Honorários na execução fiscal
Raquel Cavalcanti Ramos Machado*
Examinando esta última norma, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a mesma só seria aplicável às execuções fiscais propostas após a sua entrada em vigor, ou seja, propostas depois de agosto de 2001. A invalidade da norma, porém, não foi declarada.
Recentemente, a Corte Especial deste mesmo tribunal suspendeu a aplicação de tal norma, por entender que, pela natureza do assunto nela tratado (matéria processual), a mesma não poderia ter sido veiculada através de Medida Provisória. Apesar disso, julgados do próprio STJ e de outros juízos, proferidos após esse entendimento da Corte Especial, continuam a aplicar dita norma e têm isentado a Fazenda Pública do pagamento de honorários.
Na verdade, essa norma é inteiramente inválida e não apenas em face da forma de que se reveste, mas, sobretudo, porque viola a dignidade do advogado, o princípio da isonomia, e é ainda incompatível com a noção de que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Não deve, portanto, ser de nenhum modo aplicada.
Realmente, se a atividade do advogado é reconhecida pela Constituição como indispensável à justiça, não se admite que norma de hierarquia inferior determine a não remuneração de seus serviços, até porque essa não remuneração representa verdadeiro desestímulo. Em outros termos, não é logicamente possível desestimular o exercício de atividade que se reconhece indispensável.
Mas a violação maior é mesmo ao princípio da isonomia e à consagração do Brasil como Estado de Direito, pois enquanto todas as demais pessoas que propõem execuções claramente descabidas têm de pagar honorários ao advogado da parte contrária, mesmo quando esse descabimento é reconhecido nos autos do próprio processo executivo, o Estado (lato sensu) pretende não pagar nada. Isso equivale a autorizar ou a aceitar que o Estado possa executar mais valores indevidos do que as demais pessoas. Sim, porque a condenação ao pagamento de honorários de sucumbência está intimamente relacionada com a responsabilidade em propor ações, já que a responsabilidade, como se sabe, implica suportar os ônus, as conseqüências desagradáveis de um ato equivocado. Se o Estado não tem de suportar esses ônus, evidentemente, não terá o menor acanhamento em propor execuções indevidas.
Um exame atento da realidade revela que a propositura de descabidas execuções tem aumentado consideravelmente. E, a prevalecer o entendimento que exime a Fazenda do pagamento de honorários ao advogado do executado vitorioso, é provável que esse quadro se agrave, já que, então, a Fazenda Pública não terá nada a perder.
Os julgadores precisam atentar-se para esses dados, pois só assim o Poder Judiciário poderá ser veículo efetivo para a realização da justiça. De fato, presumir ou fingir que o Estado se comporta de um modo bem distinto do da realidade apenas contribui para que o ideal do Estado que respeita efetivamente as normas fique, cada vez mais, impossível de concretizar-se.
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* Advogada e membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários
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