Guarda compartilhada: uma necessidade imperiosa
Gisele Martorelli*
Nos Estados Unidos, foi realizada pesquisa do Departamento de Serviços Humanos e Sociais, na qual se constatou que meninas sem um pai nas suas vidas têm 2,5 vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 53% mais chances de cometerem suicídio; meninos sem um pai nas suas vidas têm 63% mais chances de fugirem de casa e 37% mais chances de utilizarem drogas; meninos e meninas sem pai têm duas vezes mais chances de necessitarem de cuidados profissionais para problemas emocionais ou de comportamento.
Essas estatísticas põem em relevo o instituto da guarda compartilhada: pai e mãe dividem a educação e todos os principais encargos e benefícios da convivência com os filhos após a separação ou divórcio do casal. Embora com residência principal fixada na casa de um ou de outro, os filhos não deixam de ter adequada e permanente convivência com o genitor não guardião, atenuando-se os efeitos da separação e evitando-se a dissipação da relação afetiva entre pais e filhos. O instituto teve origem na Inglaterra, onde hoje é denominado de "responsabilidade parental conjunta" e está incorporado à legislação de diversos outros países.
Guarda compartilhada distingue-se da guarda única, em que só um dos genitores decide tudo em relação aos filhos, e também da guarda alternada, que é aquela na qual cada um dos dois pais, em esquema de revezamento, detém a guarda do filho de maneira exclusiva durante um determinado espaço de tempo - que pode variar uma semana, um mês, um ano etc -; nesse período, os genitores detêm a guarda, física e jurídica, dos filhos.
Ambos os modelos - guarda única e alternada - trazem conseqüências seriíssimas para o relacionamento entre pais e filhos. Na medida em que a criança perde o convívio, total ou parcial, com um dos seus genitores, perde o referencial da presença de ambos os pais em sua vida, e cria sentimentos de perda e abandono que abalam a sua psique; e mais, há progressivo afrouxamento dos laços que unem o filho ao genitor não guardião, até o seu completo desatamento. Uma criança, filha de pais separados, não os separa internamente; ao contrário, eles continuam juntos no seu mundo interno. Na modalidade guarda alternada, a criança fica passando de mão em mão, acarretando ausência de referencial de lar e instabilidade emocional e psíquica. Além disso, as duas modalidades estimulam a disputa da prole, que é tida, comumente, nos processos de ruptura conjugal, como um prêmio, como se fosse um objeto e não, um sujeito de direitos. Chega a ser absurdo, assim, ouvir, no âmbito judicial, uma criança, para que ela diga com quem prefere ficar, sem maiores considerações a respeito das fantasias relativas a lealdade, medos, traições, vinganças, só para citar algumas, que, em sua maior parte, habitam seu mundo inconsciente.
O novo Código Civil deixou de privilegiar a mãe no exercício da guarda, mas, lamentavelmente, manteve a guarda única, na qual um dos genitores, o pai ou a mãe, o que tiver melhores condições - embora não especifique a nova lei que condições são essas (emocionais? financeiras?) - exerce de forma unilateral e exclusiva a guarda dos filhos menores, cabendo ao genitor não guardião exclusivamente os direitos de visita, alimentos e fiscalização da criação dos filhos; ou seja, o papel do pai ou da mãe continua relegado a um plano secundário, deixando-se de lado a guarda compartilhada.
Felizmente, não obstante a exclusão da guarda compartilhada no novo Código Civil, há um Projeto de Lei de n. 6.315/02 apresentado pelo Deputado Feu Rosa, que pretende instituir a possibilidade de guarda compartilhada nos casos de separação judicial e divórcio, quando consensuais. Assim, a criança terá o seu direito assegurado pela Constituição Federal, em seu artigo 227, que impõe como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à convivência familiar e comunitária.
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* Advogada do escritório Martorelli Advogados