O futuro do depositário infiel no Brasil
Pedro Paulo Guerra de Medeiros*
Um argumento que tem sido usado contra a aplicação de tais regras, no caso de depositário de bem alienado fiduciariamente em garantia (Dec. lei n°. 911/69 - clique aqui -), é o de que a espécie não contempla prisão por dívida, já que o objetivo é o resgate do bem depositado ou seu equivalente <_st13a_personname productid="em dinheiro. Acontece" w:st="on">em dinheiro. Acontece que, ainda assim, é de dívida, gerada pelo desaparecimento do bem, que se trata. Tanto que o depositário, normalmente o próprio devedor fiduciante, pode ser executado por quantia certa como prevê o art. n°. 906 do CPC (clique aqui). A prisão visa justamente a que ele cumpra sua obrigação contratual. Daí sua inconstitucionalidade, pela incompatibilidade com a regra da Convenção Americana de Direitos Humanos. Sem contar a ofensa ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, já que não se duvida de que se trata do cumprimento de uma obrigação (de depositário). É hora de absorver o impacto dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos na Constituição (clique aqui), buscando nesta, no plano interno, os instrumentos para efetivação dos direitos consagrados naqueles. É preciso preservar o sentido de civilização, esquecido pela legislação ordinária, muitas vezes emergente no período autoritário, que ainda contempla a prisão por dívida ou descumprimento de contrato.
Bem por isso os ministros do Excelso Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a analisar a legalidade da prisão civil de depositário infiel. A questão foi levada ao Plenário da Corte no dia 29 último por meio de um Habeas Corpus (HC n°. 87585) de relatoria do ministro Marco Aurélio, mas o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista (para melhor estudo do caso) do ministro Celso de Mello. Há pouco tempo, a 1ª Turma do Supremo (RHC n°. 90759) havia decidido, por maioria, que era perfeitamente constitucional a prisão do depositário fiel, e quase ao mesmo tempo, a 2ª Turma (HC n°. 90172) decidiu de forma contrária, desta vez por unanimidade, refutando a constitucionalidade e legalidade da prisão do depositário infiel. É bom lembrar que o Ministro Menezes Direito tomou recentemente assento na 1ª Turma no lugar do recém aposentado Ministro Sepúlveda Pertence, que por sua vez reconhecia a constitucionalidade da prisão do depositário infiel. Não restam dúvidas, como mencionei ao início, de que apesar de a Constituição da República Federativa do Brasil dispor sobre a prisão do depositário infiel (inciso LXVII do artigo 5º), o Brasil é signatário, dentre outros, do Pacto de São José da Costa Rica, um tratado internacional de proteção dos direitos humanos. O tratado impede, como regra geral, a prisão por dívida. A única exceção ocorre para o caso de inadimplência de pensão alimentar, que a Constituição da República Federativa do Brasil também prevê. Ao lado disso, a Emenda Constitucional nº. 45/04 (clique aqui) equiparou tratados e convenções internacionais aprovados pelo Congresso Nacional (por maioria qualificada) a emendas constitucionais, desde que ocorridas essas aprovações após a promulgação da Emenda. Até mesmo o Ministério Público Federal em parecer endereçado ao Excelso Supremo ressalta que o depositário infiel não pode responder por uma dívida por meio de sua liberdade. "A prisão civil como mero instrumento de coerção para fazer o depositário cumprir a sua obrigação se torna desproporcional".
Portanto, cumpre registrar que logo estaremos diante de uma nova situação social e econômica, onde depositários infiéis terão que ressarcir os danos eventualmente causados, exclusivamente por meio de indenizações, mas não com sua liberdade (na verdade, uma forma de coação de cunho pedagógico para que o depositário se sinta compelido a manter e cuidar do bem que está consigo sob depósito, não se desfazendo do mesmo). Com isso, se reconhecido pelo Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal que não poderá mais haver prisão de depositário infiel no país, as relações comerciais se tornarão mais exigentes quantos às garantias reais, assim como a Justiça estará mais reticente a permitir que pessoas se tornem depositárias de bens (especialmente infungíveis, ou seja, insubstituíveis pelas suas peculiaridades) objeto de litígio judicial. Se isso ocorrer, me confortarei ao menos em saber que não ficaram suplantadas as tão caras garantias de liberdade pela agressividade do capitalismo. É a dialética do Direito nesse mundo em constante e rápida evolução.
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* Advogado Criminalista. Professor Universitário. Membro do IBCCrim. Vice-Presidente da Associação Goiana de Advogados Criminalistas. Conselheiro Estadual da OAB/GO
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