Diploma para jornalistas
Cecy Yara Tricca de Oliveira*
Este assunto vem sendo discutido no Poder Judiciário recentemente. À título de ilustração, oportuno citar a ação civil pública intentada pelo Ministério Público Federal e o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo em face da União Federal, Federação Nacional dos Jornalistas e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo que tramita na 16a Vara Cível Federal de São Paulo, bem como recurso ordinário em mandado de segurança que tramita no Supremo Tribunal Federal , movido por Mariza Baston de Toledo.
De forma bastante sucinta, verifica-se a existência de duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais no tocante à necessidade do diploma de curso superior para o exercício das atividades de jornalista.
A primeira corrente sustenta ser imprescindível a existência do diploma de curso superior, em conformidade com os termos da mencionada legislação. Para esta corrente, em linhas sintéticas, a exigência do diploma garante à sociedade uma informação transmitida por profissional qualificado, possibilitando, igualmente, um certo controle ético-profissional da categoria pela atuação do respectivo sindicato.
Já para a segunda corrente, a exigência do diploma constitui afronta à Constituição Federal, uma vez que o inciso XIII, do artigo 5o, dispõe que o exercício de qualquer profissão é livre, “atendidas as qualificações profissionais que a lei exigir”. Por este mandamento constitucional, deve-se entender que é assegurada a plena liberdade de exercício da atividade, excepcionando-se, tão-somente, as atividades ligadas à vida, à saúde, à segurança, à educação e à liberdade.
Pois bem, em 18 de dezembro de 2002, foi proferida sentença pela Doutora Carla Abrantkoski Rister, na ação civil publica acima referida, abordando aspectos controvertidos da vertente questão.
Para afastar a exigência da necessidade do diploma, a insigne magistrada lembrou que: a) a regra é o direito à liberdade do exercício de profissão, nos termos dos artigos 5o, incisos IV e IX e 220, ambos da Carta Magna, b) cabe ao Judiciário verificar se a “regulamentação trazida pelo Decreto-Lei nº 972/69 atende aos requisitos necessários para perpetrar restrição legítima ao exercício das profissões”, c) exige-se do jornalista uma formação cultural sólida e diversificada, não adquirida somente com a freqüência à faculdade; d) o jornalista inepto não trará prejuízo diretamente a terceiros (escrevendo mau, não conseguirá leitores); e) a honestidade de informação é exigida para todas as profissionais, não constituindo peculiaridade das atividades do jornalista, f) pretende-se acolher uma reserva de mercado de profissionais possibilitando, inclusive, o fortalecimento de entidade sindical, a partir do momento em que tais profissionais devem efetivamente pertencer à categoria de jornalista, e g) trata-se de impor obstáculos ao acesso de profissionais talentosos ao exercício do jornalismo.
Na citada decisão, destacou-se dois entendimentos: “a) só pode exercer o ofício de jornalista quem tenha diploma atestatório de qualificação profissional e b) ao exercer seus misteres, no transmitir informações específicas e próprias de uma profissão legalmente regulamentada, o jornalista deverá ouvir quem seja formalmente “qualificado”, de acordo com a lei”.
A importância de se definir a interpretação que se pretende dar ao quanto disposto na Constituição da República é salutar, visto que, ao admitir-se a primeira interpretação, depreende-se que a norma estaria preocupada somente com aspecto formal (exigência de diploma), vez que a fidelidade às informações e atributos pessoais do profissional não seriam protegidos, a título de argumentação.
Já a segunda interpretação leva a crer que o jornalista deve obter a informação utilizando-se de fonte qualificada, que detém conhecimento específico sobre a matéria que será veiculada, o que nos parece mais consentâneo com os valores que se pretende preservar.
Ainda para afastar o artigo 4o do Decreto-lei nº 972/69, a nobre juíza lembrou o contexto histórico em que a norma foi produzida, ressaltando que: a) a elaboração do decreto foi concretizada por Ministro Militar, e não pelo Presidente da República, como lhe competia e, b) na época, imperava o regime de censura aos meios de comunicação.
Neste diapasão, a Doutora Carla Abrantkoski Rister concluiu que o artigo 4o do Decreto-lei nº 972/69 não foi recepcionado pela Carta Constitucional vigente. Além disto, no tocante à exigência de registro junto ao Ministério do Trabalho, consignou expressamente que: “(...) o registro em si mesmo não importa em qualquer cerceamento de direitos, diferentemente do que ocorre com a exigência do diploma de nível superior”.
Em virtude disto, nos termos da sentença de primeiro grau: a) a União não mais deverá exigir o diploma de curso superior em jornalismo para registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista; b) são nulos todos os autos de infração pendentes de execução lavrados contra indivíduos em razão da prática do jornalismo sem diploma.
Vale esclarecer que o processo em epígrafe foi distribuído ao Tribunal Regional Federal da 3a Região no início do corrente ano, para apreciação de recursos.
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*Advogada do escritório Rayes Fagundes & Oliveria Ramos Advogados Associados
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