BRIC, RIC ou IC? A chance das pequenas empresas
Leonardo Neves*
Um claro exemplo dessa tendência é o crescente número de empresas da China e da Índia listadas no Alternative Investment Market ("AIM") da Bolsa de Valores de Londres. O AIM é hoje reconhecidamente o mercado líder mundial para empresas em crescimento.
Desde sua criação, em 1995, o AIM já atraiu mais de 2.700 empresas, levantando um total de £49 bilhões (aproximadamente R$176 bilhões). Muitas das empresas estão hoje listadas no mercado principal da Bolsa de Valores de Londres. De fato, o AIM tem historicamente funcionado como canalizador, auxiliando empresas menores a crescer e facilitando a transição para o mercado principal.
O AIM conta hoje com mais de 1.600 empresas, com valor total de mercado de mais de £100 bilhões (cerca de R$360 bilhões). Dessas empresas, aproximadamente metade têm sede fora do Reino Unido (319 empresas) ou têm suas atividades principais fora daquele país (495 empresas).
Grande parte das empresas estrangeiras no AIM é dos Estados Unidos e Canadá. De acordo com um estudo recém-lançado pela London School of Economics and Political.
Science (disponível na página do AIM na internet), tais empresas optam pelo AIM principalmente por dois motivos:
(i) os custos relacionados ao cumprimento da regulamentação norte-americana são por demais elevados (em especial aqueles decorrentes da implementação das regras da Sarbanes-Oxley); e
(ii) as bolsas americanas, como Nasdaq e NYSE, não facilitam a listagem de empresas médias ou pequenas, deixando tais empresas sem acesso ao mercado de capitais local.
No caso de empresas canadenses (assim como australianas), o AIM representa uma ótima alternativa para uma listagem secundária, possibilitando acesso a um diversificado grupo de investidores europeus.
China e Índia encontram-se também bem representadas no AIM. A China tem cerca de 50 empresas (a mais recente, uma empresa de comida chinesa da província de Shandong) e a Índia tem 21 empresas listadas naquele mercado. O Brasil conta com apenas cinco empresas no AIM, incluindo empresas com sede no Reino Unido ou outro país, mas ativos no Brasil.
Essa distância entre o Brasil e China e Índia reflete as projeções que indicam que somente China e Índia estarão entre as três maiores economias em trinta anos. Brasil e Rússia ainda estarão entre as seis maiores economias, mas com economias equivalentes a menos da metade de China e Índia (Goldman Sachs, 2003).
Não é à toa que empresas de médio e pequeno porte chinesas e indianas já despertaram para as vantagens de se abrir o capital no exterior. Muitas já deixaram para trás a batida fórmula de se buscar empréstimos em bancos de desenvolvimento locais que, apesar de oferecerem juros abaixo do mercado, ainda podem trazer custos mais elevados do que o lançamento de ações no mercado internacional.
Mesmo a opção de se abrir o capital em bolsas locais muitas vezes não se torna real, já que as bolsas de países em desenvolvimento ainda não têm um mercado júnior maduro e líquido o suficiente para possibilitar reais benefícios para as empresas e investidores.
Nesses países, apenas empresas de grande porte conseguem ter suas ações admitidas na bolsa de valores. Esse é o caso da Bovespa que, apesar de apresentar índices jamais vistos de negociação, continua com benefícios restritos ao grupo de empresas que alcançaram tamanho suficiente para ter suas ações negociadas na bolsa.
A abertura de capital no exterior traz uma série de vantagens ainda desconhecidas das empresas brasileiras, tais como:
(i) maior disponibilidade de fundos para a empresa a longo prazo, já que não há obrigação de re-pagamento periódico, como no caso de empréstimos;
(ii) o investidor pode negociar as suas ações no mercado, sem retirar o dinheiro da empresa;
(iii) não há obrigação de pagamento de dividendos anuais ao investidor;
(iv) promoção do nome e da marca da empresa internacionalmente, essencial para empresas com pretensões de oferecer produtos no mercado exterior; e
(v) acesso a um grupo diversificado de investidores que compreendem e aceitam melhor os riscos envolvidos nas operações de empresas em estágio inicial de crescimento.
