Os portadores de deficiências e o Sistema de Cotas
Ana Luiza Fischer Teixeira de Souza*
É certo que o problema da exclusão existe. Basta uma breve análise histórica, para que se perceba que, por muito tempo e até hoje, os portadores de algum tipo de deficiência foram alijados do mercado de trabalho, formando um grupo de pessoas que, cuidados por filantropia ou caridade, representam talentos e capacidades produtivas desperdiçadas. O que é, de todo, injustificável, especialmente em face dos avanços tecnológicos que facilitam, cada vez mais, a superação de limitações diversas.
No caso específico do Brasil, estatísticas do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - revelam que existem cerca de 24 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência. Destes, 9 milhões estão em idade produtiva, mas apenas 1 milhão trabalha de forma efetiva, sendo que a maior parte no mercado informal.
Foi justamente pra tentar corrigir essa realidade, que a matéria foi legislada e regulamentada pelos dispositivos já citados, com base nos quais os órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho e também o Ministério Público do Trabalho vêm intensificando o controle e fiscalização sobre as empresas das diversas áreas de atuação.
Ocorre que é válido questionar se o sistema de cotas, por si só, é capaz de solucionar o problema a que se propõe. A resposta é negativa e salta aos olhos de quem tem oportunidade de observar os efeitos práticos de tal sistema no dia-a-dia.
O primeiro problema que se apresenta é o que se refere à área de atuação. Com efeito, muitas empresas em razão do seu ramo de atividade simplesmente não têm condições de cumprir as cotas, que são gerais e inflexíveis. Um exemplo claro são as empresas de vigilância. Mesmo que se empreguem todos os portadores de deficiência na área administrativa, ainda assim a empresa não conseguirá cumprir a cota, em razão das habilidades específicas que são necessárias ao desempenho das atividades. Vale dizer, o trabalhador precisará certamente de todos os seus sentidos em perfeito funcionamento para atuar na prevenção de ameaças, seja transportando valores, seja em simples vigilância de portarias.
Outra dificuldade é a falta de estrutura, seja nas vias e ambientes públicos que o portador deve utilizar necessariamente para se inserir no mundo do trabalho, seja no próprio estabelecimento, já que existem os casos de pequenas e micro empresas que não dispõem de recursos para adaptar propriamente o ambiente de trabalho.
E, finalmente, existe também a questão da capacitação. Fato é que grande parte das empresas não encontra no mercado pessoas portadoras de deficiências que estejam capacitadas para o exercício das diversas atividades. E o resultado disso pode ser tão contraproducente quanto desumano: por obrigação legal, as empresas acabam por alocar os portadores de deficiência em funções marginais, inferiores, o que vai de encontro à própria inserção profissional que se pretende.
O que se conclui é que o problema da inclusão de pessoas portadoras de deficiência física não pode ser resolvido apenas por determinação legal. Isso porque as leis do mercado não seguem de imediato as leis formais. Seja dizer, o sistema de cotas não funciona isoladamente. Cotas, por si só, não criam postos de trabalho. Para que se busque a verdadeira inclusão social e profissional dos portadores de deficiência, há que se fortalecerem as políticas que tratam do assunto, que no Brasil, são extremamente fracas. Em lugar de apenas fiscalizar e punir, há que se elaborar uma boa articulação entre ações públicas e privadas no que tange à saúde, transporte, qualificação, e, especialmente, à educação e reabilitação, para colocar o portador de deficiência em condição de igualdade de oportunidades com os demais.
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*Advogada e Coordenadora do Setor Trabalhista do Manucci Advogados
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