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O indenizável vício de fumar

O Tribunal de Justiça gaúcho julgou procedente uma ação movida por familiares de ex-fumante, cuja morte decorreu de um câncer causado pelo vício. Esta decisão diverge do entendimento de outros Tribunais brasileiros, mas abre um importante precedente, inclusive no que tange às demais drogas tidas como lícitas, como é o caso das bebidas alcoólicas, visto que, pela divergência jurisprudencial, a questão deverá ser solucionada pelo Superior Tribunal de Justiça.

13/5/2004

 O indenizável vício de fumar

 

Olívia Maitino Ferreira Porto* 

 

O Tribunal de Justiça gaúcho julgou procedente uma ação movida por familiares de ex-fumante, cuja morte decorreu de um câncer causado pelo vício. Esta decisão diverge do entendimento de outros Tribunais brasileiros, mas abre um importante precedente, inclusive no que tange às demais drogas tidas como lícitas, como é o caso das bebidas alcoólicas, visto que, pela divergência jurisprudencial, a questão deverá ser solucionada pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

No caso, a fabricante do produto consumido foi condenada a pagar indenização por danos morais e materiais para a família do ex-fumante, decisão essa fundamentada na modalidade de culpa por omissão, uma vez que tinha conhecimento de que os componentes químicos do cigarro levam à dependência física e química, como também tinha a noção de quantos males à saúde são resultantes do uso continuado de seu produto, assumindo assim o risco pelo resultado e, portanto, tinha a obrigação de impedi-lo.

 

A morte do ex-fumante ocorreu em virtude de um câncer pulmonar, tendo sido provado que durante sua vida somente havia consumido cigarros da marca fabricante.

 

Há nexo causal entre o hábito de fumar por parte do falecido e o câncer que o vitimou, visto que era dependente da referida droga. Caso não fosse provada a existência de nexo causal, a ação poderia ser extinta por carência da ação, pois não haveria a possibilidade jurídica do pedido.

 

Neste caso não houve dolo, porque o fabricante não quis provocar efetivamente dano a saúde do falecido, caracterizando, assim, a culpa por omissão prevista no artigo 186 do Código Civil de 2002, bem como o princípio da boa-fé objetiva, artigo 765 do mesmo Código. E isto porque o fabricante deixou de tomar todas as providências necessárias para não causar prejuízo a outrem, criando, como já fora dito acima, risco do resultado, eis que deixou de prever um resultado que podia e devia ser previsto.

 

A aplicação do principio da boa-fé se dá mediante a existência de uma obrigação entre a fábrica de cigarros e o consumidor, que esperava ao comprar o produto que este estivesse adequado para o consumo, de forma a não provocar prejuízos à sua saúde, principalmente em passado remoto, quando o nível de informações sobre os malefícios do citado vício era muito menor. Este contrato de compra e venda passa a ser considerado injusto e viciado à medida que o consumidor se torna dependente, ocasionando uma dependência psíquica e química, perdendo, portanto, a voluntariedade do ato, gerando obrigações de cura e tratamento ao novo dependente.

 

A fabricante foi enquadrada no Código de Defesa do Consumidor, no que diz respeito às relações de consumo, com base no principio da boa-fé previsto em seus artigos 4 e 51, além de seu artigo 12, parágrafo 1º, ao considerar o cigarro como produto defeituoso, visto não oferecer a segurança que dele legitimamente se poderia esperar, considerando-se a apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam.

 

Não cabe aqui discutir a licitude ou não do agir das empresas fabricantes do produto, uma vez que estas têm a conivência do Estado que, inclusive, dá incentivos fiscais à produção de cigarros e assemelhados. O que se discute, são os danos causados por essa conduta, seja ela lícita ou ilícita, e não a natureza jurídica da conduta das empresas fabricantes.

 

Esta decisão poderá provocar uma reviravolta nos julgamentos de casos semelhantes, a exemplo do que já ocorre em outros países, com a plena responsabilização dos fabricantes no custeio das despesas médicas, de funeral e outros, além de arcar com vultosas indenizações por danos morais.

 

 

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* Advogado do escritório Ceglia Neto, Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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