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Ênio Zuliani: lei de imprensa

A Revista dos Tribunais colocou em circulação o livro denominado "Comentários à Lei de Imprensa" de autoria do Desembargador Ênio Zuliani, juntamente com os doutores Luiz Manoel Gomes Júnior, Frederico Augusto Monteiro de Barros, Maria Ester Monteiro de Barros, Renato Marcão e Washington Rocha de Carvalho. Cumpriram o dever bíblico de vestir os nus.

6/9/2007


Ênio Zuliani: lei de imprensa

Sérgio Roxo da Fonseca*

A Revista dos Tribunais colocou em circulação o livro denominado "Comentários à Lei de Imprensa" de autoria do Desembargador Ênio Zuliani, juntamente com os doutores Luiz Manoel Gomes Júnior, Frederico Augusto Monteiro de Barros, Maria Ester Monteiro de Barros, Renato Marcão e Washington Rocha de Carvalho. Cumpriram o dever bíblico de vestir os nus.

Historicamente a Lei de Imprensa, que é 9 de fevereiro de 1967 (clique aqui), exige dois registros importantes para o direito brasileiro. O primeiro deles refere-se à liberdade de imprensa. O segundo refere-se ao direito de haver indenização por dano moral.

Quanto ao primeiro tópico, a Lei de Imprensa tem raiz no sistema argentino, colocado em vigor na era Perón, que buscava prevenir a ocorrência de acidentes do trabalho e a multiplicação de moléstias ocupacionais. Entre outras medidas, a lei argentina proibia a instalação de oficinas impressoras no subsolo de edifícios, a pretexto de evitar danos à saúde dos trabalhadores. Ocorre que a única oficina localizada no subsolo de um edifício era do "<_st13a_personname w:st="on" productid="La Prensa">La Prensa", único órgão de oposição ao governo. A oficina foi fechada e lacrada.

A lei brasileira importou o autoritarismo de Perón. Por ela, a empresa jornalística passou a ter responsabilidade patrimonial e moral pelas notícias veiculadas, do que resultou a implantação de uma forte censura interna. Ou em palavras mais simples: o governo brasileiro não teve mais que censurar a imprensa porque ela mesma se censurava. As autoridades podiam se gabar que não censuravam, pois agiam com a mão de gato. É bem verdade que muitos órgãos não baixaram a cabeça enquanto rolava o cassetete, que, heroicamente, sofreram grandes e violentas agressões.

O segundo dado histórico se refere à indenização por dano exclusivamente moral. O Brasil foi um dos primeiros países a adotar a responsabilidade objetiva, retratada pelo decreto que, ao disciplinar as empresas ferroviárias, acabou vendo sua disciplina ser deslocada pelos tribunais para todos os demais meios de transporte.

No entanto, os nossos tribunais sempre negaram responsabilidade por dano exclusivamente moral. Vale a pena lembrar o exemplo da morte, por culpa alheia, do filho menor. Não se tratava de fato indenizável, muito embora fosse possível o ressarcimentos das despesas médicas e funerárias. Houve quem dissesse que a indenização por dano moral era imoral, pois ninguém poderia enriquecer-se dando preço à própria dor.

Num histórico julgamento, o Ministro Aliomar Baleeiro propôs um problema lógico. A se admitir a irresponsabilidade pela morte, por culpa alheia, de filho menor, o Supremo Tribunal Federal estava ensinando que na iminência de atropelar a perna de uma criança, o motorista deveria optar por esmagar a sua cabeça. A perda da perna era e é indenizável, mas a perda da vida, ainda não era.

Interessante lembrar que Clóvis Beviláqua, o autor do anteprojeto do Código Civil (clique aqui), sempre sustentou que o seu código previa a indenização por dano moral. Os nossos tribunais, lendo a mesma lei, diziam que nela não encontravam regra para reconhecer o direito.

Muitos foram os autores que criticavam o trabalho jurisprudencial, destacando que, por ele, era dado muito mais importância às coisas do que à honra. Ressaltava-se que tal orientação excluía do Código Civil grande parte dos brasileiros, que, tendo somente a honra, não tinham acesso civil para defendê-la.

Pois bem, a Lei de Imprensa iluminou a questão, reconhecendo a possibilidade de indenização por dano exclusivamente moral. Talvez tratasse de mais uma ferramenta de censura interna. Pode ser. Contudo, a coisa andou. Anos após o direito à indenização por dano moral foi positivada pela Constituição de 1988, elevando-se o direito, que é civil, para a mais alta hierarquia legal, a fim de evitar qualquer espécie de tergiversação quanto a sua existência.

O trabalho realizado pelos excelentes juristas, já nominados, entre outros méritos, tem a importância de deitar o seu olhar para a Lei de Imprensa, gestada por um governo ditatorial, pela ótica da Constituição democrática de 1988. O Desembargador Ênio Zuliani e seus companheiros cumpriram o dever bíblico de vestir os nus.

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*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor das Faculdades de Direito da UNESP e do COC.








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