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Sistema Mediador

O Ministério do Trabalho e Emprego, complementando a Portaria n° 282, de 6.8.2007, editou a Instrução Normativa n° 6 do mesmo dia, para informatizar o registro de acordos e convenções coletivas previsto no art. n°. 614 da Consolidação das Leis do Trabalho.

31/10/2007


Sistema Mediador

José Carlos Arouca*

O Ministério do Trabalho e Emprego, complementando a Portaria n°. 282, de 6.8.2007 (clique aqui), editou a Instrução Normativa n°. 6 (clique aqui) do mesmo dia, para informatizar o registro de acordos e convenções coletivas previsto no art. n°. 614 da Consolidação das Leis do Trabalho (clique aqui).

Os técnicos ministeriais de ontem e de hoje, mais de hoje do que de ontem, não se conformaram com a autonomia conquistada pelos sindicatos que afastou a tutela autoritária e repressiva do Ministério, acabando com a ingerência e intervenção do Poder Público em sua atuação. O artigo 8° foi incisivo: "É livre a associação profissional ou sindical", com o reforço dado pelo inciso I: "a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical". Ficou ressalvado o registro no órgão competente, entendido como tal, temporariamente, o Ministério do Trabalho, até que lei ordinária disponha a respeito, mas mediante ato vinculado, restrito a salvaguarda do regime de unicidade sindical1.

Em 18.4.2005, com a Portaria n°. 197 (clique aqui) foi exigido das entidades sindicais o cadastramento com nome de batismo "atualização de dados" para o Cadastro Nacional de Entidades Sindicais, primeiro facultativamente, depois, compulsoriamente com a Instrução Normativa n°. 2, de 1.12.2005 (clique aqui), pois elevada a condição indispensável para o registro de acordos e convenções coletivas2.

A Instrução anterior, n° 1, de 24.3.2004 (clique aqui), já impunha que o pedido de registro seguisse o modelo cartorário traçado na Secretaria de Relações do Trabalho, mantendo a tendência à burocratização como indicação dos números de inscrição no Cadastro de Pessoa Física da Secretaria da Receita Federal dos signatários das convenções ou acordos coletivos, inclusive dos procuradores constituídos.

No afã legislativo, veio a Instrução n°. 3, de 3.4.2006 (clique aqui), para deixar bem claro que a entidade sindical sem a atualização de dados no Cadastro quando requeresse o depósito de convenção ou acordo teria que anexar cópia do estatuto, ata de posse da diretoria e mais, comprovante de endereço e ata de apuração da última eleição. Mais do que apego à burocracia inútil que até a ditadura quis jogar no lixo com a criação do Ministério da Desburocratização comandado por Hélio Beltrão, o que ficava às claras era o propósito de controle dos sindicatos e restabelecimento da tutela.

E veio a Instrução Normativa n° 6, de 6.8.2007 instituindo o Sistema Mediador para fins de depósito, registro e arquivo de acordos e convenções coletivas.

Nas palavras do Secretário de Relações do Trabalho, o Sistema Mediador logo será de observância obrigatória, não mais se admitido o depósito "em papel", como ainda se prevê no art. n°. 10 da Instrução.

Começou mal a partir da denominação adotada, pois mediador é o terceiro que por consenso das partes em conflito procura aproximá-las na busca de uma solução amistosa. A mediação anteriormente à Medida Provisória n°. 1.053, de 30.6.95 (clique aqui), reeditada 72 vezes até se transformar na Lei n°. 10.192, de 14.2.2001 (clique aqui), era compulsória e oficial, realizada no âmbito dos órgãos regionais do Ministério do Trabalho através das chamadas "mesas redondas", conforme o procedimento traçado no art. n°. 616 da CLT3. A lei que complementou o Plano Real, no art. n°. 11 cuidou da mediação, humilhando o sindicalismo com o § 2°: "A parte que se considerar sem as condições adequadas para, em situação de equilíbrio, participar da negociação direta, poderá, desde logo, solicitar ao Ministério do Trabalho e Emprego a designação de mediador, que convocará a outra parte". Ora, sindicato sem condições de negociar com o adversário deve fechar suas portas4. Mas a denominação conscientemente ou não revelava o intento do Ministério do Trabalho de se manter ativo sobrepondo-se aos sindicatos nas negociações coletivas.

