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O ônus da prova no processo do trabalho

O ônus probatório é matéria de relevante importância, pois o seu conhecimento pelas partes no processo indica qual será a prioridade em levar as provas para o processo e a probabilidade de êxito em uma demanda. Para o juiz, trata-se de regras de julgamento e indicam como solucionar a lide na ausência de provas quanto a fatos controvertidos.

8/1/2008


O ônus da prova no processo do trabalho

Márcia Maria Gonçalves Braga*

1- Introdução

O ônus probatório é matéria de relevante importância, pois o seu conhecimento pelas partes no processo indica qual será a prioridade em levar as provas para o processo e a probabilidade de êxito em uma demanda. Para o juiz, trata-se de regras de julgamento e indicam como solucionar a lide na ausência de provas quanto a fatos controvertidos.

Se a solução da controvérsia depende das provas produzidas e evidentes nos autos, quanto a fatos apresentados pelas partes, e, se tais provas não ocorrerem, cabe ao juiz utilizar-se dos recursos existentes no ordenamento jurídico para concluir a prestação jurisdicional.

Quando adentramos a ceara da justiça do trabalho, justiça especial que é, defrontamo-nos com o disposto no art. n°. 818 da CLT (clique aqui), que nos aponta um caminho na busca de soluções, cheio de dúvidas, porque é restrito a dizer o seguinte: "A prova das alegações incumbe à parte que as fizer". Dúvidas porque o dispositivo não atende aos anseios do que propõe a Justiça do Trabalho e à sua realidade, ou seria a indicação do artigo digitado suficiente para atender os anseios do que objetiva a Justiça do Trabalho? Há fatos por demais difíceis para o empregado conseguir prová-los, em face da sua subordinação e distância da administração do empreendimento do empregador.

Por outro lado, o art. n°. 769 da CLT autoriza a aplicação subsidiária do CPC (clique aqui) quando a CLT for omissa e quando houver compatibilidade do mesmo com as normas trabalhistas. No caso específico, houve omissão da CLT quanto ao ônus de prova? As regras do CPC são compatíveis com as normas trabalhistas?

Nesse momento entra a utilidade dos princípios gerais do direito do trabalho, porque é justiça especial, e cabe a ela solucionar seus próprios problemas.

As questões advindas do ônus de prova se tornam complexas quando trazidas para a prática. O presente trabalho busca desvendar a questão do ônus de prova em relação à sua aplicação no direito do trabalho e a sua inversão, ao lado dos estudiosos do assunto que apontam posições e caminhos na busca de respostas e também levam a outras indagações, face à importância que o tema traz consigo, diante das conseqüências que acarreta.

Nosso estudo é singelo, e busca levar a compreender a questão do ônus de prova no processo do trabalho, em vista de tantas inversões a favor do empregado.

A busca implicou a pesquisa bibliográfica e o método dedutivo, procurando acompanhar os estudos dos juristas, compreendendo tais estudos e mostrando os resultados alcançados.

2- Ônus de Prova

Feitas essas considerações iniciais, cumpre direcionar o presente estudo para a conceituração de ônus e para a relevante questão da distribuição do ônus de prova.

Ônus vem do latim onus e significa aquilo que sobrecarrega; carga, peso1.

Ensina Amauri Mascaro Nascimento que "ônus da prova é a responsabilidade atribuída à parte, para produzir uma prova e que, uma vez não desempenhada satisfatoriamente, traz, como conseqüência, o não reconhecimento, pelo órgão jurisdicional, da existência do fato que a prova destina-se a demonstrar."2

A maioria dos autores discute previamente o sentido de ônus, obrigação e dever, o que se verá brevemente.

Nas palavras de Moacyr Amaral Santos3, o ônus probatório é um "dever no sentido de interesse, de necessidade, interesse, necessidade de produzir a prova para formar-se a convicção do juiz a respeito dos fatos alegados."

A incumbência referida é no sentido de necessidade de provar, cuja desincumbência pode acarretar em não conhecimento do fato alegado e a parte correr o risco de ver sua pretensão não acolhida.

Assim, ônus não é obrigação porque não existe sansão jurídica (execução ou pena) para quem não cumpre a incumbência de provar.

