A concordata preventiva e a recuperação da empresa
Jeremias Alves Pereira Filho*
Todos sabem que a concordata foi instituída pelo DL 7.661/45, numa época em que a indústria e o comércio começavam a tomar corpo no País, com padrão ainda primário. Mesmo com o avanço legislativo, doutrinário e jurisprudencial, a Lei de Falências atual não conseguiu resistir e vai sucumbir à Nova Lei de Falências e de Recuperação da Empresa.
Enquanto a primeira é criticada por ser velha e ultrapassada, a nova sofre críticas por ser inaplicável, por lhe faltar o básico: elemento humano e dinheiro.
A concordata preventiva, bem ou mal, proporcionou - e ainda proporciona - diversas concordatas, na realidade. Uma, a genuína moratória quirografária, que possibilita a mera suspensão de pagamento de créditos dessa natureza específica, à vista e nos prazos previstos no DL 7661/45, quase sempre de dois anos, que viram três, quatro, cinco... A outra, dentro da primeira, que não é oficial, abrangendo os credores não quirografários que, quer queira ou não a lei, existem aos montes e precisam ser equacionados tanto quanto os primeiros. A terceira, a própria empresa, com seus vícios e defeitos, demandando reestruturação e/ou realinhamento.
Assim, nem de longe se poderia afirmar que a concordata preventiva prevista na lei atual é a mera e singela moratória do passado, para as empresas com dificuldade de caixa.
É obvio que há muito tempo as empresas que se socorrem da concordata preventiva querem mais do que a simples moratória, exigindo, a concorrência de advogados especializados e com conhecimentos fundamentais de micro e macro economia, afora uma dose extra de psicologia.
A despeito de todas as dificuldades, a coisa até que vem funcionando: os empresários sabem que precisam mais do que uma moratória, os advogados e juízes também.
A Nova Lei de Falências e de Recuperação da Empresa, sob a justificativa de dar transparência ao procedimento da então concordata preventiva, criou mecanismos de primeiro mundo e aprofundou o processo em detrimento do procedimento, isto é, estabeleceu comissões e assembléias que não vão funcionar, bem como criou regulamentos detalhados que vão consumir o tempo que não existe.
Ao invés de simplificar, a nova lei preferiu dificultar, inclusive invertendo o princípio original da anciã concordata preventiva, qual seja, a “bonorum cessio” a favor do empresário-devedor. Agora a recuperação depende do credor, posto na lei como compreensivo e tolerante, coisa que nenhum credor gosta de ser por razões óbvias, já que seu patrimônio “fritou” na panela do outro.
Hoje, mesmo com a concordata preventiva como favor legal disponível para o devedor, o credor, de modo geral, não é tolerante. Fica fácil imaginar o que ocorrerá com o mecanismo da recuperação da empresa, que põe o processo praticamente na mão deste mesmo credor.
Se já na concordata preventiva o impetrante devedor não conseguia – como não consegue - suportar os custos e os prazos para pagamento, é claro que não conseguirá na recuperação da empresa, cujos custos dos mecanismos processuais serão absurdos, mesmo considerando que a empresa terá a opção de prazo maior, a estudar, para cumprir seu projeto de recuperação. Aliás, é de se imaginar que tal projeto venha a ser elaborado por consultores caríssimos que já estão se aparelhando para esse fim. Quer dizer, apenas as empresas de porte, com grande fluxo de caixa, é que terão condições de suportar e sustentar o custoso processo de recuperação, deixando as empresas de médio e pequeno porte à margem da proteção legal. Nem se diga que os mecanismos criados para as pequenas empresas ou mesmo a recuperação extrajudicial serão suficientes para superar os obstáculos, da lei, que serão muitos.
Considerando que empresas de grande porte sempre encontram soluções criativas sem concordata ou recuperação judicial, a lei estará disponível para um vácuo empresarial de médio e menor porte, que constitui o efetivo parque comercial e industrial do País, mas que não terá condições de usar – e usar bem - a nova lei.
Todo mundo sabe que mesmo a velha lei não foi utilizada à exaustão porque o empresário, como é usual, resiste à idéia de impetrar uma simples moratória, o que dirá aceitar a recuperação judicial, muito mais complexa e onerosa.
Passados quase 60 anos do DL 7661/45 o empresariado ainda não assimilou suas vantagens que, se bem utilizadas, poderiam ter salvo – e salvaria ainda - inúmeras empresas que acabam na vala comum da falência, ruinosa morte do investimento, quase indigente.
A Nova Lei de Falências e de Recuperação da Empresa evidentemente não vai “salvar o País” de nada, já que não existe salvação por decreto. Melhor seria deixar a solução por conta da própria iniciativa privada, como vem acontecendo nos centros mais civilizados, até porque o empresário não gosta de queimar seu capital à toa.
Usar a lei como mera experiência a esse enorme custo é temerário, pois coloca a empresa em risco e à mercê de todas as voláteis vicissitudes econômicas e políticas, e, pior, globalizadas.
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* Advogado em São Paulo