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A experiência das parcerias público-privadas no Reino Unido

As estruturas conhecidas como “parcerias público-privadas” (“PPP”) têm se destacado nos últimos anos como uma das principais formas de financiamento em projetos de infra-estrutura. Tais estruturas apresentam vantagens significativas quando comparadas com os mecanismos tradicionais de financiamento do governo, ou seja, arrecadação mediante tributos e empréstimos.

29/4/2004

A experiência das parcerias público-privadas no Reino Unido

 

Roger McCormick*

 

Renato Berger**

 

As estruturas conhecidas como “parcerias público-privadas” (“PPP”) têm se destacado nos últimos anos como uma das principais formas de financiamento em projetos de infra-estrutura. Tais estruturas apresentam vantagens significativas quando comparadas com os mecanismos tradicionais de financiamento do governo, ou seja, arrecadação mediante tributos e empréstimos. A vantagem de maior destaque provavelmente decorre da própria natureza da PPP, e especialmente do seu financiamento pelo setor privado (que é verificado como regra geral), que demanda uma análise excepcionalmente rigorosa (i) dos custos e cronograma de construção e (ii) da possibilidade dos custos efetivos serem suportados, direta ou indiretamente, pelos beneficiários que usufruirão do projeto uma vez concluído (muito embora seja comum a presença de subsídio parcial para o projeto).

 

Apesar da expressão PPP ser empregada de forma maleável, a legislação do Reino Unido contém uma definição segundo a qual o projeto de PPP é aquele “(a) cujos recursos são fornecidos parcialmente por um ou mais órgãos públicos e parcialmente por uma ou mais entidades privadas e (b) que é projetado no todo ou em parte para auxiliar um órgão público no desempenho de suas funções”. Uma definição menos jurídica provavelmente consideraria o fato de que um serviço até então prestado tradicionalmente pelo setor público passaria a ser prestado pelo setor privado, sendo ainda o setor privado geralmente responsável pela captação dos recursos que financiarão as obras exigidas para a prestação do serviço. Instalações de infra-estrutura que foram concluídas com sucesso dessa forma incluem hospitais, escolas, prisões, estradas (inclusive túneis e pontes) e redes ferroviárias.

 

Um dos atrativos da estrutura clássica de PPP é a determinação de um “único ponto de responsabilidade”, o que impede que o setor privado encontre desculpas para justificar falhas na construção do projeto ou prestação dos serviços. Quando essa característica é retirada ou abrandada, a documentação do projeto deve ser preparada com cuidado para definir claramente os limites de responsabilidade das partes envolvidas.

 

A decisão de considerar um determinado setor elegível para projetos PPP é antes de mais nada política. Alguns países, por exemplo, podem entender que a prestação de serviços de segurança prisional pelo setor privado é inadequada. Por outro lado, os mesmos países podem considerar adequado o envolvimento do setor privado em outros serviços prisionais, por exemplo refeitório, assistência médica e assistência educacional. Questões da mesma natureza também aparecem em hospitais e escolas, onde a qualidade dos serviços é geralmente considerada fundamental na avaliação da opinião pública sobre o governo.

 

Algumas formas de PPP não envolvem financiamento privado. Há alguns anos, por exemplo, o governo do Reino Unido desejava construir centros de detenção de imigrantes (posteriormente denominados centros de remoção de imigrantes) para abrigar, normalmente por curtos períodos, aqueles que tiveram pedido de asilo negado e outras pessoas que provavelmente seriam deportadas do Reino Unido. Na época, a construção desses centros foi considerada prioridade política e, para garantir a sua rápida execução, o governo do Reino Unido optou pelo financiamento público do projeto. Entretanto, as vantagens do conceito de “ponto único de responsabilidade” eram tão grandes que o governo utilizou uma estrutura praticamente idêntica àquela do programa prisional. Afinal, por que deveria o governo adotar uma postura mais tolerante acerca das responsabilidades do setor privado, inclusive a transferência do risco de construção e operação, simplesmente porque o financiamento seria concedido pelo próprio governo e não por bancos ou via mercado de capitais?

 

Embora muitos dos exemplos dados acima venham do Reino Unido (que se tornou um tipo de laboratório para PPPs), o conceito de PPP recebeu aceitação em diversos países. É certo que o sistema jurídico de cada país deve ser levado em consideração antes que qualquer programa de PPP seja implementado, já que nem todos países poderão beneficiar-se da abordagem relativamente liberal que é típica da common law praticada no Reino Unido. Contudo, onde há vontade política haverá uma saída jurídica, e diversos países adaptaram suas leis para acomodar projetos de PPP.

 

Do ponto de vista mercadológico, o conceito de PPP é normalmente associado a projetos de infra-estrutura. A análise de operações em outros setores, contudo, revela que PPPs existem há um bom tempo. A aparência de novidade é resultado apenas de um novo nome e do gradual refinamento e adaptação do conceito. O financiamento privado de estações de energia, tão comum em vários países na década de 90 e tipicamente lastreado em contratos de longa duração para compra de energia, é de fato baseado nos mesmos conceitos da PPP. Comparações muito próximas poderiam ser feitas também com técnicas de financiamento utilizadas com relação a recursos naturais e energéticos. A característica comum de todas essas operações, do ponto de vista do financiador, é a dependência do fluxo de caixa do próprio projeto para pagamento das respectivas dívidas, sendo limitado o acesso ao patrimônio dos patrocinadores do projeto – especialmente após o término da construção.

 

Conforme já mencionado, a transferência do risco do setor público para o setor privado é uma característica fundamental da PPP, sendo normalmente considerada a justificativa principal para o custo do financiamento (que pode ser mais elevado do que o custo de empréstimos contraídos pelo governo em certos países). A alocação de riscos é geralmente um aspecto crucial nessas operações e, consequentemente, recebe atenção especial durante a negociação da documentação. Na sua essência, o risco assumido pelo setor privado mudará significativamente dependendo da forma de geração de receitas do projeto. Se, por exemplo, o governo paga uma parcela considerável de receitas em função da disponibilidade do projeto (e não do uso efetivo), o setor privado será francamente favorecido, já que o risco de mercado será substancialmente reduzido. Levando em conta que muitas instalações de infra-estrutura não envolvem um mercado verdadeiro (podendo existir apenas um consumidor – um órgão do governo), essa forma de estruturação das receitas é relativamente comum. No tocante à construção, os procedimentos e políticas de licitação utilizados pelo governo são normalmente reforçados para PPPs, com ênfase maior dada a preços fixos, cronogramas inflexíveis e grande limitação das cláusulas de força maior.

 

Quando a estrutura da operação funciona adequadamente, o contribuinte é normalmente beneficiado. Além disso, outra vantagem naturalmente esperada é o fornecimento ao consumidor de um serviço ampliado e moderno. Mas aqui vale uma nota de cuidado. Do ponto de vista cultural e político, diversos serviços públicos são considerados responsabilidade do governo. Se o operador do setor privado falhar em sua execução, a expectativa do público será a solução do problema por parte do governo, independente de qualquer alocação de riscos prevista contratualmente. A existência de seguro comercial que cubra contingências que possam gerar tais falhas é, portanto, absolutamente crucial.

 

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* Sócio do escritório londrino King & Spalding International LLP

 

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** Tradução de Renato Berger do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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