Mostra Carnelutti4 que:

Basta a reflexão para se entender a distinção entre o conceito de obrigação e o de ônus. Falamos de ônus, quando o exercício de uma faculdade é posto como condição para obter certa vantagem. Por isso, ônus é uma faculdade, cujo exercício é necessário para a consecução de um interesse. Daí o parentesco entre os dois conceitos. Obrigação e ônus têm de comum o elemento formal, consistente no vínculo da vontade, mas diferem entre si quanto ao elemento substancial, porque o vínculo é imposto, quando há obrigação para a tutela de um interesse alheio, enquanto, havendo ônus, a tutela é um interesse próprio. Correlativa à idéia de risco, não à idéia de subordinação, ou sujeição.

O critério da prova utilizado pela CLT é de que o ônus da prova é atribuído a quem alegar a existência de um fato: a prova das alegações incumbe à parte que as fizer (CLT, art. n°. 818), assunto que será tratado com o devido cuidado, logo à frente.

Prova deriva do latim prova, de probare, significando demonstrar, formar juízo de algo.

Em definição lata, Moacir Amaral Santos5 nos ensina que sob o aspecto objetivo, são "os meios destinados a fornecer ao juiz o conhecimento da verdade dos fatos deduzidos <_st13a_personname w:st="on" productid="em juízo.” No">em juízo." No aspecto subjetivo, "é aquela que forma no espírito do juiz, seu principal destinatário, quanto à verdade desses fatos."

O objeto de prova é o fato, ou os fatos que se fundamentam na pretensão deduzida em juízo, via de regra, salva a exceção da necessidade de provar o direito. Assim, provam-se os fatos controversos da demanda, os que não são notórios e os que não são presumidos legalmente, os fatos diversos daqueles previstos no artigo n°. 334 do CPC.

Ora, quando as partes produzem as provas necessárias a desvendar a existência dos fatos que alegaram com o objetivo de alcançarem as suas pretensões, sem dúvida as alcançarão.

Ocorre, muitas vezes, que os fatos alegados não são provados e o julgador deve então aplicar, quando do julgamento, as regras do ônus da prova. Daí sua importância, pois indicam ao juiz como deve sentenciar na ausência de provas sobre os fatos controvertidos.

A existência de provas produzidas pelas partes exige do juiz apenas a sua valoração. A ausência de provas é que determinará a situação de desvantagem da parte que deveria produzi-las e não o fez.

As normas relativas à distribuição do ônus da prova constituem verdadeiras regras de julgamento adotadas pelo julgador no ato de julgar, quando deve decidir em plena ausência de elementos probatórios suficientes à revelação dos fatos invocados pelas partes. É neste momento que o juiz, utilizando-se daquelas normas, conclui pelo êxito, ou não, da alegação, observando exatamente a quem cabia a produção de prova. Na falta desta, decide em desfavor de quem deveria tê-la produzido, importando ao Juiz saber a parte que não as produziu.

Reconhecido o poder instrutório do juiz e assentada a própria superação da atividade das partes pelo julgador neste particular, poder-se-ia pensar que jamais estaria configurada a ausência total de provas, de vez que o Juiz mesmo se incumbiria de trazer as provas para os autos. Isto na verdade não ocorre, porque ao poder instrutório do juiz escapam os elementos de prova por ele desconhecidos, tornando impossível à produção desta. É neste vazio, situado entre o ônus da prova não satisfeito pelas partes e o poder de instrução não realizado pelo julgador, que irão atuar as regras de julgamento.

É aqui que se revelará a postura do juiz quanto à aplicabilidade do dispositivo do processo civil ou da aplicação de critérios autônomos característicos do Direito Processual do Trabalho.

A CLT não é omissa sobre o ônus da prova e dispõe no seu art. n°. 818 que: A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

O CPC no art. n°. 333 assim dispõe:

"O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."

O dispositivo do CPC é explicativo, restringindo ao autor a incumbência de provar os fatos constitutivos dos seus direitos e ao réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos do autor.

O art. n°. 769 da CLT autoriza a aplicação subsidiária do CPC somente nos casos omissos e quando não houver incompatibilidade. "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título."

