A CPMF vista pelos lados econômico e político e a descoberta das Contribuições pelo Estado
Vanessa Rahal Canado*
A atual CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira) surgiu em 1993 (EC 3/93 e LC 77/93) com o chamado IPMF (Imposto sobre Movimentações Financeiras) ou “imposto do cheque” para durar até 1994. No entanto, em 18/3/04 houve a publicação do Acórdão do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF (ADI 939-7 DF), que decretou a ofensa ao princípio da anterioridade e conseqüentemente a ilegalidade da cobrança em 1993, sendo por isso cobrado só pelo ano de 1994.
Com arrecadação de R$ 252 milhões em 1993 e R$ 4,976 milhões em 1994, pareceu interessante continuar com esse tributo.
Em 1996 foi editada a EC 12 de 16/8/96 que ofereceu a possibilidade de a União criar uma contribuição que incidisse exatamente sobre a movimentação financeira como o IPMF, mas que não obedecesse à necessidade de lei complementar para a criação de novos impostos não-cumulativos e que já existissem na Constituição.
A “descoberta” da CPMF se deu em virtude do destaque de uma das inúmeras propostas de reforma tributária, acumuladas desde a vigência da CF/88, durante o governo Collor/Itamar até o governo FHC, de autoria do professor da FGV, Marcos Cintra, onde estava elaborado um sistema tributário sustentando em um único imposto sobre operações financeiras, o chamado imposto único.
O governo, apesar de reconhecer a necessidade de reforma no sistema tributário nacional, tendo em vista a necessidade de harmonização da legislação tributária após a assinatura do Tratado de Assunção em 1991 que derrubava as barreiras alfandegárias de taxação dos produtos elencados, acabou adotando outras medidas para seus problemas de caixa. Começou o uso abusivo das contribuições, entre elas a CPMF.
O art. 74, do ADCT (dispositivo incluído pela EC 12/96) previa que a CPMF poderia ser cobrada somente por dois anos e teria alíquota de no máximo 0,25%. Os parágrafos do art. 74 previam que a esta contribuição não se aplicaria (i) à incidência exclusiva do IOF sobre ouro ativo financeiro ou instrumento cambial (art. 153, §5º) e (ii) à necessidade de lei complementar para instituição nem à necessidade de ser não-cumulativo e não ter fato gerador ou base de cálculo de outros impostos. (art. 154, I). Mas teria a necessidade de obedecer à anterioridade nonagesimal (art. 195, §6º) e deveria ser cobrada pelo prazo de dois anos.
Imposta a competência, a União instituiu a CPMF pela lei 9.311 de 24/10/96 que passou a ser cobrada em 23/1/97, em obediência ao principio da anterioridade nonagesimal como previa a EC 12/96, e seria cobrada até 23/2/98 (treze meses), com alíquota de 0,20%.
De acordo com a Emenda e a Lei, a arrecadação seria destinada ao Fundo Nacional de Saúde para financiamento das ações e serviços da saúde. Ou seja, assim como é característico das contribuições especiais, terem finalidade ou destino para o produto arrecadado1, a CPMF veio para melhorar o SUS – Sistema Único de Saúde.
O Fundo Nacional de Saúde (FNS) é o gestor financeiro, na esfera federal, dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Tem como missão contribuir para o fortalecimento da cidadania, mediante a melhoria contínua do financiamento das ações de saúde. Os recursos destinam-se a prover, nos termos do artigo 2° da lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990, as despesas do Ministério da Saúde, de seus órgãos e entidades da administração indireta, bem como as despesas de transferência para a cobertura de ações e serviços de saúde a serem executados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal.
E assim vigorou a CPMF com a 9.311, que expirada sua vigência, incorporou as alterações da Lei 9.539 de 12/12/97 e prorrogou a cobrança até 23/1/99.
Sem discussões judiciais relevantes nesse período, após o término de vigência da EC 12/96 e das leis 9.311/96 e 9.539/97 em janeiro de 99, prorrogou-se por mais três anos a CPMF, prorrogando-se também a vigência das leis 9.311/96 e 9.539/97, através da EC 21 de 18/3/99 que inseriu o art. 75 no ADCT.
