O exercício de advocacia e a investigação policial
Ulysses Monteiro Molitor*
Tem como características marcantes, entre outras, a ausência do princípio do contraditório e o sigilo das investigações.
Com uso de tais argumentos, numa análise teratológica, não raramente, vislumbramos no dia-a-dia profissional e nas notícias veiculadas pela imprensa, o cerceamento do exercício da advocacia na defesa dos direitos dos investigados. Nas operações da Polícia Federal, por exemplo, famosas pelos seus peculiares nomes e pela imensa quantidade de mandados de prisão preventiva decretados e cumpridos, acompanhamos que foi preciso, em muitos casos, a manifestação judicial para garantir aos advogados dos presos o acesso aos autos do Inquérito Policial e o direito de entrevista reservada com seus clientes. Por outro lado, esse "sigilo" tem sido afastado diariamente com a divulgação pela mídia do teor das investigações, principalmente de trechos de conversas retirados de escutas telefônicas.
Não se pretende aqui criticar a necessária e coerente ação policial, nem admitir que criminosos permaneçam impunes, mas sim que estes sejam investigados e processados nos termos e limites da lei. Sobre o sigilo das investigações, dispõe o artigo n°. 20 do Código de Processo Penal (clique aqui) que "A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade".
No entanto, tal dispositivo deve ser aplicado em consonância com o Estatuto da Advocacia, Lei Federal n°. 8.906/94 (clique aqui), nos art. 7º, XIII a XV e § 1º, no sentido de que este não atinge o advogado. Cabe ressaltar que o sigilo tem como finalidade não somente o bom andamento da investigação policial para que não seja prejudicada a colheita de provas mas, também, à proteção ao princípio da presunção da inocência, de modo que o investigado não seja "julgado" e "punido" antecipadamente pela opinião pública antes da decisão judicial que será tomada após oportunidade de contraditório e ampla defesa.
Ainda que não tenha procuração, pode o advogado ter acesso aos autos de inquérito policial, pois nos termos do inciso XIV do artigo 7º da Lei n°. 8.906/94, é direito do advogado "examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos". Porém, vale ressaltar que se no curso do inquérito policial for decretada a quebra do sigilo bancário ou fiscal do investigado, se impõe a necessidade de procuração em favor do advogado para acesso aos autos.
Afastar o exame do procedimento policial ao investigado ou seu advogado seria o mesmo que admitir a existência da ficção criada por Franz Kafka, na obra "O Processo", onde o protagonista era inquirido e processado sem ter a mínima noção dos fatos que o levaram àquela situação.
Vigora também no curso da fase policial o princípio inquisitivo. É a ausência do contraditório e da ampla defesa, agindo a autoridade policial de forma discricionária na busca do esclarecimento dos fatos. Nela, não existe julgamento e nem defesa pois a finalidade do Inquérito Policial é a apuração de prova de materialidade e indícios de autoria para instruir eventual oferecimento de denúncia pelo membro do Ministério Público. No entanto, o princípio inquisitivo não autoriza o presidente da investigação ao cometimento de arbitrariedades. Já decidiu o STF que "A mera instauração de inquérito, quando evidente a atipicidade da conduta, constitui meio hábil a impor violação aos direitos fundamentais, em especial ao princípio da dignidade humana" (HC 82.969-4/PR DJ 17.10.2003).
Outro aspecto tormentoso dentro da investigação policial diz respeito a incomunicabilidade do indiciado preso. Prevista no artigo n°. 21 ("A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir") e seu parágrafo único do Código de Processo Penal, somente pode ser decretada judicialmente pelo prazo máximo de três dias, e nunca atinge o advogado. Ademais, o inciso III do artigo 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil dispõe que é direito do advogado "comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis".
No que tange ao cerceamento do exercício da advocacia, a Lei n°. 4.898, de 9.12.1965 (clique aqui), que regula o direito de representação e o processo de Responsabilidade Administrativa, Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade, em seu artigo 3º, alínea j, aduz que constitui abuso de autoridade qualquer atentado "aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional", culminando sanções administrativa e penal, de forma autônoma ou cumulada. Sem prejuízo de sanções civis, penais ou administrativas contra a autoridade policial que eventualmente impeça o exercício de direito, a negativa de permitir a entrevista reservada do preso com seu defensor ou o acesso aos autos do inquérito policial abre espaço para a impetração de Mandado de Segurança com pedido liminar, com fundamento no artigo 5.º, LXIX, da Constituição Federal (clique aqui) e no artigo 1.º e seguintes da Lei Federal n°. 1.533/51 (clique aqui).
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*Advogado, Professor de Direito Processual Penal e Prática Jurídica Penal da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (IMES)
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