O Judiciário no ano de 2007
Antonio Pessoa Cardoso*
Algumas mudanças no comando aconteceram, a exemplo, da direção da mais alta Corte do país; deixou a presidência um político, que não fez carreira no Judiciário, e passou, pela primeira vez, para a liderança de uma mulher, a ministra Ellen Gracie Northfleet; noutros tribunais, fenômeno semelhante acontece; é o caso da Bahia, que tem o Tribunal mais antigo do Brasil, e será governado, nos próximos dois anos, por uma mulher, a desembargadora Silvia Zarif, eleita por unanimidade de seus pares. O ministro Joaquim Barbosa obteve notoriedade, quando atuou com independência e firmeza na relatoria do processo do chamado "mensalão"; a revista IstoÉ indicou seu nome como "Brasileiro do Ano"; Época considerou um dos cem brasileiros mais influentes do Brasil e foi manchete em vários jornais; é o primeiro homem negro a assumir uma das cadeiras do Supremo Tribunal Federal, junho/2003. Registre-se que, em termos jurídicos, não tem grande significação a ocorrência, pois o processo apenas começou com o recebimento da denúncia; o fato, entretanto, repercutiu porque a Justiça deu o primeiro passo para punir políticos e empresários importantes e ligados ao governo.
No ano, o processo eletrônico, anunciado pela Lei n°. 11.419/2006 (clique aqui), torna-se realidade com a disponibilidade de cartões de identidade para os advogados, micro chips, habilitando-os a assinarem documentos e petições por meio digital. Com isto é implantado o processo virtual. Por outro lado, o Diário Oficial Eletrônico substitui o Diário Oficial no papel.
O STF editou a Resolução n°. 344 que regulamenta o uso do meio eletrônico na tramitação dos processos judiciais. Ainda em fase de adaptação, entraram 632 RE-eletrônicos no Tribunal até o dia 10.12.07.
No campo eminentemente jurídico, o recebimento da denúncia contra 40 acusados de envolvimento no esquema do "mensalão" proporcionou alegria e credibilidade à Corte que apreciou quase 80.000 folhas de documentos digitalizados para facilitar o manuseio do processo.
Em substancial mudança de entendimento, o STF passou a aplicar, com maior abrangência, o disposto no art. 5º, inc. LXXI da Constituição, que trata do Mandado de Injunção, concedido "sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania". Admitiu-se mora legislativa acerca da greve dos servidores públicos e determinou-se aplicação analógica da lei que disciplina o exercício do direito de greve pelos empregados da iniciativa privada. Alterou entendimentos anteriores, segundo o qual não podia o Judiciário atuar como legislador positivo, criando normas jurídicas, mas, devia limitar-se a declarar suas nulidades.
Procedeu-se da mesma forma sobre o aviso prévio proporcional, quando se concedeu ao Congresso Nacional o prazo de 18 meses para aprovar lei que regulamente a criação de novos municípios; caso seja descumprida esta determinação, no tempo assinalado, os municípios instalados depois de 1996 poderão ser declarados inconstitucionais em dois anos.
O Conselho Nacional de Justiça, CNJ, órgão integrante do Poder Judiciário, instalado em junho de 2005, destina-se a controlar a atuação administrativa, financeira e funcional da magistratura; apesar de intervenções indevidas na jurisdição, mostra relevantes serviços quando exige transparência dos tribunais nas promoções, nos julgamentos de processos disciplinares, na apuração das denúncias sobre a morosidade dos julgamentos e na busca de uniformidade de procedimentos.
Na área ambiental, a grande polêmica do ano reside na transposição do Rio São Francisco. O STJ suspendeu licitação para as obras, mas, em novo julgado, permitiu que um consórcio formado por três empresas de engenharia continuassem na disputa. Enquanto isto, o STF autorizou o prossseguimento das obras, não aceitando recurso judicial que questionava descumprimento pelo governo de exigências ambientais indispensáveis para a operação que provocará violação ao ambiente.
O STF decide pela nulidade de interrogatório de réu preso, realizado através da videoconferência:
"Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu." (Segunda Turma, HC 88.914/SP, Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em 14.8.2007, unânime).
Na área eleitoral, a Corte superior definiu, em outubro, que a fidelidade partidária pode gerar perda de mandato, pertencente ao partido e não ao parlamentar, confirmando julgamento anterior do TSE. Esta e outras decisões atestam a judicialização do Poder, transformando-o em importante agente da reforma política do país.
Fato inédito foi a realização de audiência pública para auxiliar no julgamento do uso de células-tronco embrionárias, Lei n°. 11.105/05 (clique aqui), de Biossegurança, na ADI n°. 3510. Foram ouvidos especialistas que criticavam e que defendiam a utilização das células-tronco para fins de pesquisa e terapia.
A Súmula Vinculante, criada pela Emenda Constitucional n. 45/2004 (clique aqui) e regulamentada pela Lei n°. 11.417/2006 (clique aqui), começou a ter efeito prático, em junho último, com a edição das três primeiras. O instituto implica em obrigar todos os julgadores a decidirem de acordo com a jurisprudência e os precedentes do STF.
A "Repercussão Geral", instituto jurídico criado pela Emenda n°. 45/2004, regulamentado pela Lei n°. 11.418/2006 (clique aqui), só começou a ser usada no ano de 2007. Trata-se de imposição de requisito para a admissibilidade do recurso extraordinário, extensivo agora aos recursos de natureza penal. A causa deverá ultrapassar vantagens subjetivas das partes e ter relevante interesse econômico, político, social ou jurídico. O instituto serve para diminuir a grande quantidade de recursos que ancoram junto à Corte.
Acerca da produtividade do STF, foram protocolados 119.957 processos, inferior ao ano de 2006, quando se ingressou com 129.079 petições. No ano que terminou foram julgados 150.901 processos, sendo 128.201 através de decisões monocráticas, aumento de 32% em relação ao ano de 2006. No ano de 2007 o STJ julgou 328 mil processos.
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*Desembargador do TJ/BA