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Assédio moral

Competitividade entre as empresas, abundância de mão-de-obra qualificada, escassez de empregos, stress, são alguns dos fatores que contribuíram para o surgimento do chamado assédio moral.

12/9/2007


Assédio moral

Luiz Eduardo Soares Martins*

Competitividade entre as empresas, abundância de mão-de-obra qualificada, escassez de empregos, stress, são alguns dos fatores que contribuíram para o surgimento do chamado assédio moral.

Nas últimas décadas, denota-se nas relações de trabalho um crescente aumento no emprego de violência psicológica, humilhação e constrangimento, situações as quais devem ser coibidas e punidas.

Por se tratar de um fenômeno recorrente no ambiente de trabalho, cresce o número de ações distribuídas na Justiça do Trabalho por empregados que visam à reparação do dano sofrido.

Em princípio, o assédio moral ainda não faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, já que compete a União legislar sobre Direito do Trabalho.

Todavia, em que pese à suposta ausência de competência para legislar acerca da matéria, o Estado do Rio de Janeiro, por meio da Lei nº. 3.921/2002 (clique aqui), inicialmente passou a dispor sobre o assédio moral, de tal sorte a proibir "o exercício de qualquer ato, atitude ou postura que se possa caracterizar como assédio moral no trabalho, por parte de superior hierárquico, contra funcionário, servidor ou empregado que implique em violação da dignidade desse ou sujeitando-o a condições de trabalho humilhantes e degradantes".

No mesmo sentido, a lei 13.288/02, vigente no município de São Paulo estabelece especificamente em seu artigo 1º que "considera-se assédio moral todo o tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional, ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar para alguém de uma área responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros" dentre outras condutas.

Diante desta realidade, o Poder Judiciário tem se posicionado independentemente da existência ou não de leis específicas, haja vista o quanto preconizado na Carta Magna acerca da dignidade humana (artigo 1º, inciso III), bem como do direito à honra (artigo 5º, inciso X) e a saúde (artigo 6º) constitucionalmente previstos.

Da análise do quanto disposto pela doutrina e jurisprudência pátria acerca da matéria, define-se assédio moral como o ato de desestabilizar o empregado, sem cunho sexual ou racial, com o ficto de afastá-lo do trabalho, por meio da prática reiterada e regular de atos ou "ataques" que causem, dentre outros sintomas, constrangimento, humilhação, descrédito ou violência à vítima.

Além das situações previstas nas referidas Leis n°. 3.921/2002 e n°. 13.288/2002 ora vigentes, respectivamente, no Estado do Rio de Janeiro e no Município de São Paulo, podemos elencar como exemplos de assédio moral: situação em que determinado indivíduo determina que o trabalhador que ocupe cargo hierarquicamente inferior seja exposto a condição de ocioso, de forma a não repassar serviços para o mesmo executá-lo; ou vincular o não atingimento de determinada meta ao pagamento de "prendas", tais como fazer abdominais ou utilizar perucas; coagir o empregado a aderir a programas de desligamento voluntário ou à demissão, dentre outras.

Frise-se que o assédio moral não se confunde com o assédio sexual, uma vez que este último decorre de relação "vertical descendente", de tal sorte que o sujeito que ocupa função hierarquicamente superior utiliza-se dessa prerrogativa para obter favores sexuais dos subordinados.

Já com relação ao assédio moral, a referida relação pode se operar de forma "horizontal", ou seja, entre indivíduos de mesma hierarquia, ou na condição "vertical ascendente", na qual determinado grupo de empregados assedia certo indivíduo que ocupa cargo ou função hierarquicamente superior.

Há que se ressaltar, ainda, a distinção doutrinária existente no que diz respeito aos conceitos de assédio moral e dano moral. Enquanto o dano moral caracteriza-se por sua facilidade de identificação, já que ocorre de forma pontual, o assédio moral pauta-se no conceito de "atos continuados", sutis e repetidos, de tal sorte a dificultar a ocorrência de sua prática.

Não obstante, caracterizado o assédio moral pela Justiça do Trabalho, às partes sujeitar-se-ão aos efeitos a seguir descritos, variáveis de acordo com a natureza dos pedidos formulados em eventual ação trabalhista interposta pelo reclamante: A rescisão indireta do contrato de trabalho - situação em que o empregado pede demissão por "falta grave da empresa", sendo assegurado ao mesmo o direito ao recebimento de todas as verbas, como se estivesse na condição de empregado demitido sem justa causa.

A indenização por "danos morais"

A indenização por danos materiais, nos casos em que o dano sofrido necessariamente precisa ser reparado, como, por exemplo, o pagamento de tratamentos médicos, gastos com remédios, dentre outros.

Por fim, faculta-se ao Ministério Público do Trabalho mover ação civil pública em face das empresas que promovam atividades que resultem em assédio moral contra grupo de empregados, devendo ser ressaltado que a indenização paga a título de dano moral coletivo será revertida ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador.

O assédio moral inevitavelmente gera um clima inamistoso, tenso, competitivo, em vista do abalo na relação interpessoal dos empregados.

Paralelamente, a empresa acaba por sofrer os efeitos gerados pelo assédio moral, dentre os quais destacam-se a queda da produtividade e a perda na qualidade do serviço executado, já que o empregado se sente completamente instável no ambiente de trabalho.

Visando minimizar os referidos efeitos causados pelo assédio moral, cumpre a empresa adotar medidas preventivas, estabelecendo programas de conscientização aos empregados, inclusive com a criação de mecanismos que permitam a denuncia quanto a eventual intimidação ocorrida, como uma "ouvidoria" ou comitê, por exemplo.

O assédio moral nas relações de trabalho apresenta dificuldades intrínsecas, fruto de divergências nas relações entre os empregados, estes últimos influenciados por elementos sociais, econômicos, culturais e históricos muitas vezes diferenciados.

Contudo, o assédio moral é uma conduta indesejada, repudiada social e economicamente, e deve ser combatido por empregados e empregadores.

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*Advogado trabalhista do escritório Neder Sociedade de Advogados



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