Julgamento de prefeito municipal por improbidade administrativa
Sérgio Roxo da Fonseca*
A questão refere-se não só à interpretação da mencionada lei, como também ao preceito contido no inciso X do art. 29 da Constituição da República que determina que os prefeitos municipais somente poderão ser julgados pelo Tribunal de Justiça, nunca pelo juiz do local dos fatos.
O debate em torno da melhor intelecção da norma tem sido bastante intenso. Para a primeira corrente, os processos ajuizados pelos prefeitos somente podem ser conhecidos originariamente pelos Tribunais de Justiça, sejam processos civis ou criminais, por isso que a Constituição não faz qualquer distinção entre as duas espécies. Esta corrente é minoritária.
Outra corrente propõe uma aplicação criativa e ampliativa para o mencionado inciso X para inserir nele palavras que lá não estão, sustentando assim que os prefeitos somente serão julgados pelos Tribunais de Justiça na hipótese de processo crime, reconhecendo assim a competência dos juízos locais para processar ações de improbidade administrativa reconhecendo assim a sua natureza civil e não criminal. Esta é a corrente dominante.
Uma terceira corrente observa que as manifestações jurídicas brasileiras são inescondivelmente patrimonialistas, o que é muito ruim, razão pela qual prestigiam as sanções patrimoniais da ação de improbidade dando significação secundária às penas impostas contra a honra do acusado. Tal corrente, como a primeira pugna pela competência dos Tribunais de Justiça, seja quanto às ações civis como quanto as penais, categoria em que incluem as ações de improbidade administrativa.
O Supremo Tribunal Federal tem decidido recentemente com firmeza que os Tribunais de Justiça são competentes para a ação de improbidade administrativa enquanto não for julgada a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 2.797/DF, na qual se examina a validade da Lei Federal nº 10.628/2002.
Tal é o teor da decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello, na Reclamação 2657/MCPR, de 21/6/2004, publicada pelo DJU de 25/6/2004, cujo tópico agora é transcrito.
"Isso significa, portanto, tendo-se presente o contexto ora em exame, que, tratando-se de Prefeito Municipal, compete, originariamente, ao Tribunal de Justiça, a atribuição de processar e julgar a ação civil pública por improbidade administrativa, até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheça, em caráter definitivo, a constitucionalidade, ou não, da Lei nº 10.628/2002 (ADI 2.797/DF)."
Cumpre assinalar, por necessário, que, a partir do julgamento da Rcl 2.381-AgR/MG, Rel. Min. CARLOS BRITTO, esse entendimento tem sido observado por eminentes Juízes desta Suprema Corte (Rcl 2.509-MC/BA, Rel. Min. GILMAR MENDES - Rcl 2.623/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE - Rcl 2.652-MC/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES - Rcl 2.669-MC/BA, Rel. Min. GILMAR MENDES).
Cabe referir, neste ponto, por oportuno, que, em caso idêntico ao que ora é examinado, no qual também ocorrera a suspensão preventiva de Prefeito Municipal (Lei nº 8.429/92, art. 20, parágrafo único), decretada, em sede de ação civil de improbidade administrativa, por autoridade judiciária de primeira instância, o eminente Ministro CEZAR PELUSO, em recentíssima decisão, assim se pronunciou:
"O caso é de liminar. O acórdão impugnado hostiliza, deveras, a autoridade de decisão da Corte, que, no julgamento da Rcl nº 2.381-AgR (rel. Min. CARLOS BRITTO, DJ de 02.04.2004), deu, contra o voto do Min. MARCO AURÉLIO, pela vigência do art. 84, § 2º, do CPP, com a redação da Lei nº 10.628, de 2002, até que sobrevenha decisão final da ADI nº 2.797, na qual se negou pedido de liminar. Concluiu, a respeito, o voto do Min. Relator:
'a ação de improbidade deverá ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade no caso de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública'.
Porque a pendência doutra demanda, em juízo de primeira instância, contra deputado federal, desrespeitou tal precedente, o Min. GILMAR MENDES deferiu medida liminar, suspendendo o processo e avocando os autos (Rcl nº 2.509). É o que, "mutatis mutandis", convém à hipótese.
(Rcl 2.645-MC/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO)".
Em síntese, nas atuais condições de temperatura e pressão, os prefeitos municipais somente poderão ser processados e julgados por improbidade administrativa pelos Tribunais de Justiça, nos termos do art. 29, X, da Constituição da República.
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* Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado
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