Psicanálise e Direito de família: uma parceria necessária
Gisele Martorelli*
Por estar mais próximo e, na grande maioria dos casos, ser o primeiro a receber a sua carga, o operador do direito tem em suas mãos a responsabilidade da adequada solução do conflito e não, simplesmente, a responsabilidade de ganhar uma causa. Aliás, a demanda familiar não comporta vencedor e vencido. Pois, como assevera Antônio Cezar Peluso, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, “já ninguém é dono de verdade absolutas a respeito do homem, se é que seja este suscetível de verdades absolutas. De modo que tentar compreendê-lo em estado de sofrimento, como costuma apresentar-se aos profissionais do Direito, nos conflitos que lhe vêm da inserção familiar, é tarefa árdua e, para usar de paradoxo, quase desumana, porque supõe não apenas delicadeza de espírito e disposição de ânimo, mas preparação intelectual e técnica tão vasta e apurada que já não entra no cabedal pretensioso dalgum jurista solitário”.
Por isso mesmo, hodiernamente, não mais cabe o tratamento simplesmente jurídico ou forense dos casos de família. Tratar a separação, divórcio, a luta pela guarda dos filhos, pensões e partilhas é tarefa que impõe ao advogado a utilização de conceitos e práticas de outras ciências e disciplinas indispensáveis à sua perfeita compreensão, pressuposto necessário da sua solução.
Uma das ciências complementares à atuação do advogado familiarista é exatamente a Psicanálise. É óbvio que não se pode exigir do advogado profundo conhecimento da ciência, mas noções basilares de seus conceitos, bastando-lhe a percepção, nem sempre presente na ótica forense, das sutilezas do inconsciente. Mas se torna fundamental, na prática moderna do Direito de Família, a atuação multidisciplinar, ou seja, a atuação conjunta do advogado e do profissional da área de Saúde Mental, em um novo conceito de trabalho no atendimento aos clientes em crise familiar.
Essa parceria permite discriminar as diferenças lógicas no trato do conflito, não se limitando à lógica do litígio, torna possível ao advogado perceber o texto e contexto do conflito, a linha e a entrelinha do litígio, a mensagem do inconsciente, que chega pelo discurso das demandas, na maior parte das vezes, de forma distorcida ou travestida de outras que uma escuta qualificada é capaz de evidenciar. Freudianamente, é escutar o que está por detrás do discurso ou, como Lacan, o que está entre o dito e o por dizer. Só através de uma análise interdisciplinar podemos incorporar idéias psicanalíticas ao conceito tradicional de família em Direito, vendo-a como uma Estruturação Psíquica. As relações familiares são intricadas e complexas, pois comportam elementos objetivos (jurídicos e normativos) afetivos e inconscientes. Perceber as sutilezas que as entremeiam é transcender o elemento jurídico, para resolver de maneira menos traumática, mais rápida e menos onerosa os problemas que nessa área são apresentados.
E cumprir um papel relevantíssimo na sociedade moderna: a preservação da família, sinalizando para o cliente, para o Juiz, para o ex adverso, enfim, para todos os atores desse complexo, que a separação e o divórcio não representam a dissolução da família, mas sua reestruturação, uma vez que a família, diferentemente de outras sociedades, não se desfaz. A estrutura pode mudar, mas a organização – família – prossegue. A leitura multidisciplinar é o condutor abalizado dessa conclusão do moderno Direito de Família.
_________________
* Advogada do escritório Martorelli Advogados
________________