Comenta Valentin Carrion6:

Ao processo laboral se aplicam as normas, institutos e estudos da doutrina do processo geral (que é o processo civil), desde que:

a) não esteja aqui regulado de outro modo ("casos omissos", “subsidiariamente”);

b) não ofendam os princípios do processo laboral ("incompatível");

c) se adapte aos mesmos princípios e às peculiaridades deste procedimento;

d) não haja impossibilidade material de aplicação (institutos estranhos à relação deduzida no juízo trabalhista); a aplicação de institutos não previstos não deve ser motivo para maior eternização das demandas e tem de adaptá-las às peculiaridades próprias.

Estabeleceu-se uma polêmica doutrinária a respeito do ônus da prova em relação ao princípio da subsidiariedade, consagrado no art. n°. 769 da CLT, cujo assunto bem sintetizou Dr. César Pereira da Silva Machado Júnior, mostrando três correntes opostas que se formaram7.

A primeira entende que, "em vista do caráter simplista e lacônico do art. n°. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, declara a aplicabilidade plena do art. n°. 333 do CPC", o que é defendido por grandes juristas como Ísis de Almeida, Amador Paes de Almeida e Campos Batalha.

Segundo Amador Paes de Almeida8, "em princípio, pois, o ônus da prova é de quem alega o fato. Este princípio, devidamente interpretado, leva à seguinte conclusão:

a) ao reclamante cumpre provar os fatos constitutivos do seu direito;

b) ao reclamado incumbe a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do reclamante."

De igual teor, o ensinamento de Campos Batalha.

A segunda, em extremo oposto, propugna pela aplicação do art. n°. 818 da CLT, simplesmente, sem qualquer aplicação subsidiária do disposto no CPC. É tese defendida por Manoel Antônio Teixeira Filho9.

A terceira, de posição aparentemente conciliatória, declara a aplicação do art. 818 da CLT, afirmando que a norma é suficiente e que a sua fórmula é superior ao do art. n°. 333 do CPC, a qual defende Antônio Lamarca.

Observa-se que as discussões geradas ficam em torno da insuficiência das disposições legais, ao passo que na prática diária, é evidente que as disposições se resumem em uma única disposição. Quando se diz que a prova das alegações incumbe à parte que as fizer, é o mesmo que dizer que ao autor incumbe provar os fatos que alegar e ao réu, da mesma forma, como explicou Antônio Lamarca.

Apresentando seu ponto de vista, Dr. César10 afirma que:

Os artigos n°. 818 da CLT e n°. 333 do CPC dizem única e exclusivamente a mesma coisa, e a aplicação subsidiária, ao art. n°. 333 do CPC, em nada altera a situação que enfrentamos na prática diária do foro. A afirmativa de que "a prova das alegações cabe à parte que as fizer", é o mesmo que atribuir ao autor o ônus de demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, e ao réu os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito alegado. As duas disposições legais se resumem em uma única disposição.

Nesse passo, é fácil concluir que podemos buscar no CPC um melhor entendimento para a distribuição do ônus da prova e aplicar integralmente seu art. n°. 333 no processo do trabalho, não porque a CLT seja omissa, pelo contrário, não o é, mas porque dizem ambos os dispositivos a mesma coisa. Há de se observar apenas o cuidado de não transportar do CPC a disposição legal referida para o processo do trabalho, simplesmente, dada a desigualdade das partes no direito laboral, já que o critério civilista a respeito da distribuição do ônus objetivo da prova baseia-se em igualdade formal das partes, e levado em conta que o direito processual do trabalho deve servir ao direito do trabalho, dado o caráter de especialidade que lhe conferem a lei e a doutrina. Há que ser lembrado também que a jurisprudência trabalhista de forma praticamente unânime tem aplicado integralmente o art. n°. 333 do Código de Processo Civil.

Colocadas essas questões, não poderia deixar de mencionar o Art. 8º da CLT que assim dispõe:

As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Assim, a legislação é a fonte primordial do direito. Primeiramente a CF (clique aqui), depois as leis ordinárias, que é o caso da CLT e do CPC. Os decretos são pouco encontrados em matéria processual trabalhista, porque se prestam a reger complementarmente e em consonância com as leis da organização judiciária trabalhista. Depois os Regimentos Internos dos tribunais que versam sobre procedimentos e recursos. Seguidamente as Portarias, que versam sobre matéria restrita, de ordem interna, expedidas pelos Presidentes dos Tribunais Superiores e Regionais. E por fim a convenção coletiva e a sentença normativa.

