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Responsabilidade objetiva do hospital: cuidado na aplicação do CDC

No Brasil, a teoria da responsabilidade objetiva ganhou força e notoriedade com o advento do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8078/90, vez que foi este diploma legal quem primeiro dispôs expressamente, em seu artigo n°. 14, sobre a possibilidade de alguém ser responsabilizado independente da comprovação de culpa (negligência, imprudência e imperícia).

2/1/2008


Responsabilidade objetiva do hospital: cuidado na aplicação do CDC

Juliana Mancini Henriques*

No Brasil, a teoria da responsabilidade objetiva ganhou força e notoriedade com o advento do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078/90 (clique aqui), vez que foi este diploma legal quem primeiro dispôs expressamente, em seu artigo n°. 141, sobre a possibilidade de alguém ser responsabilizado independente da comprovação de culpa (negligência, imprudência e imperícia).

A Lei n°. 10.406/02 (clique aqui), que criou o novo Código Civil Brasileiro, corroborou este entendimento de que, em alguns casos, a comprovação da culpa não tem interferência para se apurar a responsabilidade civil. Dispõe o parágrafo único do art. n°. 927 que:

"Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Adotou-se, então, a chamada Teoria do Risco. A teoria do risco foi desenvolvida após o período áureo da Revolução Industrial, com o objetivo de resolver os problemas de indenização por acidentes de trabalho, comuns e recorrentes naquela época. Em virtude da desigualdade econômica, da força de pressão do empregador e da dificuldade de produção de provas por parte do empregado, que quase sempre levavam à improcedência da ação de indenização, foi adotada a teoria do risco desvinculada da questão da culpa visando manter o equilíbrio daquelas relações.

Foi de grande relevância essa medida que visava buscar a tão conclamada igualdade entre as partes, princípio expressamente garantido na nossa Constituição Federal de 1988 (clique aqui).

Ocorre, porém, que tal entendimento, adotado de forma integral sem qualquer exceção, acabou por causar prejuízo injustificável a algumas instituições, como é o caso dos hospitais. Explica-se.

A prestação de serviços à saúde é considerada uma relação de consumo, devendo ser aplicado, portanto, o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078/90. E com relação à direitos do consumidor, impera a teoria da responsabilidade objetiva.

Contudo, tem acontecido com cada vez mais freqüência, uma situação singular. O paciente é atendido por um médico no hospital (que em regra não é preposto nem empregado do hospital, apenas faz parte de seu Corpo Clínico) e por algum motivo não fica satisfeito com a conduta e/ou procedimento adotado pelo profissional, seja numa cirurgia seja num atendimento clínico.

Sob o fundamento de que sofreu dano moral, ajuíza uma demanda contra o médico e contra o hospital. Porém, tendo em vista que o médico é profissional liberal, em face dele deve ser aplicado o § 4º do art. n°. 14 do CDC que diz que "a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa".

Ou seja, para se comprovar se realmente a conduta do médico foi equivocada ou danosa de modo a gerar ao paciente o dever de indenizar, é necessário que se comprove a culpa do profissional. Contudo, tal teoria não se aplica ao hospital. Este responde de acordo com o caput do artigo n°. 14, não havendo que se falar em comprovação de culpa.

É contraditória, portanto, a aplicação de duas teorias para o mesmo fato, causando um prejuízo injustificado ao hospital, vez que este não tem qualquer ingerência sobre os atos médicos, vez que são privativos do profissional. Não há como se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva ao médico e a teoria da responsabilidade objetiva ao hospital.

A matéria é controvertida, já que a responsabilidade subjetiva cinge-se às atividades dos profissionais liberais, na dicção do art. n°. 14, § 4º do CDC. Entretanto, na hipótese em que o ato lesivo não se relaciona com os demais serviços prestados pela clínica, jungindo-se a erro profissional típico, seria difícil vislumbrar qualquer defeito, pressuposto da responsabilidade objetiva nos termos do art. n°. 14, § 4º, diverso da conduta subjetiva do médico – a atividade defeituosa – não se podendo negar, nesta perspectiva, que somente a demonstração da culpa é que poderá desencadear a responsabilidade do profissional e, em conseqüência, do hospital solidariamente.2

Não obstante o CDC ser aplicado à relação entre médico-paciente-hospital, o Novo Código Civil trouxe o entendimento, que não pode ser ignorado, de que a responsabilidade objetiva deve ser aplicada em alguns casos expressamente dispostos naquele código, entre eles o do artigon°. 932 que presume-se objetiva a responsabilidade do empregador por seus empregados. Contudo, os médicos, em regra, não são empregados do hospital e sim integrantes de seu corpo clínico3 e tal fato deve ser levado em consideração ao aplicar a referida teoria da responsabilidade objetiva aos hospitais.

Ademais, se não há que se falar em verificação da culpa do médico em ações de responsabilidade civil contra hospitais, poder-se-ia afirmar que qualquer demanda ajuizada em face de hospitais seria procedente, pois como comprovar a ausência dos requisitos da responsabilidade civil, sendo que um dos requisitos da trilogia da responsabilidade civil é justamente o ato culposo? É um absurdo.

Desta forma, visando manter a relação de equilíbrio entre as partes, deve ser revista a aplicação da responsabilidade objetiva ao hospital, vez que é fundamental a verificação da culpa do médico para somente depois ser presumida a culpa do hospital.

Nesse sentido é o entendimento de Rui Stoco em sua obra Tratado de Responsabilidade Civil:

Se, de um lado, a proteção da vítima é prioridade, de sorte que a dificuldade da prova da culpa não pode torná-la irressarcida; de outro, não se pode - invariavelmente e em qualquer circunstância – impor obrigação a quem não a deve, nem se lhe pode transferir o dever de responder por algo de que não participou, nem há razão jurídica para que seja eleito responsável através da responsabilidade objetiva e da teoria da responsabilidade pelo fato de outrem.4

A questão é delicada e merece um cuidado maior por parte de nossos juízes e tribunais, pois a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva aos hospitais, sem que lhes seja proporcionada a ampla defesa através da demonstração de culpa do profissional médico gera, ao contrário da intenção inicial do legislador, um desequilíbrio entre as partes da relação processual que prejudica a devida e justa prestação jurisdicional.

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1 Art. n°. 14 do CDC: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

2 A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea. Revista jurídica, Porto Alegre: Notadez, n. 311, ano 51, p. 17-43, set./2003.

3 O Corpo Clínico nada mais é do que um ente despersonalizado formado exclusivamente por profissionais médicos que atuam de forma paralela e independente da estrutura hospitalar. Não há, dessa forma, subordinação dos profissionais que integram o corpo clínico à administração hospitalar que, por sua vez, não tem prerrogativas para adotar qualquer ato de ingerência, fiscalização ou de controle sobre os profissionais que o compõem

4 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p.158.

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*Coordenadora do Departamento de Direito Empresarial do escritório Manucci Advogados











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