Migalhas de Peso

O idoso e a Previdência

Velhice, no Brasil, é padecer dores mil. A discriminação ao idoso é odiosa e parece não ter fim. Já foi tratado, desrespeitosamente, como "vagabundo" pelas autoridades que deveriam, justamente, dar o exemplo de reconhecimento público porque, afinal, no melhor de suas forças, o aposentado muito contribuiu para a grandeza nacional. E ao alcançar as merecidas galas da aposentadoria ainda assim não obtém o descanso dourado de que é merecedor.

18/2/2008


O idoso e a Previdência

Sergio Couto*

Velhice, no Brasil, é padecer dores mil. A discriminação ao idoso é odiosa e parece não ter fim. Já foi tratado, desrespeitosamente, como "vagabundo" pelas autoridades que deveriam, justamente, dar o exemplo de reconhecimento público porque, afinal, no melhor de suas forças, o aposentado muito contribuiu para a grandeza nacional. E ao alcançar as merecidas galas da aposentadoria ainda assim não obtém o descanso dourado de que é merecedor.

Recuso-me a aceitar o que dissera Ruzzante que "a velhice é uma poça onde se juntam todas as águas malsãs, e que não tem outro escoadouro senão a morte." A velhice não é um naufrágio, desde que o idoso tenha cultivado, ao longo de sua vida, a capacidade de amar em sua acepção mais ampla ou que se disponha a recuperar o tempo perdido. Sempre é tempo de começar !

O amor é a chave de tudo, presente em todas as idades: o amor a si mesmo, à Pátria (que a todos acolhe em seu generoso regaço), o amor ao próximo, aos animais, aos pássaros, e, enfim, à Mãe Natureza, com "a sua grande extensão de matas onde impera fecunda e luminosa a eterna primavera", nos versos de Bilac. Ela apenas exige, de seus filhos, a silenciosa e doce interação para que seus mistérios, antes insondáveis, sejam claramente revelados, aos que têm olhos para ver.

E nessa busca a pessoa encontrará, certamente, o ser divino, latente no seu interior, amigo solidário e fiel coadjuvante, que a acompanha na difícil jornada terrena. Não há, portanto, limites cronológicos quando se busca a verdade. Havendo amor, há felicidade. E nessa perspectiva, o idoso, tem sim, o direito sagrado de continuar vivendo, segundo suas crenças e utopias.

É inegável, porém, apesar de algumas pequenas conquistas, que o idoso continua objeto de inaceitáveis preconceitos.

Embora a Constituição (clique aqui) garanta reajuste anual em seus proventos, o aposentado não o obtém, ficando anos à mercê da boa-vontade dos governantes. Tudo é feito para que o idoso não alcance espaço digno de sobrevivência. É tratado como rebotalho, como algo que não serve para nada, um inútil !

Aquela norma jamais foi cumprida. A matéria foi suscitada perante o Pretório Excelso, a quem cumpre zelar pela sua observância. Contudo, foi apenas consignada a omissão do Chefe do Poder Executivo, não lhe podendo impor prazo para elaboração e envio de projeto de lei, nos termos do art. n°. 103, segundo, da referida Carta, porque a questão é "meramente administrativa". Assim sendo, fica fora da órbita de apreciação pelo Judiciário.

Recentemente, as pensionistas e aposentados foram novamente surpreendidos por uma decisão do governo, referendada mais uma vez pela Justiça, que os infelicitaram, inapelavelmente. Foram obrigados, depois de terem contribuído durante anos para a Previdência, a recolher "bis in idem" a contribuição, a pretexto de reduzir o débito previdenciário.

A importância subtraída ou confiscada pelo governo, com o aval da justiça, certamente vem fazendo muita falta na compra de remédios indispensáveis. A velhice tem gastos, nada lúdicos. Um bom plano de saúde para quem tem mais de 60 anos custa um absurdo, e as administradoras têm má vontade para com aqueles que alcançaram o outono de suas vidas.

Os velhos sofrem muito com as enfermidades respiratórias, cardíacas ou digestivas, dores nas articulações, doenças nos rins, catarros que acarretam acesso de tosse, arteriosclerose, vertigens, sonolências, insônias, dificuldades de locomoção, incontinência urinária, o rol é infinito.

