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Promotoria e Imprensa

No passado dizia-se que a lide refletia um conflito entre um interesse juridicamente tutelado contra a conduta daquele que opunha resistência ao seu exercício. Hoje é comum a identificação de lides compostas por conflitos de direitos contra outros direitos. Será possível a existência de direitos antagônicos? Há quem diga que sim. Outros, que não.

26/12/2007


Promotoria e Imprensa

Sérgio Roxo da Fonseca*

No passado dizia-se que a lide refletia um conflito entre um interesse juridicamente tutelado contra a conduta daquele que opunha resistência ao seu exercício. Hoje é comum a identificação de lides compostas por conflitos de direitos contra outros direitos. Será possível a existência de direitos antagônicos? Há quem diga que sim. Outros, que não.

Discute-se se o público tem o direito de ser informado sobre o que se passa no domínio público, salvo quando a lei, e somente a lei, impuser sigilo. O direito à livre informação está positivado pelos artigos 5º e 220 da Constituição (clique aqui).

Em aparente oposição, o art. 5º, em seu inciso X, resguarda a vida privada e a honra das pessoas "assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação".

Indaga-se então se pode o Promotor de Justiça comunicar à imprensa atos por eles praticados contra determinadas pessoas pela prática de crime ou pelo cometimento de improbidade administrativa? Qual dos interesses – ambos juridicamente tutelados – tem precedência hierárquica sobre o outro?

Tais questões vêm sendo debatidas pelos Tribunais e foram objeto de uma ação proposta em Franca contra o Promotor de Justiça dr. Paulo César Borges a quem tive a subida honra de representar. Trata-se do Processo nº. 1417/07 da 3ª Vara Cível, no qual foi pedida a sua condenação ao pagamento de indenização por danos causados em razão de entrevista tendo como objeto a propositura de ação por improbidade administrativa.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já havia decidido em decisão monocrática, proferida pela Desembargadora Ana Maria Scalzilli, no Agravo de Instrumento nº. 70009528019, em 18.8.04, que a responsabilidade civil por atos supostamente danosos praticados por membros do Ministério Público e da Magistratura, no exercício da função pública é do Estado nos termos do art. nº. 37, parágrafo sexto, da Constituição.

O mesmo Tribunal, na Apelação nº. 70002873552, em 28.12.01, tendo como relatora a Desembargadora Marilene Bernardi já havia fixado que, em que pese o Promotor de Justiça possa ser diretamente demandado, se agir com dolo ou fraude, não pode ser processado pelo prejudicado que não enuncie em sua petição o propósito específico ou eventual de causar prejuízo, "mas preocupação com o amealhar provas, buscadas pela divulgação dos direitos e concitamento à denúncia de infrações na área da saúde pública". Em caso análogo decidiu o Supremo Tribunal Federal, por decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello, em 7.3.05, no Agravo de Instrumento nº. 473092-AC, que, submetendo a exame a imunidade parlamentar, decidiu que a Constituição excluiu a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo por danos resultantes de manifestações orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato, no exercício da liberdade de opinião, ainda que fora do recinto da Casa Legislativa. Parece-nos que o mesmo princípio deve ser aplicado aos membros do Ministério Público, no exercício de suas dignificantes funções.

Tanto assim que quanto à responsabilidade civil dos Promotores de Justiça, várias são as manifestações jurisprudenciais no mesmo sentido, ressaltando-se: TJSP, Apelação Cível nº. 90.281-4/0, São Paulo, Segunda Câmara de Direito Privado, em 29.2.00, relator Desembargador Osvaldo Caron, com voto vencedor do então Desembargador Cezar Peluso.

Abrem-se duas hipóteses:

a) se o Promotor agiu com dolo ou fraude;
b) o Promotor não agiu com dolo ou fraude.

Na primeira hipótese, a parte atingida tem o dever processual de descrever em que consistiu a conduta dolosa ou fraudulenta lastimada para invocar em seu favor o preceptivo do art. 85 do Código de Processo Civil (clique aqui). A norma não autoriza a responsabilidade civil do representante do Ministério Público que agiu apenas com culpa "stricto sensu".

Na segunda hipótese, ou seja, na ausência de dolo ou fraude, a parte não pode acionar o Promotor de Justiça, mas, sim, o Estado, cabendo-lhe ação regressiva, se for o caso. Neste sentido há decisão do TJSP, na Apelação nº. 279.203-4/200, relatada pelo Desembargador Ribeiro da Silva em 27.10.04.

No caso de Franca, o dr. Promotor de Justiça nem agiu com dolo e nem com fraude, nem mesmo com culpa "stricto sensu". Tanto que por ele foi ajuizada Ação Civil Pública, Processo nº. 196.01.2007.012030-0, número de ordem nº. 747/2007, distribuída para a 5ª Vara Cível local, contra as pessoas mencionadas em sua entrevista.

O dr. Humberto Rocha, MM. Juiz do feito ajuizado contra o dr. Promotor de Justiça, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva de parte, extinguiu o processo, sem resolução do mérito, invocando os trabalhos doutrinários de Buzaid, Liebman, Agrícola Barbi, Chiovenda, Amílcar de Castro, Arruda Alvim, J. Vincent e S. Guinchard. Os seus argumentos são irretocáveis:

"O próprio autor admite que o nobre Promotor "ofendeu" sua honra quando no exercício da atividade pública a que se dedica. Se o Ministério Público não tiver liberdade para decidir, e se também não dispuser do necessário grau de autonomia funcional e de independência intelectual para questionar, segundo a Constituição e as leis com ela compatíveis, os conflitos de interesses, notadamente aqueles que se estabelecem em função de comportamentos abusivos do Poder Público, tornar-se-á nulo, em nossa organização política, o sistema de franquias individuais, permitindo, como efeito consequencial, que o regime de liberdades públicas venha a transformar-se, eventualmente, num conceito vão, abstrato e inútil. Nos dias hodiernos inexiste norma que recuse ao representante do Ministério Público certo grau de liberdade em que ele, como intérprete, pode e deve exercitar sua missão de fiscalizador nato e buscar, através da ação, a reparação do dano experimentado pelos cidadãos. Tal franquia, em tempos de extrema turbulência como o nosso, é preciosa, pois permite a adaptação das normas jurídicas às cambiantes situações de fato, e impede que o Ministério Público se converta em burocrático funcionário despido de opinião e iniciativa".

Daí resulta que o Poder Judiciário tem reconhecido o direito, quando não o dever, do representante do Ministério Público, transmitir à imprensa, ou seja, ao público, informações a respeito de sua conduta, especialmente no tocante à sua atuação contra atos de improbidade administrativa voltados contra o patrimônio público.

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*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor das Faculdades de Direito da UNESP e do COC.







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