A violação do princípio da boa-fé objetiva pelo São Paulo Futebol Clube em prejuízo do Clube de Regatas do Flamengo
Leonardo de Faria Beraldo*
E por qual razão essa associação foi fundada? O motivo era a profunda insatisfação desses times em relação à CBF. Assim, todos eles, por livre e espontânea vontade, queriam organizar um campeonato brasileiro de futebol sem interferência da CBF. No início, ela não deu a menor importância, porém, como esta entidade viu que, de fato, o movimento estava bastante coeso e consolidado, preferiu entrar em acordo com o Clube dos 13 e, por conseguinte, foi criada a Copa União.
A Copa União, verdadeiramente um campeonato brasileiro de futebol, foi dividida então em quatro módulos, quais sejam:
i) verde (os times do Clube dos Treze acrescidos de Goiás, Santa Cruz e Coritiba);
ii) amarelo (equivalente à segunda divisão – dentre os vários times que o compunham, destaco o Sport, de Recife e o Guarani, de Campinas);
iii) azul e branco (estes últimos equiparáveis à terceira divisão).
O módulo verde foi vencido pelo Flamengo e o Internacional foi o vice. Já o módulo amarelo foi vencido pelo Sport e, o vice, foi o Guarani. Agora, vem a grande controvérsia. A CBF inventou que os campeões e os vices destes dois módulos deveriam se enfrentar em um quadrangular. Ocorre que o Clube dos 13 afirmou, veementemente, que esta regra foi introduzida no decorrer da Copa União e sem a sua anuência, ou seja, o Clube dos 13, que, repito, à época era presidido pelo então presidente do São Paulo, sempre foi contrário à realização do tal quadrangular misturando os times dos dois módulos acima referidos. E, prova maior disso, é que tanto o Flamengo quanto o Internacional se recusaram a disputar o tal quadrangular. A conseqüência disso todos nós já sabemos qual foi: a toda poderosa CBF, querendo demonstrar a todos quem é que manda no futebol brasileiro, não reconheceu (e não reconhece até hoje) o Flamengo como o legítimo campeão do campeonato brasileiro de 1987 (a Copa União).
Outro fato importante. A CBF prometeu entregar um troféu (popularmente chamado de "taça das bolinhas") para o primeiro time que fosse pentacampeão brasileiro. Ocorre que o Flamengo, desde a conquista de 1992, é pentacampeão brasileiro, todavia, não recebeu a "taça das bolinhas", uma vez que a CBF entende que ele é apenas tetracampeão.
Com a conquista do campeonato brasileiro deste ano, o São Paulo também se sagrou pentacampeão e passou a cobrar, da CBF, a entrega do já mencionado troféu, que, por sua vez, já disse que o entregará em dezembro do corrente ano.
Feita esta imprescindível introdução, passo à análise jurídica da questão. Sempre existiu no nosso ordenamento jurídico o chamado princípio da boa-fé objetiva e, com o advento do Código Civil de 2002 (clique aqui), ficou mais claro ainda a sua existência e auto aplicabilidade. Uma das formas de se pôr em prática tal princípio é a exigência de lealdade e cooperação, sem falar na expressa vedação de uma pessoa ir contra seus próprios atos, isto é, gerar nas demais pessoas uma expectativa e, posteriormente, agir de maneira contrária (exemplos disso são o venire contra factum proprium e a supressio).
Assim sendo, o São Paulo está violando o princípio da boa-fé objetiva em prejuízo do Flamengo, na medida em que, no ano de 1987, o reconheceu legítimo campeão da Copa União e, conseqüentemente, pentacampeão em 1992, após a conquista do campeonato daquele ano. Entretanto, sorrateiramente, e sem a menor ética e fair play, pretende se apossar do troféu que, por direito, era para estar na sede do Flamengo há quinze anos. Resumindo, se o São Paulo aceitar, em dezembro, a "taça das bolinhas" a ser entregue pela CBF, estará infringindo, clara e expressamente, o princípio da boa-fé objetiva, violando, assim, direito do Flamengo. Cumpre ressaltar, ainda, que o Flamengo nem mesmo precisa esperar a entrega do mencionado troféu para tomar as medidas judiciais cabíveis contra o São Paulo (e não em face da CBF), tendo em vista a existência da tutela inibitória, podendo requerer, até mesmo, a estipulação de multa para o caso de descumprimento de ordem judicial.
Por fim, quero dizer que tudo o que foi dito neste artigo se aplica a todos os times que disputaram o módulo verde da Copa União em 1987.
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*Advogado, Professor e Diretor do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais
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