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As novas regras dos Planos de Saúde

A saúde complementar no Brasil teve como marco a Lei n. 9.656/98, que regulamentou o setor. Assim, dependendo da época em que o plano de saúde foi contratado, ele poderá ser considerado ‘antigo’, ou ‘novo’, tendo como referência a plena vigência da referida Lei.

13/5/2004


As novas regras dos Planos de Saúde


Carolina Cicco do Nascimento*


A saúde complementar no Brasil teve como marco a Lei n. 9.656/98, que regulamentou o setor. Assim, dependendo da época em que o plano de saúde foi contratado, ele poderá ser considerado ‘antigo’, ou ‘novo’, tendo como referência a plena vigência da referida Lei.


Os planos ‘novos’, contratados a partir de 02 de janeiro de 1999, e comercializados de acordo com as regras da Lei 9.656/98, proporcionam, obrigatoriamente, a cobertura assistencial definida pela Agência Nacional de Saúde, relativa a todas as doenças reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde, além de outras garantias.


Os planos de saúde ‘antigos', ao revés, contêm cláusulas contratuais que excluem determinados tratamentos, tais como diálise, hemodiálise, quimioterapia, etc. restringindo-se a cobertura àquela que consta no contrato.


Os planos de saúde podem, ainda, ser regidos por um contrato adaptado – aquele assinado antes de 2 de janeiro de 1999, mas que o consumidor promoveu junto à sua operadora a adaptação à Lei 9.656/98 – ou migrado – aquele assinado antes de 2 de janeiro de 1999, e que foi trocado, por iniciativa do consumidor, por outro da mesma operadora.


Tanto na adaptação quanto na migração, o consumidor passa a ter todos os direitos garantidos pela Lei 9.656/98, mas na adaptação o consumidor mantém vantagens de seu contrato antigo. Essa vantagem continua valendo para as doenças que já eram cobertas pelo plano de saúde. No caso da migração, a vantagem existente no contrato antigo pode ou não ser mantida para o consumidor, tudo dependerá da proposta oferecida pela operadora do plano de saúde.


Nos contratos ‘antigos’, as cláusulas que restringem a cobertura de certas são questionáveis judicialmente, haja vista a vigência do Código de Defesa do Consumidor, e os princípios da boa-fé e da eqüidade por ele consagrados, que as tem como abusivas.


A boa-fé, que pode ser definida como a consciência de não prejudicar a parte contrária em seus direitos impõe que os deveres contratuais devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração do contrato.


A equidade, por sua vez, positivada no artigo 51, inciso IV, in fine, do Código de Defesa do Consumidor, afigura-se como critério de justiça que permite ao juiz decidir o litígio de acordo com as particularidades do caso concreto, porém adaptado-o aos ideais de justiça da sociedade. A eqüidade, inclusive, exerce o papel de fonte integradora do ordenamento jurídico, consoante disposto no artigo 127 do Código de Processo Civil vigente.


A aplicação da abusiva cláusula que exclui a cobertura de doenças ou lesões preexistentes e suas conseqüências – entendidas como tais aquelas que existiam anteriormente ao início do seguro -, à evidência, viola o dever de não abusar (dever de proteção) do consumidor contratante, imposto pela cláusula geral da boa-fé e pelo princípio da eqüidade, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada em relação à Empresa de Plano de Saúde, rompendo o justo equilíbrio que deve existir entre direitos e deveres das partes contratantes (v. CDC, art. 51, parágrafo 1º, inciso IV).


Indiscutível, portanto, a teor do disposto no art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor - que consagra a boa-fé e a eqüidade contratuais – a abusividade e conseqüente nulidade da cláusula que restringe certas coberturas, devendo, assim, ser inibida judicialmente e, conseqüentemente, eliminada dos contratos “estandardizados” celebrados antes da Lei 9.656/98, para evitar que o consumidor continue a ser prejudicado por sua injusta aplicação.


Ocorre, porém, que a questão está longe de ser pacificada em nossos Tribunais; primeiramente, porque a matéria é muito recente, não havendo, ainda, posicionamento uniforme do Poder Judiciário, bem assim porque novas orientações foram recentemente emanadas pelo Poder Executivo (em 23.12.2003) e novas normas regulamentares estão sendo aguardadas para o setor.


O Governo, como antedito, anunciou em 23.12.2003, que editaria, nos próximos meses, uma série de medidas para implementação de uma nova política dos planos de saúde. Entre elas a instituição do Programa de Incentivo à Adaptação de Contratos Antigos - aqueles assinados antes da Lei 9.656/98.