Além da prorrogação, a alíquota foi aumentada para 0,38%, observando-se a anterioridade nonagesimal. Essa alíquota estava prevista apenas para os primeiros doze meses e seria reduzida para 0,30% nos meses subseqüentes. Essa diferença positiva na arrecadação nos anos de 1999 a 2001, resultante do aumento da alíquota, seria destinada ao custeio da previdência social.
A esta altura três já eram as finalidades da CPMF: a saúde, Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza e a previdência social, que já possui inúmeras fontes de custeio.
Nessa alteração muitas foram as discussões acerca do período entre o término de vigência da CPMF (janeiro/99) e a sua posterior prorrogação fora do prazo (março/99), até que chegando a discussão no STF em 3/10/02, por meio da ADI 2.031/DF foi julgada constitucional.
Seguida da criação e prorrogação da CPMF, foi publicada em 13/9/00, a EC 29 que estabelecia para a saúde, a segunda obrigatoriedade de destinação do total da arrecadação tributária, além da educação, prova de que a arrecadação desse tributo não estava sendo suficiente para a finalidade proposta.
Não bastasse o déficit da saúde mesmo com a CPMF, em 14/12/00 foi editada a EC 31/00 que incluiu o art. 80 no ADCT e determinou que no período de 18/6/00 a 17/6/02 a arrecadação correspondente a um adicional de 0,08 da CPMF comporia o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Ou seja, a alíquota seria reduzida para 0,30%, mas acabou continuando em 0,38%, sendo que os 0,08 mantidos seriam para o FCEP.
De um lado o orçamento e de outro as pressões da oposição e dos representantes dos investidores, terminada novamente a vigência da segunda emenda (18/6/02), venceu o governo e a CPMF foi prorrogada pela EC 37 de 12/6/02 até 31/12/04, juntamente com a lei 9.311/96 e alterações posteriores, de acordo com os artigos 84 a 88 incluídos no ADCT.
Assim a CPMF, bem como todas outras contribuições que perduram, acabaram somente piorando o sistema, pois essas medidas aumentaram demais o custo Brasil, e a CPMF, juntamente com o PIS e a COFINS e o IOF formam os grupos de tributos cumulativos que supostamente oneram a produção nacional em detrimento dos produtos estrangeiros que chegam nas prateleiras sem essa tributação. Assim, os tributos em cascata representariam uma barreira alfandegária às avessas.
Esses tributos cumulativos, as contribuições, ganharam importância após a CF/88, quando a União passou a se desinteressar pelos tributos cuja arrecadação deveria ser partilhada com os Estados e Municípios, de acordo com a ordem nova constitucional.
Essa cumulatividade provocou um significativo aumento de carga tributária a partir de 1989, quando, em quatro anos passou de 25.09% para 30.18% do PIB.
A União justifica essa utilização através do modelo constitucional de repartição de competências tributárias, onde por pressões política preocupou-se com a autonomia dos Estados e Municípios, outorgando certos tributos a esses entes e ainda instituindo a repartição de receitas.
Desta forma, o emperramento da reforma tributária se justifica plenamente já que a União quer a nova repartição de competências e os Estados e municípios querem no mínimo que fique como está2.
Pelo tudo exposto restam algumas conclusões: embora a CPMF seja duramente (e muitas vezes de forma justificada) criticada, é fato que os problemas jurídicos nela encontrados refletem a preocupação e a revolta dos contribuintes com a relação custo-benefício do pagamento de tributos. As decisões do Supremo Tribunal Federal são políticas nesse sentido: vêem o lado do Estado, como potencial beneficiador, representante de todos nós e pelo nosso bem. No entanto, a ferocidade com que se vira a coletividade contra a prorrogação da CPMF e seus vícios jurídicos, tem seu problema mais embaixo: a burocracia e a corrupção do sistema de saúde e o individualismo das lideranças políticas.
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1 HORVATH, Estevão e OLIVEIRA, Regis Fernandes. Manual de Direito Financeiro. Editora RT, 2003, p. 63.
2 AMED, Fernando José e NEGREIROS, José Labriola de Campos. História dos Tributos no Brasil. São Paulo, Edições SINFRESP, 2000, p. 299-304.
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* Advogada, pesquisadora da Direito GV e monitora do curso de Especialização em Direito Tributário do GVLaw