Passado pela legislação, busca-se a solução na jurisprudência, que é o modo pelo qual o Judiciário aplica reiteradamente o direito, no dia a dia dos julgados; à analogia, que é a operação lógica através da qual o intérprete estende o dispositivo de lei a casos por ela não previstos, mas semelhantes; à equidade, que busca decidir com justiça sob a falta de hipótese legislativa; aos princípios gerais do Direito que são fundamentos e pressupostos do direito universal donde se extraem idéias que formam a base da civilização hodierna e principalmente os princípios informadores de direito do trabalho; aos usos e costumes, que são práticas ou modos de agir, comumente seguidos, formando regras jurídicas nos vãos da lei; ao direito comparado, que são normas jurídicas de outras nações analisadas e trazidas para o nosso direito como comparativo para facilitar a compreensão .

Da legislação, da jurisprudência, da analogia, da eqüidade não nos ocuparemos, pois a ordem elencada implica em consciência da existência da norma jurídica.

Já os princípios de direito, os usos e costumes nos interessam porque podemos verificar a ausência de elemento palpável e buscar da experiência humana e dos fundamentos do direito uma resposta para a falta das provas.

Sobre os costumes, Amauri Mascaro Nascimento entende que são praticamente inexistentes em matéria processual, por se submeter as normas elaboradas pelo Estado, sendo difícil a possibilidade de sua formação consuetudinária.

O parágrafo único do digitado artigo faz referência ao direito comum com o intuito de mostrar o repúdio à possibilidade do direito do trabalho se ilhar no ordenamento jurídico, lembrando que é norma geral brasileira que, "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" (LICC, art. 5º).

Vale ressaltar que o processo brasileiro acolhe o sistema da livre apreciação das provas, que é aquele que permite ao juiz arbitrar a avaliação das provas, segundo a sua íntima convicção, de acordo com as provas existentes nos autos, exigindo-se apenas que seja a decisão fundamentada, ou seja, que sejam ditas as razões que o levaram a atribuir a uma prova determinado valor e não outro.

Quando as partes produzirem devidamente as provas, a atividade do juiz se restringirá a avaliá-las e julgá-las segundo a sua convicção, mediante fundamentação. Já na ausência de provas de fatos controvertidos, o juiz precisa buscar no ordenamento jurídico uma solução para o impasse porque a prestação jurisdicional não pode parar, o Estado deve dizer o direito.

Ensina Antônio Carlos, Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco11 que:

O direito processual é, assim, do ponto-de-vista de sua função puramente jurídica, um instrumento a serviço do direito material: todos os seus institutos básicos (jurisdição, ação, exceção, processo) são concebidos e justificam-se no quadro das instituições do Estado pela necessidade de garantir a autoridade do ordenamento jurídico. O objetivo do direito processual reside precisamente nesses institutos e eles concorrem decisivamente para dar-lhe sua própria individualidade e distingui-lo do direito material.

À falta de diretrizes claras quanto ao ônus da prova, no art. n°. 818 da CLT, o juiz, diante da ausência de provas no caso concreto, busca nos princípios do direito uma solução para a busca da verdade, observando-se que, segundo Américo Plá Rodrigues12 "um princípio é algo mais geral do que uma norma porque serve para inspirá-la, para entendê-la, para supri-la. E cumpre essa missão relativamente a número indeterminado de normas."

Assim, justifica-se a busca de soluções nos princípios que são a razão de ser da norma e são meios de integração de direito.

Segundo De Castro13:

Os princípios de direito cumprem tríplice missão:

a) informadora: inspiram o legislador, servindo de fundamento para o ordenamento jurídico.

b) Normativa: atuam como fonte supletiva, no caso de ausência da lei. São meios de integração de direito, e

c)Interpretadora: operam como critério do juiz ou do intérprete. Essa pluralidade de funções explica que haja alguns desses princípios que sirvam mais para o legislador ou criador de normas trabalhistas, isto é, que cumpram uma missão de inspiração ou informação da norma e outros que sejam mais úteis ao intérprete. Nem sempre podem os princípios cumprir, na mesma medida e com a mesma intensidade esse tríplice papel.

