagem da SPE para a Administração Pública, nas parcerias público-privadas, é facilitar o controle e o acompanhamento do contrato de concessão, em virtude da segregação patrimonial, contábil e jurídica que é inerente às SPEs.
O Código Civil de 2002 (clique aqui) admite expressamente as SPEs no artigo 981 e seu parágrafo único: "Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados." O parágrafo único desse dispositivo, por sua vez, estabelece que "a atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados."
Observamos ainda que as SPEs vêm sendo utilizadas pelas grandes empresas incorporadoras e construtoras de edifícios condominiais. Com efeito, a Lei nº. 10.931, de 2.8.2004 (clique aqui), que dispõe, entre outros assuntos, sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, acrescentou todo um capítulo à Lei de Condomínios e Incorporações – Lei nº. 4.591, de 16.12.1964 (clique aqui) – estabelecendo em seu artigo 31-A, o seguinte: "A critério da incorporadora, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes."
O parágrafo primeiro desse dispositivo é claro ao determinar que " o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva."
Dessa forma, os incorporadores vêm efetuando, em números crescentes, incorporações de edifícios condominiais sob o regime de afetação, constituindo, para cada novo empreendimento, uma SPE com o objeto precípuo de implementar aquela incorporação/construção. Isto representa, para os adquirentes de unidades imobiliárias, uma garantia de que o empreendimento não terá a sua realização comprometida por outras dívidas e compromissos do incorporador decorrentes de outras incorporações mal sucedidas.
Como se vê, o campo de aplicação das SPEs vem sendo continuamente ampliado em virtude das vantagens que apresenta em relação ao seu mais assemelhado concorrente que é o consórcio de empresas.
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*Advogado do escritório Mattos, Muriel, Kestener Advogados
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