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A Democracia pede e merece mais

A recentíssima decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos mandados de segurança relativos à tormentosa questão da fidelidade partidária e das conseqüências do troca-troca de agremiações cumpriu a sua parte. Manifestou-se a mais alta corte judiciária nacional acerca da matéria, dentro das suas atribuições e da sua competência.

8/10/2007


A Democracia pede e merece mais

Rodrigo Lins e Silva Candido de Oliveira*

A recentíssima decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos mandados de segurança relativos à tormentosa questão da fidelidade partidária e das conseqüências do troca-troca de agremiações cumpriu a sua parte. Manifestou-se à mais alta corte judiciária nacional acerca da matéria, dentro das suas atribuições e da sua competência.

Não se caia na vala comum da argumentação vazia de que o Supremo teria invadido matéria de apreciação exclusiva do Congresso Nacional. Não, pois de matéria interna corporis das Casas Legislativas não se tratava. Tratava-se do enquadramento jurídico da questionada fidelidade partidária à vista da Constituição Federal (clique aqui) e dos seus princípios, inclusive e principalmente os da representação popular e titularidade dos mandatos eletivos obtidos no sistema proporcional. O STF, dessa forma, garante a força normativa da Constituição ou, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, "concretiza, diretamente, o próprio texto da Constituição".

Após a resposta do TSE à Consulta nº. 1.398/DF, na qual se concluiu que são os partidos políticos os titulares dos mandatos eletivos alcançados pela votação proporcional, certo por isso que o deputado que se desliga do partido abre mão, consequentemente, do mandato que exercia, alguns partidos políticos requereram ao presidente da Câmara dos Deputados que declarasse vagos os mandatos dos parlamentares que se afastaram das suas agremiações, chamando para assumi-los, em conseqüência, os respectivos suplentes.

O presidente da Câmara dos Deputados indeferiu tais requerimentos, em virtude do que foram impetrados, no STF, os mandados de segurança recentemente julgados. Neles os partidos políticos alegavam, com base na Consulta respondida pelo TSE, que os mandatos lhes pertenceriam e que, em conseqüência, seria ilegal o ato que não declarou a respectiva vacância, chamando-se os suplentes, ferindo seu direito líquido e certo.

Tecnicamente é fundamental a delimitação desse campo: o STF julgou mandados de segurança contra atos do presidente da Câmara dos Deputados, nos quais partidos políticos reivindicavam os mandatos dos parlamentares que se afastaram das suas fileiras. O presidente da Câmara cometeu ilegalidade ao negar a pretendida vacância? Os mandatos pertencem aos partidos ou aos Deputados eleitos pelo sistema proporcional? Na hipótese de prevalecer a titularidade dos partidos, como se deve operar, na prática, a substituição? E a partir de quando teria eficácia uma decisão que alterasse radicalmente o posicionamento mantido até então (e que "legitimava" as desfiliações e refiliações)?

Aqui um aspecto importante: inobstante as regras estarem postas na Constituição de 1988, o fato é que desde então as instâncias judiciárias – abstraindo-se alguns votos vencidos – aceitavam e davam como boas as trocas partidárias, inclusive a jurisprudência do próprio STF.

Mas surgiu o fato novo: apreciando a referida Consulta, o TSE, com o voto de 3 (três) ministros do STF que integram aquela corte, alterou radicalmente a posição até ali mansa e pacífica, dizendo com todas as letras que o mandato é do partido e que, salvo as exceções que ressalvou, o Deputado "viajante", ao partir, deixaria o mesmo para o suplente da agremiação originária.

Esta a questão posta ao crivo do STF. Eram três mandados de segurança, com Relatores diversos: Celso de Mello, Eros Grau e Cármen Lúcia. O resultado final do julgamento fez prevalecer a tese longamente exposta pelo "primeiro" Relator, Ministro Celso de Mello.

No seu voto, o Ministro Celso de Mello apreciou a matéria tendo como pano de fundo o exercício do poder diretamente pelo povo ou seus representantes eleitos (art. 1º), a essencialidade dos partidos políticos (art. n°. 45) e a regra do sistema proporcional, também ali expressa. Dessas normas e dos princípios constitucionais, concluiu, como concluíra o TSE na resposta à mencionada Consulta, que o titular do mandato é o partido político, inclusive diante da necessidade de se manter a fidelidade ao eleitor, a fidelidade à vontade popular manifestada nas urnas pelos cidadãos, no sistema proporcional.

Assim, ao desligar-se do partido com o qual se elegeu, desliga-se o parlamentar da mesma forma do mandato que exercia, não como pena, não como sanção, porque de ato ilícito não se trata, mas em respeito às regras e princípios constitucionais que regem as eleições proporcionais, nessa forma de representação da vontade popular.

