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Um democrata emérito

O livro ESTADO DE DIREITO JÁ – os trinta anos da Carta aos Brasileiros, lançado, em 8 de agosto passado, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, vem obtendo enorme repercussão na mídia, com muitas reportagens, entrevistas, resenhas e comentários em sites, jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. Ocorre, contudo, que alguns poucos artigos cometeram, a meu ver, o descuido de superestimar certas passagens que na obra não mereceram mais do que simples notas de rodapé. E colocaram em xeque o valor da trajetória de Dalmo de Abreu Dallari – uma das 23 personalidades que deram depoimentos para o livro. Tais resenhas jornalísticas questionam o papel do professor Dalmo na resistência democrática.

27/9/2007


Um democrata emérito

Cássio Schubsky*

O livro ESTADO DE DIREITO JÁ – os trinta anos da Carta aos Brasileiros, lançado, em 8 de agosto passado, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, vem obtendo enorme repercussão na mídia, com muitas reportagens, entrevistas, resenhas e comentários em sites, jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão.

Ocorre, contudo, que alguns poucos artigos cometeram, a meu ver, o descuido de superestimar certas passagens que na obra não mereceram mais do que simples notas de rodapé. E colocaram em xeque o valor da trajetória de Dalmo de Abreu Dallari – uma das 23 personalidades que deram depoimentos para o livro. Tais resenhas jornalísticas questionam o papel do professor Dalmo na resistência democrática.

Minha geração (nasci em 1965 e ingressei nas Arcadas em 1984) tem enorme apreço por Dalmo de Abreu Dallari, razão pela qual resolvi por bem escrever estas linhas, a título de reflexão.

O historiador tem a possibilidade de enxergar os fatos históricos à distância, com visão panorâmica, como se observasse o passado com imagens produzidas por satélite, com o condão de aproximar-se de seu objeto de análise, caso a caso, sem superestimar nem subestimar personagens e acontecimentos. E não deve desprezar fontes, sob o risco de obter um quadro parcial, enviesado, do passado.

Pecado comum, cometem alguns jornalistas, por seu turno, com suas lentes embaçadas, supondo, soberbos, que vêem tudo com muita clareza, arrogando-se a condição de historiadores do cotidiano e juízes da História. Embevecidos do poder que a pena, o teclado, o microfone ou a câmera de TV lhes conferem, exageram detalhes ou desprezam fatos relevantes em troca de jogos de palavras ou boa audiência.

Já os personagens que vivenciam o desenrolar do processo histórico procuram entender o momento presente com os recursos que têm, destituídos da possibilidade de observar o conjunto dos acontecimentos – é como se tivessem de andar com uma lupa para decifrar os fatos, superestimando detalhes, distorcendo a percepção do todo.

Essas diferenças de perspectiva devem ser consideradas quando se traçam perfis biográficos para avaliar a trajetória de personagens relevantes da História. De todo modo, ao historiador – é esta a parte que me toca – não cabe fazer julgamento – moral ou político. A ele compete analisar os fatos e os atores históricos, observando o conjunto da obra, sem exagerar a importância dos detalhes, nem desprezá-los.

Afeito à função de editar e coordenar pesquisas históricas, discorro um pouco sobre a trajetória deste personagem vivo da História do Brasil que virou um ícone na defesa dos ideais democráticos – confesso por ele admiração, mas sem renunciar à análise objetiva de seus feitos –, o professor Dalmo de Abreu Dallari.

Dalmo foi ardoroso lacerdista em meados da década de 1950, quando estudante da Faculdade de Direito da USP? Seu nome consta de manifesto de vinte e oito professores das Arcadas pró-golpe de 1964 publicado nos jornais Folha de São Paulo e O Estado de S. Paulo nos idos de abril daquele ano? Ora, muitos juristas (como Goffredo da Silva Telles Jr., José Ignácio Botelho de Mesquita e Noé Azevedo, entre tantos outros) e instituições jurídicas (como o Conselho Federal da OAB e a AASP, por exemplo) apoiaram, de início, o movimento de 64 (como, aliás, registra nosso livro ESTADO DE DIREITO JÁ! – os trinta anos da Carta aos Brasileiros). O que realmente importa é o saldo que se obtém da atuação pública dessas pessoas e instituições, não gestos isolados, ainda que relevantes. É o que interessa no que se refere especificamente a Dalmo de Abreu Dallari.

Ele possui uma longa lista de serviços prestados em defesa da democracia e dos direitos humanos: em 1966, advogou para estudantes presos pelo regime militar, ainda no governo do marechal Castelo Branco; já em 1968, apoiou a ocupação da Faculdade de Direito da USP pelos alunos, contra a ditadura e em favor de profundas reformas no ensino jurídico; foi um notável presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e combateu o arbítrio com destemor no seu período mais cruento; já na década de 1980, como diretor da São Francisco, abriu as portas da faculdade para a promoção do debate democrático, dando voz a representantes das mais variadas organizações sociais – quem viu jamais esquecerá a cena de um Salão Nobre, nos idos de 1988, repleto de representantes do movimento de trabalhadores rurais sem-terra, em debate caloroso em prol de seus direitos e garantias fundamentais.

Professor vigoroso e jurista eminente, Dalmo Dallari é autor do clássico Elementos de Teoria Geral do Estado (Saraiva, 27ª edição), que calouros do curso de Direito Brasil afora apreciam em ritual de iniciação aos valores soberanos da Justiça e dos Direitos Humanos.

O jurista Dalmo de Abreu Dallari recebe, neste setembro de <_st13a_metricconverter productid="2007, a" w:st="on">2007, a láurea de Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em solenidade no Salão Nobre das tradicionais Arcadas. Justa homenagem.

O balanço de sua biografia não deixa margem à dúvida: Dalmo de Abreu Dallari é um democrata destemido. Um jurista comprometido com o bem-estar da civilização. Enfim, um professor emérito.

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*Diretor Editorial da Editora Lettera.doc






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