Assim, pode-se concluir que o direito processual é um instrumento na solução dos conflitos de interesses e sofre, certamente, no processo do trabalho, influência dos princípios de direito, tendo em vista que este direito especial tende a proteger o trabalhador.

Porém, ensina César14, que no âmbito das provas nenhuma proteção é dada ao empregado no direito processual, verificando-se a inferioridade do empregado, também nesse particular e que não é desproposital, já que o direito especial deve também ter suas normas especiais.

Enquanto não se concretizam reformas legislativas, uma postura mental se faz necessária para adequação do instrumento do processo ao sentido do direito do trabalho, no aspecto das provas.

Chega à conclusão, o Juiz César Pereira15, que enquanto não houverem regras claras, o único critério seguro e lógico na análise do ônus da prova no processo do trabalho é transpor para essa disciplina todos os princípios de direito do trabalho e, assim, analisarmos as controvérsias iluminadas por esses princípios, pois os princípios gerais do direito do trabalho são como o alicerce desse direito especial e lhe dão sustentação, coerência e instrumentos de interpretação.

Finalmente, sabemos que o critério da igual distribuição do ônus da prova nem sempre atende as necessidades do processo trabalhista porque sobrecarrega o empregado que não tem as mesmas condições e facilidade do empregador. Assim, a tendência é redistribuir o ônus da prova com maiores responsabilidades para o empregador, à luz dos princípios gerais do direito do trabalho, no intuito de igualar as partes processualmente, observada a hipossuficiência do empregado, a sua subordinação ao empregador, a diversidade de situação econômica.

Devemos lembrar que enquanto na esfera civilista os contratantes têm iguais possibilidades de produzir prova, no ramo trabalhista é notória a inferioridade do trabalhador. Vemos que até mesmo a prova testemunhal lhe é difícil, porque depende de outros trabalhadores que estão subordinados, às vezes, ao mesmo empregador, coibindo-lhes a liberdade dos depoimentos, afora as demais dificuldades, como assessoramento jurídico, realização de perícia, prova documental, falta de meios para exigir comprovante, enquanto a empresa conta com departamento pessoal e organização contábil; o desconhecimento de dados elementares como cálculo e número de horas extras e sobre suas condições de trabalho.

Embora se fale da proteção ao hipossuficiente, aqui é necessário lembrar que em primeiro lugar vem a busca da verdade, a busca da solução dos conflitos e a efetividade da sentença.

3- Inversão do Ônus de Prova

Sabe-se que o texto da CLT é vago e a sua interpretação não está, obrigatoriamente, presa à sua gênese histórica. Para que se realize uma distribuição do ônus da prova no processo do trabalho mais condizente com as características da relação de direito material, impõe-se uma interpretação criativa da CLT quanto ao ônus da prova, utilizando-se da concepção de que a realização da prova compete à parte que tiver maior aptidão para a sua produção e do reconhecimento de que tal distribuição do onus probandi pode, e deve, embasar-se em critérios determinados pela presunção hominis (as máximas de experiência) que possibilitam adotar como verdadeira, até prova em contrário a alegação verossímil.

Assim, a inversão do ônus da prova deve ocorrer sempre que as alegações do autor permitirem observar a sua verossimilhança com a verdade dos fatos diante das regras de experiência.

É o que condiz com o objeto do direito do trabalho e a moderna tendência instrumentalista do processo.

A presunção relativa de veracidade consiste numa técnica de partir da demonstração do indício do fato ou fato-base para a busca da verdade, permitindo ao juiz que tire conclusões a partir da demonstração desse indício.

A presunção relativa tem o efeito de deslocar a aplicação dos meios de prova que ordinariamente se endereçariam ao fato probando, e que, em virtude delas são empregados para a demonstração da ocorrência daquele, ou seja, observa-se um outro fato que leva a crer que o fato probando ocorreu.

Há risco de erro, mas a probabilidade de acerto compensa esses riscos na maioria das vezes, mesmo porque se admite prova em contrário.