O Sistema Mediador cuidadosa e didaticamente, na linha cartorária, conceitua instrumento normativo, depósito, registro, arquivo e até solicitante e signatários. O depósito será feito via internet. O requerimento de registro será gerado pelo Sistema.

Se as entidades acordantes tiverem retardado o cadastramento, com o requerimento será feito automaticamente, pois para o registro da convenção será indispensável prestar as informações e juntar os documentos que interessam ao Ministério: comprovante do registro sindical, estatuto social, ata de posse da diretoria e os inúteis comprovante de endereço e ata de apuração da última eleição.

Mas os técnicos ministeriais foram longe demais e acabaram por tornar o Sistema ilegal e inconstitucional.

De fato, a convenção ou acordo serão agora analisados, avaliados em sua forma e conteúdo. Segundo o art. 9° "Após o protocolo do requerimento de registro do instrumento transmitido via internet ao Ministério do Trabalho e do Emprego por meio do sistema Mediador, o servidor competente deverá cadastrar o seu depósito no módulo desse Sistema e informar a data do protocolo e o número do processo e iniciar a sua análise formal".

A forma do instrumento nos é dada pelo parágrafo único do art. n°. 613 da CLT: "As Convenções e os Acordos serão celebrados por escrito, sem emendas nem rasuras, em tantas vias quantos forem os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes, além de uma destinada a registro".

Verificada a regularidade das informações enviadas – segundo o § 1° do art. 9° da Instrução - o servidor deverá efetuar o registro do instrumento coletivo no banco de dados do Sistema Mediador e informar aos interessados, por meio de ofício. Mas, do contrário, como consignado no § 2°, "As irregularidades serão notificadas ao solicitante para as retificações necessárias, que deverão ser efetuadas até o termo final da vigência do instrumento coletivo".

A CLT no art. n°. 613 elenca o conteúdo mínimo das convenções e acordos coletivos:

"I - designação dos Sindicatos convenentes ou dos Sindicatos e empresas acordantes;

II - prazo de vigência, que na conformidade do § 3° do art. n°. 614 III não poderá ter duração superior a dois anos;

III - categorias ou classes de trabalhadores abrangidas pelos respectivos dispositivos;

IV - condições ajustadas para reger as relações individuais de trabalho durante sua vigência;

V - normas para a conciliação das divergências surgidas entre os convenentes por motivos da aplicação de seus dispositivos;

VI - disposições sobre o processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial de seus dispositivos;

VII - direitos e deveres dos empregados e empresas;

VIII - penalidades para os Sindicatos convenentes, os empregados e as empresas em caso de violação de seus dispositivos".

Como se lê no art. n°. 611 através da convenção os acordantes estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho. Vale dizer, configura-se a lei interna do grupo representado, ainda que empregados de uma ou mais empresas, tratando-se de acordo coletivo.

Apesar do comando da lei, a Instrução no art. 9°, § 3°, permite que o analista ministerial vete o conteúdo do instrumento: "Em caso de nulidade, o servidor deverá promover o arquivamento sem registro do instrumento coletivo, justificando seu ato, e informar aos interessados por meio de ofício".

E arremata o § 4°: "Expirada a vigência do instrumento coletivo sem que tenham sido efetuadas as retificações necessárias, o processo será arquivado sem registro".

Só que na forma do § 1° do art. n°. 614 da CLT a convenção ou o acordo entram em vigor três dias após a data da entrega dos mesmos nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho. E sabidamente, têm efeitos amplos e gerais, erga omnes no juridiquês culto.

Bem, os "analistas" ministeriais têm analisado os instrumentos normativos e invalidado o que entendem ser formalmente irregular ou nulo no seu núcleo.

Exemplo: abrangência passou a ser base territorial e não categorias ou classes de trabalhadores abrangidos pelos respectivos dispositivos, como está escrito no inciso III do art. n°. 613 da CLT. E a base territorial tem que ser reproduzida exaustivamente, mesmo quando os acordantes não têm dúvidas quanto a sua extensão. Significa dizer que para uma convenção de âmbito estadual ou com múltiplos sindicatos profissionais, serão alinhados todos os municípios do Estado e se de âmbito nacional, do país.

