A inconstitucionalidade da LC n°. 118/2005
Christiane Rodrigues Pantoja*
Entende aquele Tribunal que a extinção do crédito tributário não ocorre com o pagamento da exação, sendo indispensável sua homologação expressa ou tácita, e, somente a partir daí, é que se inicia o prazo do contribuinte para pleitear judicial ou administrativamente a restituição do indevido.
Sobreveio - após a consolidação do entendimento jurisprudencial, a Lei Complementar n°. 118/2005 (clique aqui), que conferiu nova interpretação à lei tributária e estabeleceu novo – e menor, prazo prescricional para exercício do direito do contribuinte de reaver o indébito tributário.
Esse novo entendimento, segundo a Fazenda Nacional e nos termos da própria LC n°. 118/2005, tem aplicação a atos e fatos pretéritos, a alcançar inclusive processos judiciais pendentes de julgamento na data de sua vigência.
Essa interpretação do fisco tem como conseqüência a redução pela metade do prazo possível para o contribuinte pleitear o recebimento de valores pagos indevidamente a título de tributo sujeito à homologação. Vale dizer, diversas ações ainda em curso - se válida a interpretação fazendária, serão julgadas extintas em razão do transcurso do prazo prescricional.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, entende que permanece hígido o direito do contribuinte nas ações em curso ao prazo de 10 anos para restituição do indébito tributário. Isso porque a superveniente LC n°. 118/2005, por trazer ao ordenamento jurídico com nova regra prescricional, não pode retroagir para alcançar fatos pretéritos.
O embate entre o entendimento da Fazenda e do Superior Tribunal de Justiça tem cerne no estabelecimento da natureza da novel legislação, se meramente interpretativa ou modificativa do regramento anterior relativo à prescrição dos indébitos de tributos sujeitos a lançamento por homologação.
Se considerada interpretativa, supostamente possível sua retroação para alcançar fatos tributários pretéritos. Do contrário, se introduz nova regra prescricional ao direito tributário, seria inviável a retroatividade ante o sistema jurídico-constitucional brasileiro que privilegia a irretroatividade das leis.
Diz o fisco que o Supremo Tribunal Federal já entendeu possível a existência de leis interpretativas retroativas no ordenamento jurídico brasileiro. Ocorre que – e assim também já decidiu o Supremo, a admissão da retroatividade das leis interpretativas tem limite na necessária intangibilidade das situações juridicamente consolidadas.
Vale dizer, mesmo se interpretativa fosse, a regra da LC n°. 118/2005 não poderia retroagir porque assim violaria os princípios da independência dos Poderes da República e da segurança jurídica – direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
É que a novel legislação altera regra sedimentada pelo Poder Judiciário brasileiro, em especial pelo Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar, por dever constitucional, as normas aplicáveis à prescrição dos indébitos tributários. Essa retroação atípica e modificativa do entendimento jurisprudencial efetivada pelo legislador vulnera o princípio da separação dos poderes da República e compromete a autonomia e a independência do Poder Judiciário.
Com efeito, a LC n°. 118/2005 retirou das normas aplicáveis ao tema a interpretação efetivada pelo Superior Tribunal de Justiça, intérprete e guardião da legislação federal por imperativo constitucional. Ao assim fazê-lo, invadiu o Poder Legislativo a função jurisdicional.
A Fazenda Nacional, por sua vez, alega inexistir violação da LC n°. 118/2005 à segurança jurídica porque nenhum jurisdicionado teria direito adquirido ao prazo prescricional estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça para ajuizamento de ações de repetição de indébito.
Ocorre que a consolidação e o respeito à interpretação judicial de temas de direito evita que os sujeitos nas relações jurídicas sejam, no amanhã, surpreendidos e constrangidos pelo advento de um imprevisto regime legal superveniente que pudesse disciplinar, sob outro teor e conseqüências, suas condutas pré-constituídas pelo entendimento jurisprudencial.
Trata-se, na verdade, de exigência da segurança jurídica e da proteção da confiança alçada em garantia supralegal por muitos diplomas constitucionais e pelas declarações internacionais da era moderna e contemporânea.
A incidência LC n°. 118/2005 – seja ela interpretativa ou modificativa de direito, deve ficar limitada, portanto, às hipóteses verificadas após a sua vigência, tudo em respeito aos princípios da irretroatividade das leis, separação dos Poderes e segurança jurídica.
O tema será em definitivo decido pelo Supremo Tribunal Federal que recentemente entendeu ter a matéria a repercussão geral imprescindível ao seu julgamento pela Corte.
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*Advogada do setor contencioso do escritório Siqueira Castro Advogados
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