No caso do AIM, as vantagens são ainda maiores, pois:
(i) não há necessidade de se apresentar um histórico de performance (o que é atrativo para empresas iniciantes com potencial de crescimento);
(ii) não há um número mínimo de acionistas (o que faz com que muitas empresas não tenham o capital totalmente pulverizado);
(iii) há a possibilidade de se levantar valores modestos, como £3 milhões por exemplo (cerca de R$10 milhões), o que não seria possível em bolsas como a Bovespa, que têm foco em lançamentos consideravelmente mais elevados; e
(iv) os custos relacionados ao lançamento de ações no AIM são menores do que em outras bolsas de valores.
Em relação a este último item (custos), vale notar que o AIM se destaca dentre os demais mercados pela adoção de regras mais flexíveis e menos onerosas às empresas em estágio inicial de desenvolvimento.
Dois estudos recentes da Bolsa de Valores de Londres (um elaborado pela London School of Economics, já mencionado acima, e o outro pela consultoria independente Oxera) revelam que o sistema regulatório mais flexível do AIM, especialmente desenvolvido para atender às necessidades de empresas menores, é um dos principais motivos para o sucesso do mercado. Vale lembrar que, somente em 2005, o AIM foi responsável por 52% do total de lançamentos iniciais (IPOs) europeus. Os dois estudos acima mencionados desmistificam a idéia de que um lançamento de ações no Reino Unido custa mais do que um lançamento em qualquer outra bolsa estrangeira, incluindo em bolsas nos Estados Unidos, que é para onde a maior parte das empresas brasileiras têm seus olhos voltados.
O estudo da London School of Economics conclui ainda que, apesar de grande parte das empresas listadas no AIM estar em estágio inicial e operar em setores de alto risco (como o setor de recursos naturais – mineração e petróleo e gás), as empresas apresentam ótimas taxas de crescimento e menos de 3% delas não tiveram sucesso nos últimos quatro anos.
As oportunidades de negócios no AIM não se restringem apenas às empresas interessadas em levantar recursos ou ter uma maior visibilidade internacional. Há ainda um nicho inexplorado no que diz respeito aos consultores nomeados autorizados para atuar no AIM, os chamados Nomads (“nominated advisers”).
O Nomad tem a tarefa de assegurar à Bolsa de Valores de Londres que a empresa que pretende ser admitida ao AIM é adqueada ao mercado. O Nomad é o principal contato da empresa em relação ao AIM e deve se certificar de que a empresa cumpre as regras aplicáveis.
De acordo com as normas do AIM, não há qualquer requerimento de que o Nomad seja uma empresa de consultoria do Reino Unido. De fato, há atualmente seis Nomads estrangeiros registrados na Bolsa de Valores (quatro da Irlanda, um da Austrália e um da Bélgica), sem contar firmas estrangeiras estabelecidas diretamente no Reino Unido. Tais Nomads supervisionam cerca de 46 empresas listadas no AIM.
Há a exigência de que o consultor que pretende se tornar um Nomad tenha em seus quadros um executivo com “forte” conhecimento do mercado de capitais do Reino Unido e do AIM, <_st13a_personname productid="em particular. Assim" w:st="on">em particular. Assim, com o crescimento do número de empresas da China e da Índia no AIM, é apenas uma questão de tempo até que Nomads da China e da Índia comecem a operar no mercado. Nada impede, portanto, que consultores brasileiros se qualifiquem perante a Bolsa de Valores de Londres e passem a prestar serviços a empresas interessadas em ter suas ações negociadas no AIM.
Ao que parece, no entanto, apenas as empresas da China e da Índia se deram conta das vantagens da abertura de capital no AIM. Ao invés de aguardar mudanças nas taxas de juros cobradas em empréstimos ou a chegada de investimentos diretos, tais empresas têm buscado alternativas viáveis para crescer. Isso inevitavelmente fará com que as empresas destes países tenham uma melhor colocação de seus produtos no mercado mundial, deixando para trás seus concorrentes. Caso tal tendência não seja acompanhada pelo Brasil, corre-se o risco de que os BRIC se tornem apenas RIC, ou mesmo IC.
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*Advogado associado de Fasken Martineau Stringer Saul LLP (Londres) e integrante do departamento empresarial liderado pela sócia June Paddock
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