As famílias possíveis: uma solução afetiva, cuidadosa e saudável para crianças que precisam ser adotadas e que esperam anos por um novo lar em abrigos
Tânia da Silva Pereira*
Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - artigo nº. 25 - clique aqui -) estabelecer que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e excepcionalmente, em família substituta, com convivência familiar e comunitária e assegurado que não seja em ambiente de uso de drogas, vícios, etc., a realidade dos órfãos com a qual nos deparamos é muito diferente, dura e, eventualmente, uma questão de sorte.
Apesar de muitas crianças precisarem de um novo núcleo familiar, as intermináveis filas de adotantes (candidatos à adoção) são quilométricas, geram muita ansiedade no órfão e nos candidatos ao processo, além de demoradas porque, pelo menos do Estado do RJ, é preciso enfrentar trâmites burocráticos exaustivos. Enquanto isso, as crianças ficam hospedadas em abrigos, crescendo, recebendo de suas mães sociais a máxima atenção - mas ainda assim insuficiente, restrita se comparada ao aconchego que poderia encontrar em seu novo lar.
Ocorre que, com os novos paradigmas da convivência familiar, o conceito de "família" se flexibilizou muito. Entre as pessoas que desejam adotar, sejam elas heterossexuais ou homossexuais, casadas ou solteiras, existem muitas variações. É o conceito de "famílias possíveis". Não se considera atualmente apenas a possibilidade da família nuclear, com pais e filhos biológicos, a mais apta à adoção.
Existem alternativas saudáveis para as crianças que precisam ser acolhidas. Como são muitos os órfãos, liberá-los para serem educados e cuidados por famílias possíveis se tornou uma opção. Podem ser famílias adotivas temporárias, famílias adotivas bi-raciais e/ou multiculturais, famílias monoparentais (apenas com a presença de um pai ou uma mãe), casais homossexuais com ou sem crianças, famílias reconstituídas após o divórcio, várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo (comunidade), enfim, não existe mais rigidez excessiva na avaliação de um núcleo familiar saudável.
Importa para a criança e para os profissionais especializados e envolvidos no processo de adoção, que as entidades familiares sejam equilibradas, afetuosas, comprometidas, tenham estabilidade material o bastante para cuidar e educar a criança ao longo de sua vida, não importando tanto o modelo tradicionalista de núcleo familiar. Afinal, cuidar é assumir compromissos e responsabilidades!
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*Advogada e Professora de Direito da UERJ. Diretora da Comissão Nacional para Infância e Juventude do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família
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