Chile x Peru sobre fronteira marítima
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues*
O Peru só está errado quanto ao "método", ao "processo" adequado, mudando, sem consulta ao Chile, tratados celebrados em 1952 e 1954. Tratados, mesmo injustos, firmados sob pressão, não podem ser rompidos unilateralmente, sem a "supervisão" de uma autoridade superior. Um "terceiro", especialista e desinteressado; um "juiz" presumivelmente idôneo e eqüidistante. Se uma das partes fizer isso, usando a força, a outra vê-se obrigada a reagir, até mesmo belicamente, sob pena de desmoralização frente aos seus concidadãos, geralmente mal informados. O, por vezes, obtuso "patriotismo" obriga "reações enérgicas" por parte do governo prejudicado com o rompimento de tratados, mesmo sendo estes injustos com a outra parte. Sentir dores alheias é raridade.
Quanto ao "mérito", a substância do conflito, a razão está, tudo indica, com o Peru. Cabe, agora, à Corte Internacional de Justiça — ela deve ser convocada, com urgência — restabelecer a justiça internacional, aquela mais verdadeira, profunda, levando em conta não somente a letra dos tratados, mas a gênese deles e os critérios de equidade. Não pode só interpretar as palavras. Diz a Bíblia que "a letra mata, mas o espírito vivifica". Mesmo na justiça interna dos países, se uma das partes convencer o juiz de que um determinado contrato, ou parte dele, é fruto evidente da malandragem ou coação — física ou econômica —, com isso causando lesão injusta à parte contrária, pode, como julgador, proferir decisão que corrija a evidente injustiça implícita no contrato.
Observando-se o mapa esquemático constante do jornal "Estado de São Paulo" publicado no mês de agosto, nota-se que o Chile conseguiu, nos tratados referidos, que suas águas marítimas tivessem, como limite superior, uma linha paralela ao Equador. Com isso prejudicou seriamente o Peru porque a costa deste país faz uma curva à esquerda, na direção Oeste, com um grande estreitamento da área onde pode exercer a pesca marítima. Se não houvesse essa curva à esquerda, o Peru não poderia reclamar. Mas há a inclinação para o ocidente. Fosse essa curva ainda mais "fechada", o Peru perderia totalmente sua área de pesca em considerável extensão. Basta olhar o mapa para ver quem tem razão no mérito, embora não quanto ao "método" usado pelo Peru.
Se este país procurar a Corte Internacional de Justiça para que julgue sua reivindicação — e, insista-se, invocando a equidade — certamente ganhará a causa. E esses dois países, em disputa, não têm aquele enorme peso político que estimule a parte vencida a não cumprir a decisão. Apenas países extremamente fortes — econômica e militarmente, v.g. EUA e Rússia — podem se dar ao luxo de não cumprir decisões do mais alto tribunal do planeta. Não é o caso do Peru e do Chile.
Agora, como lembrete certamente desnecessário, espera-se que o Tribunal Internacional não seja procurado apenas para dizer se foi, ou não, "ilegal" o rompimento unilateral dos tratados já referidos. Se a Corte for indagada apenas dessa forma, estreitamente, vai dizer — amarrada tecnicamente ao pedido inicial — que o Peru está errado, violou contratos. O Peru tem que procurar a Corte Internacional para discutir, não o ato recente de romper acordos anteriores, mas a validade intrínseca dos acordos de 1952 e 1954, certamente celebrados com enorme influência da força.
Nessa recomendável futura demanda deve ingressar também a Bolívia que, há décadas, reclama uma saída para o mar. Saída que não obteve por força de sua posição mais fraca, econômica, política e militarmente. Talvez o governo do Chile — no momento sob a direção de uma admirável mulher — até veja com simpatia pessoal a reivindicação boliviana, mas a meio ignorante "patriotada", moléstia neurológica inerente a todos os países, obriga os governantes a atitudes mais rígidas e intolerantes que a opinião pessoal.
Essa divergência entre os dois países — no fundo provavelmente três, incluindo a Bolívia — se bem solucionada pelo Tribunal Internacional — não lhe faltam magistrados tecnicamente capacitados, são a nata do Direito Internacional —, não só seria extremamente benéfica à região como também mostraria à humanidade que esse Tribunal da ONU é confiável em alto grau e uma benção à Humanidade. Julgando com a verdadeira sabedoria, jurídica e moral, provaria que seus olhos vêem longe e desarmam litígios antes que se materializem.
__________________
*Desembargador aposentado do TJ/SP e Associado Efetivo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo
_________