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O Código Civil em vigor e extravio de carga no transporte aéreo internacional

O Código Civil em vigor, nos seus artigos 730 a 756, trata de forma genérica e abrangente as diversas espécies de contrato de transporte. Esclareça-se, contudo, que pretendemos tecer considerações, neste texto, apenas sobre um tipo de contrato de transporte e de incidente relativo: o extravio de carga em contrato internacional de transporte aéreo.

6/7/2004

O Código Civil em vigor e extravio de carga no transporte aéreo internacional


Valéria Curi de Aguiar e Silva*

O Código Civil em vigor, nos seus artigos 730 a 756, trata de forma genérica e abrangente as diversas espécies de contrato de transporte. Esclareça-se, contudo, que pretendemos tecer considerações, neste texto, apenas sobre um tipo de contrato de transporte e de incidente relativo: o extravio de carga em contrato internacional de transporte aéreo.

Primeiramente, importa informar que o Código Civil em vigor, em seu artigo 732, permite que os preceitos constantes de legislação especial e de tratados e convenções internacionais incidam, em conjunto, nos contratos de transporte, desde que não contrariem as disposições constantes no referido Código.

Dessa forma, sustentamos que não há antinomia entre as disposições do Código Civil e as normas aéreas internacionais constantes da Convenção Para Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, conhecida como Convenção de Varsóvia, e que sua aplicação simultânea é perfeitamente possível e regular.

A discussão é relevante, visto que a situação anteriormente consagrada em nossas mais altas Cortes de Justiça, predominantemente, tendia a aplicar o Código de Defesa do Consumidor, em detrimento da Convenção de Varsóvia. Entretanto, entendemos que o advento do novo Código Civil muda radicalmente esse quadro, reforçando a vigência e eficácia da Convenção de Varsóvia conjuntamente ao Código Civil.

Nesse sentido, temos segurança em afirmar que, para casos de extravio de carga, a responsabilidade do transportador aéreo é limitada ao valor constante do conhecimento aéreo. É exatamente isso que se infere da leitura conjunta das disposições de ambos os diplomas legais, in verbis:


“Código Civil: Art. 750. A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado.”
– grifou-se

“Convenção de Varsóvia (com redação já alterada pelo Protocolo Adicional nº 2 de Montreal): “Artigo 22 ... 2) No transporte de mercadorias, ou de bagagem despachada, limita-se a responsabilidade do transportador à quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, salvo declaração especial no interesse da entrega, feita pelo expedidor no momento de confiar ao transportador os volumes, e mediante o pagamento de uma taxa suplementar eventual. Neste caso, fica o transportador obrigado a pagar até a importância de quantia declarada, salvo se provar ser esta superior ao interesse real que o expedidor tinha na entrega.” – grifou-se


Assim sendo, em caso de extravio ou avaria, o transportador deverá arcar com a reparação relativa ao valor da carga constante do conhecimento aéreo. Contudo, o expedidor da carga tem a faculdade de não declarar o seu valor, sendo de sua inteira responsabilidade as indicações e informações sobre a carga a ser transportada, conforme determinam os artigos 744, caput e 745 do Código Civil, e 10, 1, da Convenção de Varsóvia:


“Código Civil:

Art. 744. Ao receber a coisa, o transportador emitirá o conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial.

Art. 745. Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que se refere o artigo antecedente, será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência” – grifou-se

Convenção de Varsóvia

“Art. 10... 1) O expedidor responde pela exatidão das indicações e declarações, que exarar no conhecimento aéreo, concernentes à mercadoria.” – grifou-se


Caso o expedidor entenda por melhor não declarar o valor da carga, o que é muito comum, a permissão contida nos artigos 732 e 750 do Código Civil, remetem o proprietário da carga, em caso de extravio, ao limite constante no artigo 22, 2, da Convenção de Varsóvia, de 17 Direitos Especiais de Saque (DES), equivalentes a US$ 20,00 (vinte dólares norte-americanos), por quilograma de carga perdida. Exemplificamos que, nesse sentido, encontram-se os julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: REsp 156.238/RJ, REsp 32.903-SP, REsp 57.529/DF, REsp 39111-3/RJ; assim como os V. Acórdãos do Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo: Apelação 789-799-6, Apelação 791.536-0.

Portanto, o Código Civil em vigor, para casos de transporte aéreo internacional de carga, não revogou as disposições constantes na Convenção de Varsóvia, não tendo com a referida Convenção nenhuma antinomia, motivo pelo qual, em caso de extravio de carga, o transportador será responsável pelo valor constante do conhecimento aéreo, e, caso tal valor não tenha sido declarado, o proprietário da carga terá que se submeter aos limites de indenização previstos na Convenção de Varsóvia.

Por fim, interessante acrescentar que a Convenção de Varsóvia deverá ser brevemente substituída pela nova Convenção de Montreal (1999), tão logo o Congresso Nacional brasileiro ratifique-a e promulgue-a. A despeito de aumentar os limites de indenização, em caso de extravio ou avaria de carga, a Convenção de Montreal mantém o espírito da disposição analisada da Convenção de Varsóvia e do Código Civil que submetem o transportador ao pagamento de indenização pelo valor constante do conhecimento aéreo, caso tenha sido expressamente declarado.
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* Advogada do escritório D'Andrea Vera Advogados






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