Da Ineficácia da nova lei antidrogas
Augusto Rodrigues Leite*
Após realizar uma profunda análise sobre a Lei n°. 11.343, publicada em 24 de agosto de 2006 (clique aqui), e sobre suas prováveis conseqüências na sociedade brasileira – prováveis porque a lei é relativamente recente e os resultados mostrar-se-ão mais contundentes e desesperadores em tempos futuros – pode-se concluir que ela apresenta em seu bojo um conteúdo ineficaz no combate ao tráfico e ao consumo em geral de drogas ilícitas no Brasil por uma série de motivos, sendo alguns deles objeto de discussão no presente trabalho.
A Lei nº. 11.343/06, também conhecida como Nova Lei Antidrogas visou pôr fim ao tráfico e ao consumo de drogas no âmbito nacional, não sendo, porém, eficaz quanto ao seu objetivo. Um dos principais, se não o principal motivo da ineficácia, decorre do fato de o crime de porte de drogas para consumo próprio, tipificado no artigo 28 da referida lei, ter passado a prever como sanção penal as penas de advertência sobre os efeitos das drogas, de prestação de serviços à comunidade e, ainda, de aplicação de uma medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Ocorre que, tais penas, além de diminuírem a carga punitiva do crime de porte para uso próprio, tendo em vista que a revogada Lei nº. 6.368/76 (clique aqui) previa para a mesma conduta uma pena privativa de liberdade – detenção de seis meses a dois anos, nos termos do seu artigo 16 – retiram o seu caráter coercitivo, presente até então com a vigência da lei anterior que tutelava a matéria. Essas novas penas a serem impostas ao indivíduo não intimidam o cidadão a não consumir drogas, causando descrédito perante a sociedade, fazendo com que ele não mais tema as eventuais sanções penais a serem impostas contra ele, caso queira valer-se das drogas para consumo pessoal.
Inobstante, no caso de descumprimento das medidas de prestação de serviços à comunidade e de comparecimento a programa ou curso educativo, duas das três penas a serem aplicadas ao sujeito ativo do crime tipificado no artigo 28 da lei em análise, estão previstas como sanções a admoestação verbal e a multa, duas soluções absolutamente ineficazes, assim como as penas acima analisadas, visto serem todas elas desacompanhadas da privação da liberdade do infrator penal.
Insta salientar que não foi somente a extinção da pena privativa de liberdade aos sujeitos surpreendidos na posse de drogas para consumo pessoal a caracterizadora da ineficácia da Nova Lei Antidrogas.
A Lei nº. 6.368/76, em seu artigo 12, punia o traficante de drogas com a pena de 3 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão. Com o advento da nova lei, entretanto, a conduta criminosa passou a ter pena mínima de 5 (cinco) anos, conforme se depreende da leitura do artigo abaixo transcrito:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1° Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
[...]
§ 4° Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Em princípio, poderíamos considerar que houve uma evolução no combate ao tráfico de drogas, devido ao fato de ter havido um aumento de rigor na penalização do traficante de drogas, vez que, conforme anteriormente exposto, a pena mínima de reclusão para quem cometer uma ou mais das 18 condutas elencadas no artigo 33 passou de 3 (três) para 5 (cinco) anos, além de o pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, ter sido alterado para o montante de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Todavia, embora possa parecer que o legislador tenha sido mais rigoroso com o transgressor da norma ao elevar a pena mínima do crime, o § 4º do artigo supramencionado dispõe que nos delitos definidos no caput e no § 1º do artigo 33, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, sendo vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Ora, na prática será muito difícil comprovar que o acusado de cometer o crime de tráfico de drogas se dedica às atividades criminosas ou que integra organização criminosa, acarretando, desta forma, em qualificá-lo como incurso no crime descrito no § 4º do artigo 33, abrandando-se, portanto, a sua pena a ser cumprida.
Por todos os motivos até aqui explicitados, percebe-se que a Nova Lei Antidrogas está fadada ao insucesso e a uma futura revogação, visto que as eventuais penas a serem impostas aos traficantes e usuários de drogas não são dotadas de poder coercitivo, fragilizando, assim, a norma penal.
O que, provavelmente, poderá acontecer com a vigência da nova lei é um número crescente de usuários e dependentes de drogas, pois a extinção da pena privativa de liberdade desinibirá o consumidor/usuário a se envolver com elas, passando ele a usufruir da fraqueza da nova pena prevista para o seu crime, e, por conseguinte, tenderá a se tornar dependente destas substâncias ilícitas.
Isto porque a facilidade no acesso às drogas trará um maior contato com elas, tornando inevitável o vício, ocasionando, desta maneira, o crescimento no número de dependentes, além, de, conseqüentemente, pessoas debilitadas física e mentalmente em razão do uso das tais substâncias.
Os "clientes" dos traficantes são os usuários e os dependentes de drogas. Aumentando-se o número de usuários e de dependentes, presume-se que haverá um também aumento no número de traficantes, visto haver uma crescente demanda pelas drogas, alimentando com isso o tráfico, que, crescerá à medida que cresce o número de usuários, isto tudo em razão de o traficante, que tem no usuário o seu principal "contribuinte", encontrá-lo-á, agora, um pouco menos temeroso em adquirir drogas para o seu consumo.
Ora, os sujeitos envolvidos nos crimes relacionados às drogas não podem ser beneficiados, porquanto ser de conhecimento de todos o fato de elas serem a causa de boa parte da violência que aterroriza a sociedade brasileira no século XXI, bem como a matriz de diversos problemas de saúde e de transtornos psicológicos que afligem milhões de pessoas no mundo todo.
É amplamente sabido que uma relevante parcela dos crimes cometidos no mundo, principalmente os cometidos contra o patrimônio, como furto e roubo, são praticados com o intuito de o agente obter alguma vantagem pecuniária para, posteriormente, adquirir drogas para alimentar seu vício. Assim, permanecendo a Lei nº. 11.343 em vigor, restará caracterizado um considerável aumento não só da violência, como de outros problemas sociais.
Em um futuro não tão distante, a Lei nº. 11.343/06, que representa um retrocesso na política criminal atual, deverá ser vista com indignação por parcela considerável da sociedade, e, diante do insucesso de sua aplicação, tendo em vista que não reprimirá satisfatoriamente as condutas incriminadas, deverá ser reformada pelo legislador, voltando-se a punir com detenção ou, quiçá, com reclusão os usuários envolvidos na circulação de drogas no Brasil, bem como punir com maiores penas e menores benefícios os que as traficam, findando, ou pelo menos tentando
findar este grande mal que assola a população.
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*Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie