Precatórios e outras fraudes oficiais
Adriano Pinto*
Aponta, ainda, o magistrado que uma das grandes causas do congestionamento do Judiciário é a litigiosidade oficial, especialmente a provocada pela Fazenda Pública, que se prevalece dos seus privilégios processuais para frustrar o efeito das condenações judiciais sofridas.
Afirma, também, o articulista que não se tem meios eficientes para reagir a essa conduta ilegítima das autoridades governamentais, já que o seqüestro do importe correspondente nem sempre é cabível e o pedido de intervenção e a instauração de processo por crime de responsabilidade não têm efetividade prática.
Conclama a reflexão de todos e reclama do próprio Judiciário uma postura enérgica, com vistas ao imediato restabelecimento de sua autoridade, dignidade e respeito, a fim de conservar-se merecedor da credibilidade pública. Afirma, finalmente, que faltou à Emenda Constitucional n°. 45 (clique aqui), criar mecanismos processuais à disposição da Justiça, com eficácia inarredável de compelir o Poder Público ao cumprimento de ordens judiciais, como seria, por exemplo, o afastamento automático do gestor inadimplente, a flexibilização das possibilidades de seqüestro, etc. Não é inusitado que uma autoridade judiciária denuncie esse descalabro provocado pelo regime de precatório, uma fraude pública legalizada, mas, infelizmente, constitui uma raridade, cada vez maior.
Todavia, existem causas não denunciadas para a consolidação dessa realidade sinistra onde a autoridade governamental desrespeita sistematicamente a ordem judicial e continua violentando os direitos constitucionais dos cidadãos. A primeira delas é o comprometimento político do próprio Judiciário, do qual se faz exemplos suficientes, a conduta do Supremo Tribunal Federal de mandar arquivar pedidos de intervenção judicial nas administrações governamentais, argüindo riscos de economia das unidades estatais desobedientes, e os hábeas corpus preventivos que são concedidos em favor de autoridades renitentes às ordens judiciais.
De outra parte, falta dar cumprimento a uma providencia prevista na lei processual, qual seja, a autoridade provocar o Ministério Público para providencias cabíveis sempre que se deparar com condutas individuais com tipicidade criminal.
Ademais, existe toda uma construção jurisprudencial direcionada para favorecer a conduta autoritária da Fazenda Pública, como se revela na Súmula n°. 271/STF (clique aqui) "Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”. Essa súmula consagra e estimula a estratégia de mora fazendária. A contabilidade pública no Brasil é mantida sem qualquer controle, sendo reconhecidamente maquiada, ocultando dívidas e receitas conforme o mero interesse governamental.
O próprio STF, por informações divulgadas, já admitiu que, se as dívidas judiciais, fossem um dia contabilizadas, isto causaria um grande impacto negativo no superávit formal das contas públicas. Significa, na prática, que as ordens judiciais de pagamento emitidas pelo Supremo Tribunal Federal ou qualquer outro Tribunal ou Juízo no país, vão solenemente ignoradas, sem qualquer reação, inclusive pelo próprio Judiciário ou pelo Ministério Público. Fundos fiscais constituídos com vinculação de receitas tributárias formam-se à margem do orçamento e são livremente geridos por autoridades fazendárias, tudo em frontal violação da CF/88, como é o caso de um constituído com receitas oriundas da venda compulsória do chamado selo de controle de produtos sujeitos ao IPI e outro formado pela inclusão de um denominado encargo de 20% na certidão de dívida ativa da União.
Ninguém cobra as responsabilidades administrativa, civil e criminal das autoridades que atuam nessa engrenagem de manipulação financeira para sustentação política de governos. Assim, sob total impunidade dos agentes públicos responsáveis, valores na casa de centena bilionária são excluídos da contabilidade pública. Sob a ordem democrática instalada pela CF/88 remanesce, na prática e com progressiva ampliação, o autoritarismo da Administração Fazendária sob a complacência judicial.
Por unanimidade de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal negou a inconstitucionalidade argüida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a Lei n°. 9.703, de 17.11.98 (clique aqui), (Resultante da Medida Provisória nº. 1.721, de 28.10.98 - clique aqui -) que determina o repasse imediato de depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos e contribuições federais para o Caixa Único da União.
Nessa ação direta de inconstitucionalidade 1.933, foi acolhido o voto do relator Nelson Jobim no sentido de que a lei não alterou a função fiscalizadora do juiz na guarda dos depósitos judiciais, nem a relação entre o credor e o depositário, e que os depósitos passaram a render juros com a taxa Selic, corrigindo discriminações e estabelecendo tratamento isonômico. Um discurso oficial de exaltada hipocrisia.
Existem mecanismos piores nas leis estaduais, com a criação de fundos supridos pelos depósitos judiciais e administrados diretamente pelo Tribunal de Justiça, sob a falácia de que o Tesouro Estadual garante o pronto resgate em caso de vitória da parte depositante. Todavia, tanto no sistema federal como nos estaduais, o depositante não tem acesso a qualquer tipo de controle sobre a aplicação dos valores depositados e não recebe informações a respeito.
Como se vê, infelizmente, o Judiciário não apenas consente no desacato das ordens judiciais, como, se faz parceiro na pratica de mecanismos financeiros que expropriam indevidamente os rendimentos que os depósitos judiciais podem produzir.
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*Advogado do escritório Adriano Pinto & Jacirema Moreira - Advocacia Empresarial
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