O Judiciário, os contribuintes e as armadilhas tributárias
Robson Maia Lins*
Essas tais armadilhas impostas à sociedade, e também ao Poder Judiciário, estão muito bem demonstradas no projeto de Lei Complementar nº. 75/2003, de autoria do Deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), recentemente aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
O projeto teve início com a proibição de compensação tributária de impostos de espécies distintas. Depois, passou-se a proibir compensações tributárias antes do trânsito em julgado da sentença, mutilando mais uma vez a base do Estado Democrático de Direito – o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, presente no artigo 5º, XXXV, da Constituição (clique aqui).
Agora, paralelo ao projeto-lei que disciplina a transação e arbitragem em matéria tributária, procura-se mais uma vez instituir-se requisito para deferimento de liminares e cautelares suspensivas da exigibilidade do crédito tributário, seja qual for o depósito integral do débito <_st13a_personname w:st="on" productid="em discussão. O">em discussão. O pretexto: o Poder Judiciário seria ineficiente para cobrar a dívida ativa.
Ineficiente, mesmo que o Poder Judiciário entenda que a incidência do tributo é indevida. Mesmo que o contribuinte comprove que, embora não possa depositar a quantia exigida pelo Fisco, precisa de Certidão Nacional de Débito (CND) ou positiva com efeito de negativa, com finalidade de participar de licitação. Ora, quem conhece minimamente o funcionamento de uma empresa sabe que o depósito do montante integral do débito questionado, na grande maioria dos casos, implica danos sérios aos negócios, tanto quanto o pagamento do próprio tributo ilegal ou inconstitucional.
Há, no mínimo, um contra-senso envolvendo o jogo da Fazenda Pública. A fundamentação do anteprojeto que pretende instituir a transação e a arbitragem em matéria tributária é a suposta ineficiência do Poder Judiciário em cobrar a dívida ativa. Como pode o poder público jogar para o contribuinte o ônus dessa suposta incapacidade do Poder Judiciário, visto que somente a decisão de mérito (e não mais a liminar!) resolveria as questões tributárias?
O Poder Judiciário, em verdade, está sendo indiretamente responsabilizado pelas mazelas sociais, políticas e econômicas, entre elas a ineficácia na realização da dívida ativa. Aí, coloca-se o contribuinte numa “arapuca” tributária, proibindo-o de compensar créditos tributários próprios e de terceiros com débitos tributários, e até de recorrer ao Poder Judiciário para suspender eventual cobrança ilegal ou inconstitucional. E que é pior, coagindo-o a transacionar com a faca no pescoço.
Não pode a lei de direito privado, nem a lei de direito público inviabilizar que o Poder Judiciário aprecie qualquer lesão ou ameaça de direito – artigo 5º, XXXV da Magna Carta. Essas condições determinadas por lei violam os direitos e garantias fundamentais. O devido processo legal é uma limitação ao exercício e imposição do poder pelos agentes estatais, em nome de um valor mais elevado – a liberdade das pessoas associada ao dever ético de respeitá-las, o que está previsto em Constituição.
Que o Congresso Nacional não permita o aniquilamento de direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. Que o Judiciário, se chamado a decidir sobre a questão, exerça plenamente suas competências, rechaçando de vez investidas perniciosas da Fazenda Nacional. E, por último, que a sociedade organizada não se cale diante da tentativa de derrubar o último pilar da democracia – o próprio Poder Judiciário.
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*Mestre <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Público">em Direito Público e professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET
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