Ensina César16 que a técnica das presunções relativas conduz à inversão do ônus da prova e não a soluções radicalizadas. Tais presunções projetam-se na teria da prova mediante alterações no objeto da prova (demonstração do indício e não do fato probando em si mesmo) e na distribuição do ônus da prova (provado o indício, tem-se por cumprido o ônus pelo interessado, passando ao adversário o encargo de provar o contrário).

Assim, temos presunções de direito processual e materiais, podendo ser legais ou humanas.

As presunções legais podem ser absolutas, não permitindo prova em contrário e relativas, que prevalecem, se os fatos trazidos a exame não a destruírem. Os fatos alegados na inicial e não contestados presumem-se verdadeiros (art. n°. 302 do CPC); independem de prova os fatos admitidos no processo como incontroversos (art. n°. 334, III do CPC).

Permite o art. n°. 335 do CPC que em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, o que está próximo da presunção humana muitas vezes adotada pela jurisprudência, como nos ensina Valentin Carrion17.

De tais suposições o direito do trabalho está repleto justamente porque presume o que "ordinariamente acontece". Assim, supõe-se: ter havido contrato de trabalho por tempo indeterminado e não o determinado; trabalho ininterrupto até a rescisão contratual e não presumem suas faltas; trabalho em jornada normal e não extraordinário ou nos repousos; não se presume o despedimento; só presume-se o abandono a partir de 30 dias faltosos; e muitas outras suposições que no ensejo não se faz necessário a sua enumeração.

Além do mais, as partes na verdade dividem o ônus da prova de conformidade com as regras do art. n°. 818 e do n°. 333 do CPC e seus incisos, cuja discussão da sua aplicabilidade ao processo do trabalho foi relatada anteriormente, e, ocorrendo a ausência de provas da veracidade dos fatos, percorre o juiz caminhos que preservam o objeto do direito do trabalho que é a proteção ao hipossuficiente.

Ambas as partes dividem o ônus da prova, consoante as regras contidas no art. n°. 333 e incisos do CPC e, ocorrendo ausência de prova, a presunção militará em favor do mais fraco economicamente, até prova em contrário à sua pretensão. Revista conhecida e provida18.

Dentro de uma visão mais instrumentalista do processo, pode-se dizer que "sempre que as regras de experiência apontarem na mesma direção das alegações do autor-empregado, deve-se inverter o onus probandi", como nos ensina Márcio Túlio Vianna.19

As normas de direito do trabalho são de interesse social, imperativas e inafastáveis pelas partes, ainda que de direito privado, e o art. 9º da CLT dispõe que "Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na pedinte consolidação", não sendo admitida a distribuição do ônus de prova por convenção das partes, prevista no art. n°. 333 do CPC, em vista da imperatividade das normas trabalhistas, tornando-se incompatível a aplicação desse dispositivo ao Direito Processual do Trabalho, até mesmo porque é contraditório o entendimento sobre a possibilidade da convenção do ônus da prova no âmbito do processo civil, como cita Amaral Santos20.

A incompatibilidade afirmada pode ser observada sobre a hipótese de que o empregador poderá coagir, ou até mesmo ludibriar o empregado, sobre uma convenção tendenciosa com o intuito de levar vantagem e lesionar o obreiro.

Observadas estas questões, temos que a inversão do ônus de prova parte dos princípios de direito do trabalho, que servem de alicerce a toda estrutura jurídico normativa laboral, servem para justificar sua autonomia e peculiaridade e são especiais e diferentes dos que vigoram em outros ramos do direito, o que vem basicamente do princípio da proteção, do qual advém os demais princípios.

4-Considerações Finais

Concluído o presente estudo, importa compreender que tanto a CLT quanto o CPC não suprem as necessidades de regras claras quanto ao ônus da prova no processo do trabalho, direito especial que é, e os seus dispositivos não diferem um do outro, apenas torna mais explicativo o sentido da distribuição do ônus arranjado no CPC.

Conforme dispõe o art. n°. 769 da CLT encontra-se autorizada a utilização do CPC subsidiariamente à CLT somente quando a última for omissa.

As presunções admitidas no processo do trabalho tornam o tratamento probatório especial para o trabalhador porque a redistribuição do ônus da prova se faz necessária, levando-se em consideração que a prova para o obreiro é mais penosa e quase inatingível em certas circunstâncias. A presunção toma como base um indício de prova apresentado pelo trabalhador, fato este que o obreiro não consegue provar, e transporta o ônus para o empregador que não o provando, admite-o como verdadeiro.