Irregularidade formal já entendera o Tribunal do Trabalho da Segunda Região que constituía matéria de ordem interna e o Tribunal Superior do Trabalho seguiu esta linha cancelando sua Instrução n°. 4, de 14.6.93 que inviabilizava o dissídio coletivo mediante exigências de natureza formal, pertinentes à realização da assembléia, edital convocatório, quorum, lista de presença, rodadas de negociações coletivas, justificação das reivindicações, etc5.

Quanto ao conteúdo das convenções e acordos, isto é, suas cláusulas, o Ministério do Trabalho perdeu a competência para interferir e julgá-las muito antes da consagração da autonomia sindical. Foi em 1967, com o Decreto-lei n°. 229, do dia 28.2 (clique aqui), da ditadura, que o art. n°. 614 da CLT trocou homologação por depósito para fins de registro e arquivo: "Os contratos coletivos serão celebrados por escrito, em três vias pelas diretorias dos sindicatos convenentes, ficando cada parte com uma das vias e sendo a outra via remetida, dentro de 30 dias da assinatura, ao Ministério do Trabalho, da Indústria e comércio, para homologação, registro e arquivamento". E hoje: "Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho, nos demais casos"6.

Registro, como foi posto com acerto no inciso II do art. 4° da Instrução é "o ato administrativo de assentamento da norma depositada" e depósito "o ato de entrega do instrumento coletivo ou do requerimento de registro, quando o instrumento for transmitido via internet ao Ministério do Trabalho e do Emprego, para fins de registro" (inciso II), enquanto arquivo não passa de "ato de organização e guarda dos documentos registrados, para fins de consulta".

Conclusivamente, não possui o Ministério do Trabalho e Emprego competência para "analisar" o conteúdo das cláusulas normativas e negar o registro com apoio no entendimento de "analistas" anônimos.

A Instrução no art. n°. 12 é taxativa: "O órgão responsável pelo registro deverá dar conhecimento ao Ministério Público do Trabalho quando forem verificados, no instrumento coletivo registrado, indícios de irregularidades quanto à legitimidade ou representatividade das partes, ou quanto ao conteúdo de suas cláusulas". O Ministério Público do Trabalho, valendo-se da prerrogativa que lhe deu a Lei Complementar n°. 75, de 1993 (clique aqui), requisitou às delegacias regionais do trabalho cópias das convenções e acordos coletivos levados a registro. Isto, porém, longe está de torná-las, sem que tanto fosse solicitado, instrumento auxiliar para a análise do que os interessados ajustaram para reger as relações individuais de trabalho no âmbito das respectivas representações. Demais disso, atuação do Ministério Público do Trabalho deve seguir a competência que lhe deu o art. n°. 127 da Constituição (clique aqui), restrita à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A Instrução, também é inconstitucional quando ofende a autonomia sindical, sem esquecer que o art. 7° reconheceu as convenções e os acordos coletivos e o art. 8°, no inciso VI deu aos sindicatos profissionais monopólio negocial, tornando obrigatória sua participação nas negociações coletivas. Esqueceram os técnicos ministeriais que o inciso III atribuiu-lhes competência para a defesa não só de direitos individuais, mas, também, de interesses coletivos da categoria que na forma do § 2 do art. n°. 511 da CLT constitui o grupo profissional considerado como um todo e assim, filiados ou não, podendo para tanto se valer do direito de greve, como preconiza o art. 9°.

O Ministério Público defende interesses sociais e individuais indisponíveis. Interesses sociais extravasam os limites de interesses coletivos que podem ser conceituados, estes como reivindicações dos trabalhadores, sociais, no seu conjunto, como expressão de classe, ou de grupos determinados, de natureza trabalhista. Já interesses individuais indisponíveis são aquelas que não podem ser transacionados, de natureza alimentar, que emergem dos contratos de trabalho, da relação com a previdência social7.

Como se extrai do Manual do Mediador que instrui como manejar o computador para obter o registro da convenção ou acordo, as partes que negociaram e resolveram diretamente o conflito coletivo, não mais poderão determinar a ordem de colocação das cláusulas ajustadas nem mesmo numerá-las. Terão que se modelar conforme os grupos e subgrupos determinados pelos técnicos ministeriais. A numeração será feita automaticamente pelo Sistema.

