O indenizável vício de fumar
Olívia Maitino Ferreira Porto*
No caso, a fabricante do produto consumido foi condenada a pagar indenização por danos morais e materiais para a família do ex-fumante, decisão essa fundamentada na modalidade de culpa por omissão, uma vez que tinha conhecimento de que os componentes químicos do cigarro levam à dependência física e química, como também tinha a noção de quantos males à saúde são resultantes do uso continuado de seu produto, assumindo assim o risco pelo resultado e, portanto, tinha a obrigação de impedi-lo.
A morte do ex-fumante ocorreu em virtude de um câncer pulmonar, tendo sido provado que durante sua vida somente havia consumido cigarros da marca fabricante.
Há nexo causal entre o hábito de fumar por parte do falecido e o câncer que o vitimou, visto que era dependente da referida droga. Caso não fosse provada a existência de nexo causal, a ação poderia ser extinta por carência da ação, pois não haveria a possibilidade jurídica do pedido.
Neste caso não houve dolo, porque o fabricante não quis provocar efetivamente dano a saúde do falecido, caracterizando, assim, a culpa por omissão prevista no artigo 186 do Código Civil de 2002, bem como o princípio da boa-fé objetiva, artigo 765 do mesmo Código. E isto porque o fabricante deixou de tomar todas as providências necessárias para não causar prejuízo a outrem, criando, como já fora dito acima, risco do resultado, eis que deixou de prever um resultado que podia e devia ser previsto.
A aplicação do principio da boa-fé se dá mediante a existência de uma obrigação entre a fábrica de cigarros e o consumidor, que esperava ao comprar o produto que este estivesse adequado para o consumo, de forma a não provocar prejuízos à sua saúde, principalmente em passado remoto, quando o nível de informações sobre os malefícios do citado vício era muito menor. Este contrato de compra e venda passa a ser considerado injusto e viciado à medida que o consumidor se torna dependente, ocasionando uma dependência psíquica e química, perdendo, portanto, a voluntariedade do ato, gerando obrigações de cura e tratamento ao novo dependente.
A fabricante foi enquadrada no Código de Defesa do Consumidor, no que diz respeito às relações de consumo, com base no principio da boa-fé previsto em seus artigos 4 e 51, além de seu artigo 12, parágrafo 1º, ao considerar o cigarro como produto defeituoso, visto não oferecer a segurança que dele legitimamente se poderia esperar, considerando-se a apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam.
Não cabe aqui discutir a licitude ou não do agir das empresas fabricantes do produto, uma vez que estas têm a conivência do Estado que, inclusive, dá incentivos fiscais à produção de cigarros e assemelhados. O que se discute, são os danos causados por essa conduta, seja ela lícita ou ilícita, e não a natureza jurídica da conduta das empresas fabricantes.
Esta decisão poderá provocar uma reviravolta nos julgamentos de casos semelhantes, a exemplo do que já ocorre em outros países, com a plena responsabilização dos fabricantes no custeio das despesas médicas, de funeral e outros, além de arcar com vultosas indenizações por danos morais.
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* Advogado do escritório Ceglia Neto, Advogados
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