Faz-se necessária a criação de normas especiais e objetivas quanto ao ônus da prova no processo do trabalho com o fim de buscar uma equiparação entre as partes quanto ao ônus da prova.

A aplicação de convenções relativas ao ônus da prova não são admitidas no processo do trabalho em virtude da imperatividade das normas trabalhistas, até mesmo porque é contraditório o entendimento dessa possibilidade no âmbito do processo civil.

O princípio da proteção ao trabalhador é aplicado ao processo do trabalho, porque é pedra fundamental da estrutura jurídico normativa laboral e o contrário seria negar esse direito.

A dúvida leva o julgador a obedecer às regras da distribuição do ônus da prova previstas no art. n°. 818 da CLT e no art. n°. 333 do CPC.

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Referências

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DICIONÁRIO AURÉLIO ELETRÔNICO SÉCULO XXI. Versão 3.0. Lexikon Informática Ltda: nov. 1999.

FRANCO, E. M. M. S. de S. Lineamentos sobre a teoria da inversão do ônus da prova e o princípio da igualdade das partes no processo do trabalho. Revista LTr, São Paulo, vol. 55, n°. 11, nov. 1991.

MACHADO JÚNIOR, C. P. da S. O ônus da prova no processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1995. 536 p.

MAIOR, J. S. Ônus da prova no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 26, n. 99, jul a set./2000, p. 36-51.

NASCIMENTO, A. M. Curso de direito processual do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. 463 p.

PINTO, M. A. da S. O ônus da prova no processo do trabalho. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia: UFU, v. 24, n. 1/2, dez. 1995, p. 183-201.

RODRIGUEZ, A. P. Princípios de direito do trabalho. Tradução de Wagner Drdla Giglio. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1978. 303 p.

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1 Dicionário Aurélio eletrônico século XXI. Versão 3.0. Lexikon Informática Ltda: nov. 1999.

2 NASCIMENTO, A. M. Curso de direito processual do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 263.

3 SANTOS, 1990 apud MACHADO JÚNIOR, C. P. da S. O ônus da prova no processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1995. p. 89.

4 CARNELUTTI, 1991 apud MACHADO JUNIOR, op. cit., p.89, nota 3.

5 SANTOS, 1977 apud FRANCO, E. M. M. S. de S. Lineamentos sobre a teoria da inversão do ônus da prova e o princípio da igualdade das partes no processo do trabalho. Revista LTr, São Paulo, n. 55-11- p. 1311

6 CARRION, V. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 584

7 Ibid., p. 91-94.

8 ALMEIDA, A. P. 1992 apud MACHADO JÚNIOR, op. cit., p. 92, nota 3.

9 TEIXEIRA FILHO, 1984 apud MACHADO JÚNIOR, op. cit., p. 92, nota 3.

10 MACHADO JÚNIOR, op.cit., p. 93, nota 3.

11 CINTRA, A. C. de A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1998. p. 40/41

12 RODRIGUEZ, A. P. Princípios de direito do trabalho. Tradução de Wagner Drdla Giglio. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1978. p.16

13 DE CASTRO, 1949 apud RODRIGUEZ, op. cit., p. 17, nota 17.

14 MACHADO JÚNIOR, op. cit., p. 97, nota 3.

15 Ibid., p. 96/97.

16 MACHADO JÚNIOR, op. cit., p. 99, nota 3.

17 CARRION, op. cit., p. 628/629, nota 4.

18 TST, 2º T., RR 7.779/86, Rel. Min. Barata Silva, in TEIXEIRA FILHO, 1989 apud PINTO, M. A. da S. O ônus da prova no processo do trabalho. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia: UFU, v. 24, n. 1/2, dez. 1995, p. 196.

19 VIANNA, 1994 apud MAIOR, J. S. Ônus da prova no processo do trabalho. Revista do Direito do Trabalho, São Paulo, 2000, v. 26, n. 99, jul a set. p. 43.

20 SANTOS, 1983 apud MACHADO JÚNIOR, op. cit., p. 138/139, nota 3.

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*Advogada do escritório Mírian Gontijo Advogados Associados













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