Informa a fonoaudióloga Isabela Lisboa Santana: "A linguagem, com o passar dos anos, pode sofrer grandes modificações. O idoso, muitas vezes, tenderá a um discurso mais breve, com menos informações. Pode apresentar brusca interrupção, devido a alterações fisiológicas, como o esquecimento de palavras, erros semânticos (troca de palavras de uma mesma categoria), repetições no discurso, circunlóquios (fala de vários temas para chegar a seu discurso definitivo). Para o idoso, as dificuldades encontradas em determinadas funções do trato gastrointestinal, como a mastigação e o apetite, encontram-se associadas". (in "O GLOBO", Jornal da Família, de 25/2/01).

O idoso, no Brasil, não tem qualidade de vida. É sempre lembrado para socorrer o Governo, como se vivesse num mar de rosas. E também pela própria família, força reconhecer. Não bastasse ter que ficar à disposição dos netos enquanto filhos, genros e noras passeiam, viajam e vão às festas, agora devem pagar a conta do supermercado e até cadeia podem pegar caso não o façam. Essa é a nossa lei que exige a solidariedade social, enquanto os governos que se sucedem não cumprem a sua parte.

Sãos os avós réus costumeiros em ações de alimentos, pela presunção de que desfrutam de uma situação financeira privilegiada. O dinheiro que, na visão oportunista de alguns, está sobrando, na realidade não sobra coisa nenhuma. Está é faltando para que ele tenha condições de vida mais confortáveis de vida.

Se por acaso deseja destinar a sua aposentadoria para alguém que viva sob a sua dependência, terá dificuldade porque o órgão previdenciário se recusará a fazê-lo, a pretexto de fraude, que é presumida, como se todos fossem forjados à imagem e semelhança oficiais, que não nos legam exemplos de grandeza moral que possam ser imitados pela nacionalidade.

Até os egrégios que ostentam a toga, ao alcançarem setenta anos, devem recolher-se ao pijama, porque há presunção legal de que estão irremediavelmente velhos e imprestáveis., sucumbindo, portanto, à "compulsória" ou "expulsaria".

Toda vez que se cogita de reforma previdenciária, o saco de maldades da conspiração do Governo evidencia abreviar, certamente, os últimos momentos da vida do aposentado, para melhorar a sua pecaminosa receita, de destinação incerta. O que se tem, em conseqüência, é um genocídio silencioso, sem dor aparente, sem queixumes, porque o velho não tem como reagir à afronta. Preferível, talvez, que fossem inaugurados fornos crematórios para dizimar esses inúteis velhinhos, que nada fazem ou produzem. Garanto que a justificação criativa de um projeto dessa natureza não seria difícil.

Os endividados que ainda ostentam saldo em seus contra-cheques são logo procurados pela "generosidade" do Governo que os aproxima dos famigerados empréstimos bancários, sob a forma de consignação <_st13a_personname w:st="on" productid="em folha. Os">em folha. Os juros cobrados, ah!, são as colheradas de pá de cal que cimentam de vez o infortúnio do aposentado.

Nas regras da economia, o material humano só interessa enquanto produz. Vivemos sob a era do consumismo e de adoração ao bezerro de ouro. Por isso os velhos são descartados como refugo.

Os políticos que fazem carreira em seu nome, ao alcançar o cume de suas ambições esquecem as velhas promessas, tornando-se o seu verdugo, por ação ou omissão, priorizando outros novos interesses. Afinal, o que os olhos não vêem, corações não sentem !

A ninguém ocorre que somos a morada da futura velhice, e que chegará fatalmente o dia da prestação de contas daqueles que prometeram a segurança de seus concidadãos e não os acudiram no outono de suas vidas. É preciso considerar que a palavra "velho", na ótica feliz de Cora Coralina, implica uma carga de sabedoria e experiência que nos dá a vida, na medida em que vivemos. Porque não aproveitá-las ?

No âmbito da família, elogiável quem cuida e protege o mais antigo de todos os seus membros. Apenas os patriarcas bem de vida, resolutos, estão imunes à maldade articulada pela cruel parentela com o propósito de expulsá-los do lar, confinando-os nos "modernos centros geriátricos" até porque continuam socorrendo a família em suas necessidades.

Contudo, há que considerar não haver investimento melhor, no âmbito doméstico, para quem terá sempre o aconselhamento de uma pessoa experiente, no momento certo, além do exemplo aos netos de que a solidariedade começa em casa, a cimentar o futuro do País que tem, nessas relações, (ou deveria ter), a base de sua sustentação.

