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Liberdade de imprensa

Até agora, o mais vergonhoso episódio do Governo Lula foi o espalhafato com o obtuso repórter do “The New York Times”. Todos perceberam que a reação da Presidência foi exagerada, e acabou dando repercussão a uma notícia que, de outra maneira, passaria quase despercebida. Hoje, todos elogiam o Ministro da Justiça que, habilmente, colheu uma declaração firmada pelos advogados do repórter, e a divulgou como se fosse um formal pedido de escusas – embora não fosse, e embora o jornal e o jornalista insistissem na precisão da notícia. Ainda assim, deu-se por encerrado mais este triste episódio tupiniquim, que fez lembrar não a ditadura militar, mas a Corte de Dom João VI.

4/6/2004

 

Liberdade de imprensa


Mauro Caramico*


Até agora, o mais vergonhoso episódio do Governo Lula foi o espalhafato com o obtuso repórter do “The New York Times”. Todos perceberam que a reação da Presidência foi exagerada, e acabou dando repercussão a uma notícia que, de outra maneira, passaria quase despercebida. Hoje, todos elogiam o Ministro da Justiça que, habilmente, colheu uma declaração firmada pelos advogados do repórter, e a divulgou como se fosse um formal pedido de escusas – embora não fosse, e embora o jornal e o jornalista insistissem na precisão da notícia. Ainda assim, deu-se por encerrado mais este triste episódio tupiniquim, que fez lembrar não a ditadura militar, mas a Corte de Dom João VI.


Talvez fosse melhor que ficasse esquecido – mas há algo nesse acabrunhador capítulo da história pátria, que é bom registrar: houve uma grave tentativa de romper o princípio contido no artigo 220, da Constituição Federal, que garante, textualmente, que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. E, mais que isso, que nenhuma lei (e, por extensão, nenhum ato de autoridade) poderá “constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.


Ora, cassar o visto do inconveniente jornalista – que foi dar ouvidos, justo quem, a Leonel Brizola – é, de um jeito ou de outro, coartar a liberdade da manifestação do pensamento jornalístico, direito pelo qual toda a esquerda nacional – aí incluída a atual Presidência – bateu-se por longos anos. Mas, já dizia Goethe, “só clama pela liberdade de imprensa quem dela quer abusar”.


Liberdade, segundo o esquecido conceito de Montesquieu “é o direito de fazer tudo o que as leis permitirem”. Nossa Constituição, por bem ou por mal, permite que se chame a qualquer um – inclusive o Presidente - de alcoólatra. A contra-partida é que, se se perfaz uma ofensa, arca-se com a reparação dos danos, especialmente morais, que ela inflige.


A liberdade que a nossa Constituição outorga, pressupõe, por isso, comportamento responsável e ético, sem o qual a punição deve vir com segurança e rapidez.


De um lado, portanto, deve-se confiar no exercício responsável da liberdade; de outro, deve haver segurança em que, se houver irresponsabilidade, ela será eficazmente punida.


A moleca reportagem, certamente, passou dos limites: a bebedeira do nosso Presidente, se é que há, não é, nem nunca foi, uma preocupação nacional.


Mas a rápida (e insensata) reação do Governo Federal, revela, como um freudiano ato falho, a absoluta desconfiança que o nosso Chefe Maior deposita na capacidade do próprio Governo de punir, com eficácia, e pelos meios Constitucionais, o abusado jornalista.


A lição que se tira, portanto, não está na repercussão internacional de um assunto tão envergonhador, nem na autoritária reação do Governo, menos ainda nos panos quentes jogados à última hora. A lição – e é terrível aprendê-la - está em que nossas autoridades não confiam mais em nossas instituições. E a Liberdade não pode mais se fiar na Justiça.

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* Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos

 

 

 

 

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