Enfim, o Ministério do Trabalho e Emprego do governo Luiz Inácio Lula da Silva, segue os passos de seus antecessores, assumidamente neoliberais, que a pretexto de modernizar as relações do trabalho, procuraram restabelecer o poder de tutela autoritária que se pensava ter sido extinto com a Constituição de 1988.

Bom ter presente o que as organizações de trabalhadores e de empregadores consensuaram no Fórum Nacional do Trabalho realizado sob o comando do Ministério do Trabalho e Emprego e que foi passado para o art. n°. 104 do Anteprojeto de Lei Sindical: "Os contratos coletivos observarão a forma escrita e deverão conter as condições ajustadas e ementa, com indicação dos sujeitos, do nível e do âmbito de representação dos atores coletivos. § 1°. No prazo de 8 dias da data da celebração, os atores coletivos promoverão o depósito de uma via do contrato coletivo no órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego. § 2°. O Ministério do Trabalho e Emprego deverá providenciar ampla e periódica divulgação das ementas dos contratos coletivos registrados". Em suma, até o registro foi dispensado.

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1 Registro de entidades sindicais: recepção, em termos, da competência do Ministério do Trabalho, sem prejuízo de a lei vir a criar regime diverso. Conforme decidido pelo Plenário (MI 144, 28.5.93), "a função de salvaguarda da unicidade sindical induz a sediar, si et quantum, a competência para o registro das entidades sindicais no Ministério do Trabalho, detentor do acervo das informações imprescindíveis ao seu desempenho"- (RE n°. 134.300-1 - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJU 14.10.94, p. 27602).

2 A Instrução, no art. 4°, § 6°, estabelecia que para se verificar a capacidade dos signatários do instrumento coletivo, as entidades sindicais deveriam estar com suas informações atualizadas no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais.

3 Os sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva.

4 § 1º Verificando-se recusa à negociação coletiva, cabe aos Sindicatos ou empresas interessadas dar ciência do fato, conforme o caso, ao Departamento Nacional do Trabalho ou aos órgãos regionais do Ministério do Trabalho para convocação compulsória dos Sindicatos ou empresas recalcitrantes.

§ 2º No caso de persistir a recusa à negociação coletiva, pelo desatendimento às convocações feitas pelo Departamento Nacional do Trabalho ou órgãos regionais do Ministério do Trabalho ou se malograr a negociação entabulada, é facultada aos Sindicatos ou empresas interessadas a instauração de dissídio coletivo.

§ 3º Havendo convenção, acordo ou sentença normativa em vigor, o dissídio coletivo deverá ser instaurado dentro dos 60 (sessenta) dias anteriores ao respectivo termo final, para que o novo instrumento possa ter vigência no dia imediato a esse termo.

§ 4º Nenhum processo de dissídio coletivo de natureza econômica será admitido sem antes se esgotarem as medidas relativas à formalização da Convenção ou Acordo correspondente.

4 Frustrada a negociação entre as partes, promovida diretamente ou através de mediador, poderá ser ajuizada a ação de dissídio coletivo.

§ 1° O mediador será designado de comum acordo pelas partes ou, a pedido destas, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, na forma da regulamentação de que trata o parágrafo 5° deste artigo.

§ 2. transcrito acima.

§ 3°. O mediador designado terá prazo de até trinta dias para a conclusão do processo de negociação, salvo acordo expresso com as partes interessadas.

§ 4. Não alcançado o entendimento entre as partes, ou recusando-se qualquer delas à mediação, lavrar-se-á ata contendo as causas motivadoras do conflito e as reivindicações de natureza econômica, documento que instruirá a representação para o ajuizamento do dissídio coletivo.

A regulamentação se fez com o Decreto n° 1.572, de 28.7.95 (clique aqui) e Portarias n°. 817, de 30.8.95.

5 A Instrução só foi cancelada dez anos depois pela Resolução n°. 116, de 20.3.2003.

6Anteriormente, art. n°. 613.

7Quando integramos o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, sabendo que a Constituição de 1988 permitira no art. 8° a flexibilização dos dois componentes principais do contrato de trabalho, salários (inciso VI) e jornada (incisos XIII e XIV), só a admitíamos havendo contrapartida de valor equivalente.

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*Advogado. Juiz aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região






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