O problema, entretanto, não se resolve aí, com essa fórmula genérica. O STF fez ecoar que o próprio TSE, na referida Consulta, ressalvou situações excepcionais aptas a legitimar a desfiliação, sem a "perda" do mandato. Nas palavras do Ministro Cezar Peluso, em voto proferido na apreciação da Consulta pelo TSE, não se pode ignorar a "... existência de mudança significativa de orientação programática do partido", e nem de eventual "perseguição política dentro do partido." Seria a "odiosa perseguição". Aqui a desfiliação se justifica, sem conseqüências no exercício do mandato. Realmente, nessas hipóteses o partido é que terá "traído" a confiança do eleitor, e não o Deputado eleito.

Abre-se aqui relevantíssima questão, concernente ao direito de defesa. Ora, se a desfiliação pode ter origem nessas causas excepcionadas, resta evidente que ao Deputado deve ser garantido amplo direito de defesa, antes de qualquer decisão.

Por esse motivo decidiu o STF, na sua maioria, seguindo o voto do Ministro Celso de Mello, que se deve instaurar, perante a Justiça Eleitoral, procedimento que viabilize demonstrar – ou não – a ocorrência das exceções justificadoras, garantindo-se o mais amplo direito de defesa. Perante a Justiça Eleitoral.

Apenas depois do pronunciamento da Justiça Eleitoral – e na hipótese de não se reconhecer a excepcionalidade – é que o partido político, munido com a decisão judicial, poderá obter perante a Casa Legislativa a declaração de vacância e chamamento do suplente. Nunca antes disso, sob pena de inaceitável violação ao sempre garantido due process of law.

Assim verifica-se que, nas hipóteses em julgamento, não havia ilegalidade nos atos praticados pelo presidente da Câmara dos Deputados, pois inexistentes os prévios procedimentos na esfera da Justiça Eleitoral. Deixou o STF assentado, também, que poderá (deverá?) o TSE expedir resolução destinada a regulamentar tais procedimentos perante o órgão competente da Justiça Eleitoral.

Nesse ponto, impunha-se analisar a partir de quando essa nova interpretação, esse novo entendimento, deveria ter aplicação. Prevaleceu a necessidade do respeito à segurança jurídica. As migrações antigas aconteceram quando o entendimento, inclusive do STF, as legitimavam. Como fulminá-las, agora, sem ferir a estabilidade das relações jurídicas, gerando graves incertezas?

Analisando a "proteção da confiança", lembrou-se o Supremo de caminhos trilhados pela Suprema Corte Americana, quando surge "alteração substancial das diretrizes" até então aplicadas. Pelos precedentes norte-americanos, deve prevalecer o princípio do "prospective overruling", com a "inaplicabilidade do novo precedente a situações já consolidadas".

O parecer do Procurador Geral da República sustentava dever-se dar "eficácia prospectiva" à decisão, passando a mesma a valer apenas a partir da próxima legislatura. O STF, entretanto, resolveu fixar outro marco inicial para a eficácia e aplicabilidade da sua decisão: a data em que o TSE apreciou e respondeu, em tese, a Consulta n°. 1.398/DF, o que se deu em 27.03.2007. Isso porque, naquele momento, tornou-se veemente (iminente?) a possibilidade de revisão da jurisprudência, inclusive porque naquele procedimento votaram, adotando o novo entendimento, 3 (três) ministros que integram tanto o TSE quanto o STF.

Entendeu o Supremo Tribunal Federal que, com aquele julgamento do TSE, rompeu-se o antigo paradigma, que não era mais estável, não gerava mais confiança a ser protegida.

O Supremo exerceu em sua plenitude a jurisdição constitucional. Dele não se poderia exigir mais. Certa ou errada, essa a "força normativa da constituição" na hipótese, como entenderam os Ministros da Corte. Como se diz, o Supremo tem o poder de julgar (acertando ou errando) por último, "dizendo a Constituição".

Decisão tomada, há de ser cumprida. Isso no aspecto jurisdicional.

Mas e na esfera política? Alguém dirá que a exagerada multiplicidade de partidos políticos - vazios de idéias - é salutar? Que cada um deles tem a sua orientação ideológica clara, definida e posta em prática? Há coerência programática em todas essas agremiações para que se lhes entregue - sem contrapartida - a titularidade dos mandatos proporcionais?

Já se criticou o Supremo por não exigir tal coisa. Mas como fazê-lo em mandado de segurança, fora do pedido e da causa de pedir, fora enfim dos seus limites?

O Supremo Tribunal Federal fez a sua parte, julgou as demandas que lhe foram encaminhadas, interpretando e aplicando a constituição. Pode-se até dizer que a inércia do Congresso Nacional terminou por "jogar no colo" do STF essas definições.

Pois houve o julgamento, foi dado um primeiro passo. Muito bem. Mas não basta. Agora, em sede adequada, deverá ser efetuada a inadiável reforma política, de que o Brasil tanto precisa.

A Democracia pede mais. A Democracia merece mais. Mãos à obra!

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*Advogado do escritório Coelho, Ancelmo & Dourado Advogados










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