As vindouras eleições municipais e a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas
José Ricardo Biazzo Simon*
Renata Fiori Puccetti*
As questões eleitorais têm sido palco de acalorados debates e significativas mudanças, notadamente:
(i) a novel interpretação constitucional sobre exercício dos mandatos e a quem esses pertencem (a alcunhada fidelidade partidária) e
(ii) o também reformulado entendimento, por parte do TSE, sobre a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas c/c o "tramitar" de ação anulatória.
É sobre esse segundo assunto que, a seguir, faremos um alerta aos candidatos "veteranos", como também, algumas observações.
De início, uma brevíssima explanação sobre a norma jurídica em questão, qual seja, o art. 1º, da Lei Complementar nº. 64/90 (clique aqui), que tem a seguinte redação:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;
Se nenhuma controvérsia há sobre a situação que gera a inelegibilidade (rejeição de contas com vícios insanáveis), a ressalva destacada – (...) salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário (...) - concentra todas elas.
Dois anos após a edição da LC n°. 64/90, o TSE consolidou entendimento e editou a Súmula nº. 1, assentando a segurança de que a mera propositura de ação obsta(va) a inelegibilidade:
Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar n°. 64/90, art. 1°, I, g)
Não obstante o teor da súmula se coadunar com a redação legal, nem ampliando nem restringindo seu alcance, e ainda assegurando a elegibilidade de políticos cujas contas tenham sido equivocadamente rejeitadas (seja por vícios formais ou materiais), o fato é que de outro lado, sempre estiveram abertas as portas para a total ineficácia da conseqüência legal pelo mau uso do dinheiro público ou por ilegalidades cometidas em gestões anteriores.
Assim, diversas ações absolutamente infundadas propiciaram eleições e reconduções de maus administradores.
Atento a essa nefasta possibilidade, o TSE, em meados de 2006, promoveu uma guinada na situação, em julgamento (Ac.-TSE, de 24.8.2006, no RO nº. 912; de 13.9.2006), que inaugurou o entendimento (mantido nos RO nº. 963, de 29.9.2006; RO nº. 965, REspe nº. 26.942; e de 16.11.2006, no AgRgRO nº. 1.067, e diversos outros que se seguiram) de que a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas só não alcançará o pretendente a cargo eletivo que obtiver decisão judicial favorável, seja em caráter provisório (liminar, antecipação de tutela), seja definitiva.
Para melhor compreender a questão, devem ser extraídas lições da pioneira decisão que, a despeito de restringir o alcance da lei, busca a proteção da sociedade.
No acórdão em questão foi salientada necessidade de análise, pelo TSE, da idoneidade da ação proposta, bem como das circunstâncias fáticas que cercam a matéria que está posta à controvérsia.
Os Nobres Ministros ponderaram que a propositura de ação judicial sem fundamento, às vésperas do término do prazo para o registro de sua candidatura, foi justamente o que motivou a não aplicação da Súmula nº. 1/92, uma vez que a ação se configuraria verdadeira fraude à legislação eleitoral, pois sua propositura teria por escopo tão somente possibilitar o registro do candidato.
Solidificando-se pela reiteração desde então, é esse o entendimento vigente sobre a matéria.
A disputa eleitoral já foi deflagrada. O TSE já editou a Resolução nº. 22.579, de 30.8.2007, com o calendário das próximas eleições municipais, pendendo, ainda, de expedir as instruções relativas às eleições de 2008 (Lei nº. 9.504/97 - clique aqui -, art. n°. 105, caput), o que deve ocorrer até o início de março.
Portanto, políticos veteranos com histórico de contas rejeitadas nos últimos cinco anos só obterão registro de suas candidaturas – caso mantido o posicionamento do TSE - mediante decisão judicial favorável (ao menos "liminarmente") em ação versando sobre nulidade de julgamento de contas.
Todavia, algumas situações ainda reclamarão enfrentamento pela máxima Corte Eleitoral, como o corte temporal para incidência do antigo entendimento e império da Súmula nº. 1 e para a incidência da nova orientação, mas também é certo que vale o alerta: se mantido o entendimento, a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas só não alcançará aqueles que sustarem a eficácia das decisões dos Poderes Legislativos em ação especialmente proposta para tal fim e, desde que a ação não seja proposta na “undécima” hora.
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*Advogados do escritório Biazzo Simon Advogados
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