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Recuperação extrajudicial: o instituto natimorto

O instituto da recuperação extrajudicial constitui uma das principais inovações do Projeto da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, em vias de ser aprovado pelo Senado Federal. Em síntese, consiste na possibilidade de homologação judicial de acordos celebrados pelo devedor com seus credores. A finalidade da homologação judicial reside na eliminação de riscos de questionamentos na hipótese de futura falência do devedor.

28/6/2004

Recuperação extrajudicial: o instituto natimorto


Luiz Fernando Valente de Paiva*

O instituto da recuperação extrajudicial constitui uma das principais inovações do Projeto da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, em vias de ser aprovado pelo Senado Federal. Em síntese, consiste na possibilidade de homologação judicial de acordos celebrados pelo devedor com seus credores. A finalidade da homologação judicial reside na eliminação de riscos de questionamentos na hipótese de futura falência do devedor.

Na hipótese de acordos que contemplem pagamento de dívidas não vencidas, entrega de bens em pagamento (se preferirem, pagamento por meio diverso daquele previsto em contrato), outorga de novas garantias ou alienação de estabelecimento empresarial, devedor e credor poderão submeter um “plano de recuperação extrajudicial” à homologação judicial. No procedimento previsto no projeto, o juiz determinará a intimação dos credores que não tiverem subscrito o acordo, dando-lhes a oportunidade de impugnar o plano.

Mesmo que haja concordância de todos os credores, seja expressa ou tácita, o juiz poderá deixar de homologar o acordo se este violar disposição legal ou implicar em prática de fraude, com prejuízo para o patrimônio do devedor e, em última instância, à coletividade de credores. Homologado o plano, terão, o devedor e credores, a garantia de que tal acordo não será considerado ineficaz na hipótese de futura falência do devedor.

Percebe-se que o instituto da recuperação extrajudicial será importante para a segurança jurídica de certos acordos e negócios jurídicos celebrados com empresas em crise. Na prática, no entanto, esse instituto será um pequeno avanço em relação à lei em vigor e um retrocesso em relação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados. É preciso lembrar que o instituto da recuperação extrajudicial só veio a ser incluído no projeto pelo Deputado Osvaldo Biolchi em meados de 2002, atendendo a um pleito de grande número de falencistas e demais militantes especializados em recomposição e renegociação de dívidas. O grande mérito do Projeto Biolchi, infelizmente suprimido no Senado, consistia na possibilidade de imposição do plano de recuperação a credores minoritários dissidentes. Mérito porque retirava desses credores o estímulo para adoção de comportamentos oportunistas nas renegociações de dívida, que, no mais das vezes, impedem os devedores de chegar a bom termo com a maioria da coletividade de seus credores.

A confirmar essa constatação, registro o depoimento taxativo de aluno do curso da FGV/SP-GVLaw sobre “Recuperação de Empresas sob a Ótica da Nova Legislação Falimentar”, do qual sou coordenador, a respeito da estratégia por ele adotada em negociações coletivas: ele aguarda o término das negociações com outros credores para negociar suas próprias condições, sempre melhores que aquelas já concedidas ao demais.

Aqueles que militam na área são testemunhas de que o maior empecilho para a celebração de acordos extrajudiciais coletivos reside nessa postura assumida por alguns credores. As negociações, que já são por vezes muito difíceis pela existência de assimetria de interesses entre os próprios credores, acabam inviabilizadas quando um credor isolado pretende obter vantagens adicionais em relação aos demais. Em uma negociação coletiva um credor não aceita que outro, possuidor de crédito em iguais condições, receba tratamento privilegiado.

Participei de um caso no qual o devedor conseguiu a adesão de 95% dos credores para uma proposta de solução de seu endividamento. Todavia, uma minoria dissidente acabou por empurrar a empresa à concordata, posteriormente convertida em falência. Nesse caso específico, a devedora possuía bens suficientes para pagamento integral dos seus credores, mas experimentava um desequilíbrio financeiro. Com a falência perderam todos. Os empregados, pois perderam sua ocupação. O fisco, pois deixou de arrecadar em função da interrupção da atividade produtiva. A coletividade, pois os bens se deterioraram e não haverá dinheiro para pagamento de todos os credores (o processo de falência já dura quase dez anos e ainda não se conseguiu alienar bens para pagamento dos credores).

O Projeto tem por principal finalidade a recuperação de empresas, como instrumento da manutenção da atividade produtiva, dos empregos e fonte geradora de tributos e riquezas. Para atingir esse bem comum o Projeto já prevê a imposição à minoria no processo de recuperação judicial. A supressão dessa possibilidade no processo de recuperação extrajudicial torna a todos, devedor e demais credores, suscetíveis às chantagens de um único credor. A impossibilidade dessa imposição acabará por compelir o devedor a requerer, desnecessariamente, a recuperação judicial, com toda a mácula que esta gerará ao devedor, com os altos custos e riscos inerentes a um procedimento como esse.

Caso aprovado o Projeto em sua forma atual, o devedor e a maioria de credores terão que utilizar-se de um canhão (recuperação judicial) para defenderem-se do pequeno inseto (minoritário chantagista). A inexplicável resistência do legislador em inserir a possibilidade de imposição do plano de recuperação extrajudicial à minoria condenará o instituto à morte prematura, dada a tão restrita aplicação prática ora vislumbrada.
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Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados



* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2004. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS









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