O programa de Incentivo à Adaptação de Contratos Antigos deverá ser efetivado a partir do próximo mês, quando todos os usuários de planos antigos, contratados até 31 de dezembro de 1998, deverão estar recebendo, no mínimo, uma proposta de sua operadora, lhes garantindo todos os direitos da Lei 9.656/98, ou um ajuste em seus contratos antigos, caso sua operadora não comercialize planos novos.


Até o momento, já se sabe que dependendo do plano que possuir, o consumidor poderá receber uma ou mais propostas da operadora do Plano de Saúde, cada uma com características distintas. Poderá ser-lhe oferecido o chamado Plano de Adesão a Contrato Adaptado - PAC; a migração para um novo contrato; ou ainda, o Ajuste Técnico.


Tudo dependerá, primeiramente, da quantidade de usuários de que dispõem empresas de planos de saúde. Aquelas que contam com mais de 10 mil usuários com contratos individuais/familiares ou coletivos devem oferecer aos seus usuários individuais ou aos responsáveis pelos contratos coletivos a proposta de aditamento contratual chamada “Plano de Adesão a Contrato Adaptado – PAC” ou uma proposta de migração, se a operadora achar conveniente; as que detenham menos de 10 mil usuários e não comercializam novos planos, só precisam enviar aos seus clientes um aditivo contratual (chamado Ajuste Técnico).


O “Plano de Adesão a Contrato Adaptado – PAC” deve ser oferecido de forma clara pela operadora, informando-se ao consumidor quais as principais alterações a serem procedidas no seu plano de saúde, identificando-se, inclusive, o reajuste da mensalidade.


No que pertine, especificamente, ao reajuste, ainda não se pode precisar seu percentual. Alguns órgãos de defesa do consumidor vêm defendendo que o reajuste não poderá ultrapassar o percentual de 25% (vinte e cinco por cento), mas, como dito, é algo que não se pode determinar, pois tudo dependerá da cobertura prevista no plano antigo.


O consumidor poderá receber, ainda, uma proposta de migração para outro plano, além do “Plano de Adesão a Contrato Adaptado – PAC”. A migração implica no cancelamento do contrato antigo e na celebração de um novo.


Com o ajuste técnico, por seu turno, o consumidor permanece com o contrato antigo, que passa, todavia, a respeitar alguns direitos básicos elencados pela ANS : 1) proibição de rompimento unilateral do contrato pela operadora; 2) proibição de todo e qualquer limite às internações; 3) reajustes e revisões de preços submetidos ao controle da ANS1 e 4) reajustes para usuários com idade superior a 60 anos controlados pela ANS.


O consumidor não é obrigado a aceitar qualquer das alternativas propostas pela empresa. A escolha, entretanto, exclusiva faculdade do consumidor, será essencial para determinar preço, cobertura e outros importantes aspectos do plano de saúde, razão pela qual, cada caso, seja de plano individual, seja empresarial (os chamados de grupo), deverá ser analisado individualmente.


A opção pelo contrato antigo ou novo, no caso de planos individuais ou familiares, será responsabilidade do titular do contrato; em relação ao plano coletivo, se empresarial - aquele em que a adesão do funcionário é automática ao ingresso no emprego - a decisão de adaptar ou não o contrato fica por conta do responsável pelo plano coletivo; se o plano coletivo for por adesão - aquele em que o funcionário tem a faculdade de aderir ou não ao plano de saúde, a decisão será tomada pela instância decisória (pelas pessoas responsáveis pelo plano de saúde) ou, quando essa não existir, por cada consumidor titular do contrato.


A partir do recebimento da proposta enviada pela Empresa de plano de saúde, o consumidor terá um prazo de 60 dias para verificar se é mais vantajoso promover ou não a adaptação e fazer sua opção.


Certo é que as novas regras anunciadas para o setor dos planos de saúde, como toda nova norma, trarão, em um momento inicial, uma série de dúvidas e questionamentos, os quais somente serão sanados com o tempo, à medida que, principalmente, a jurisprudência firme posição em determinado sentido.


Ao nosso ver, enfim, o momento é de cautela, até porque, como visto, são sutis as diferenças entre o Plano de Adaptação, a Migração e o Ajuste Técnico. Nada impede, contudo, que se busque desde logo, o devido aconselhamento técnico, tudo para evitar decisões precipitadas ou equivocadas que possam vir a causar prejuízos no futuro.

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1https://www.ans.gov.br/portal/upload/sala_imprensa/ansinforma/cartilha_migracao.pdf em 18.02.2004, às 11h00min.

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* Advogada do escritório Martorelli Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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