A súmula nº 736 do STF e a competência para julgar as ações por acidente de trabalho
Werner Grau Neto
Alexandre O. Jorge*
Os que advogam a tese de que a competência para apreciar e julgar ações dessa natureza seria da Justiça do Trabalho costumam valer-se do artigo 114 da Constituição Federal, que estabelece ser da Justiça do Trabalho a competência para julgar “controvérsias decorrentes da relação de trabalho”.
Já os que defendem a tese de que seria da Justiça Comum a competência para decidir as causas por acidentes de trabalho destacam tratar-se, acima de tudo, de ação por responsabilidade civil, condicionando o deslocamento de competência a processo legislativo.
Essa celeuma ganhou elemento adicional com a publicação, em 9.12.2003, do Enunciado da Súmula 736 do STF, cuja íntegra segue abaixo:
“Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.
O verbete da Súmula n.º 736 do STF tem sido utilizado como reforço à tese de que competiria à Justiça do Trabalho a apreciação e o julgamento de ações que versam sobre acidentes de trabalho.
Essa não nos parece a melhor interpretação da Constituição Federal e da orientação do STF.
O primeiro fundamento que respalda nosso entendimento dissonante é a redação do artigo 109, I, da Constituição Federal:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.”
Ora, se a Lei não contém palavras inúteis e se a Constituição Federal separou, em um mesmo rol de exceções, as causas de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça do Trabalho, é porque, evidentemente, as primeiras não são da competência da Justiça do Trabalho. Trata-se de entendimento consentâneo com a jurisprudência do STF. Confira-se ementa de recente julgado:
“Indenização por Acidente de Trabalho
Compete à justiça comum o julgamento das causas relativas a indenizações por acidente do trabalho, conforme disposto na parte final do art. 109, I, da CF. Com base nesse entendimento, a Turma manteve acórdão do Tribunal de Alçada de São Paulo que entendera competir à justiça comum o julgamento de ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente do trabalho, consistente em doença profissional adquirida da relação de trabalho. Precedente citado: RE 349.160-BA (DJU 10.3.2003). (in RE 345.486-SP, rel. Ministra Ellen Gracie, 7.10.2003)”
Mesmo os termos do artigo 114 da Constituição Federal não amparam o entendimento de que seria da Justiça do Trabalho a competência para dirimir ações por acidentes de trabalho. Confira-se a letra legal:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.” (negritos não constam do original)
Bem se vê, enquanto não houver processo legislativo tratando especificamente da matéria, a Justiça do Trabalho será absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer e apreciar as controvérsias oriundas de acidente do trabalho. A Justiça do Trabalho somente é competente para julgar ações fundamentadas em acidente do trabalho se houver pedido relacionado à reintegração no emprego ou recebimento de indenização correspondente ao período estabilitário. Caso contrário, a competência é da Justiça Comum.
Ainda que se aceite a competência da Justiça do Trabalho para julgar, genericamente, pedidos de recebimento de indenização por danos morais e materiais decorrentes da relação de emprego, a Justiça do Trabalho continua sendo incompetente para julgar pedido de indenização por danos morais e materiais quando decorrem, especificamente, de acidente do trabalho.
Os Tribunais Superiores validam tal interpretação. As Súmulas n.º 235 e 501 do STF e a Súmula n.º 15 do STJ estabelecem que a competência para processar e julgar ações decorrentes de acidentes do trabalho é exclusiva da Justiça Comum:
“235. É competente para a ação de acidente de trabalho a Justiça cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora”.
“501. Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista.”
“15. Compete à Justiça Estadual processar e julgar litígios decorrentes de acidente do trabalho.”
No nosso entender, essa realidade não se alterou com o verbete da Súmula n.º 736 do STF. Não se deve confundir ações que se refiram a descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores com ações condenatórias a pagamento de indenização, mesmo que decorrentes de acidente de trabalho por problemas de segurança, higiene e saúde ocupacional. Lá se discute a prevenção, enquanto que, aqui, se discute ilícito civil.
Nesse contexto é que, ao menos enquanto não houver processo legislativo regular em complemento à possibilidade aventada pelo Constituinte no artigo 114 da Constituição Federal, permanecerá da Justiça Comum a competência para apreciar e julgar ações por acidente de trabalho.
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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
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