Para não dizer que não falei de flores, devo acentuar que duas conquistas palpáveis o velhinho brasileiro foi aquinhoado: a passagem de graça (quando o motorista de ônibus não o deixa mofar nos pontos), e a prioridade nas filas dos bancos (que se torna inócua quando o atendimento é precário). Ajuda um pouco, mas não resolve. Há problemas capitais que se tornaram crônicos. Impedir, por exemplo, o tratamento desumano e cruel nos lúgubres corredores dos hospitais públicos, enquanto aguardam assistência. Muitos morrem antes de serem atendidos !

Ao dissecar o drama da velhice, Simone de Beauvoir, considera que o lazer não abre ao aposentado possibilidades novas: no momento em que é, enfim, libertado das pressões, o indivíduo vê-se privado de utilizar sua liberdade. Ele é condenado a vegetar na solidão e no enfado.

Há que sublinhar algo muito sério que está acontecendo no Instituto de Previdência do Estado do Rio: o órgão não mais aceita a habilitação prévia de beneficiários legais ao plano "post mortem".

O aposentado, pela nova determinação do IPERJ, não poderá indicar aquele que receberá a pensão no seu decesso. A entidade esclarece que o processo de "escolha" se dará por aquele que apresentar melhores condições: a esposa ou concubina ou a concorrência entre ambas, exame das condições de filhos, entre outras hipóteses.

Arvorou-se o instituto, portanto, em poder jurisdicional. Sabe-se que um processo dessa natureza pode levar anos até que a beneficiária possa receber o primeiro pagamento a que tenha direito. Pode morrer antes, e na sua ausência, a obrigação fica liquidada, sem que o Estado tenha de continuar pagando a quem quer que seja. Fica ao alvedrio do órgão diante da complexidade de cada caso, transferir a responsabilidade da decisão à justiça, o que pode representar anos de espera.

Covardia, a mais não poder, é apostar nas delongas ou naquilo que se consagrou na burocracia brasileira, os famigerados "embargos de retrocesso", para dificultar o exercício de um direito, auferindo a entidade previdenciária de dividendos imerecidos, com a fome alheia!

Não havendo habilitação prévia, numa disputa entre postulantes à pensão, ficará o IPERJ na cômoda posição de dizer que a questão é relevante, e que deverá ser dirimida pelo Judiciário. Anos de espera. Só que a pensão tem caráter alimentício, cujo pagamento não poderá ser postergado, colocando em risco de vida os legítimos beneficiários da pensão.

O que deverá fazer o aposentado, ainda em vida ? Certamente, imaginando imbróglios futuros, deverá procurar urgentemente um advogado para ajuizar medida judicial cabível, devidamente instruída, com notificação obrigatória ao órgão, para que o juiz declare os beneficiários legítimos, como se procedesse a uma habilitação prévia, obrigação primária do órgão. O procedimento é acautelatório contra eventual surpresa que possa comprometer a sobrevivência da família, no momento em que ocorrer o falecimento do servidor aposentado.

Mesmo com o procedimento formalizado, ainda assim o órgão, renitente, poderá criar óbice para não cumprir o decisório, cabendo ao prejudicado ajuizar in continenti ação de segurança, solução rápida, que dará a certeza jurídica ao cumprimento cabal e imediato da vontade da lei, sem que os dependentes fiquem a ver navios, com a sobrevivência ameaçada pelos burocratas do poder, que sempre relutam em cumprir decisões judiciais.

O IPERJ, instituição gloriosa nos tempos memoráveis de Carlos Lacerda, que governou o Estado nos anos 60, hoje, é espectro do passado. Todos se lembram da recusa do órgão em pagar l00 por cento aos beneficiários da pensão do servidor falecido, obrigação primária que deriva da Constituição Federal, mas que nem por isso foi reconhecida. Foi condenada em várias instâncias.

Aos que têm a desventura de bater à sua porta, o atendimento é péssimo. Filas intermináveis, ambientes fechados no famigerado e calorento segundo andar, que degradam a tantos que um dia se orgulharam de sua previdência. Até o pecúlio post mortem foi extinto.

Os "velhos" e as crianças haverão de ter, um dia, um espaço digno para viver: os primeiros, por terem dado suas forças para criar a prosperidade da qual o país hoje desfruta e que, agora, reivindicam os benefícios disso, uma dívida social, sem dúvida, que terá de ser honrada pelo Estado; aos infantes, a promessa das potencialidades futuras da Pátria que terá de neles investir, sob pena de soçobrar na miséria social não querida por ninguém!

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*Advogado no Rio de Janeiro





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