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Devido processo legal e direito ao procedimento adequado

O presente trabalho versará sobre o devido processo legal e o direito ao procedimento adequado. Para tanto, partiremos de uma breve exposição da origem e evolução histórica do devido processo legal.

28/8/2007


Devido processo legal e direito ao procedimento adequado

Luciana Russo*

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho versará sobre o devido processo legal e o direito ao procedimento adequado.

Para tanto, partiremos de uma breve exposição da origem e evolução histórica do devido processo legal.

A seguir, discorreremos acerca do conteúdo da cláusula do due process of law, trazendo à baila a contribuição de importantes doutrinadores. Nesse ponto, pretendemos destacar a interligação entre o devido processo e outros importantes princípios e garantias processuais.

Sucintamente, ainda, apresentaremos o conceito de procedimento, cotejando-se com o de processo.

Partindo dessas considerações iniciais, será possível discutir a questão central do trabalho, qual seja o devido processo legal e o direito ao procedimento adequado. Consideramos interessante, para tanto, apresentá-la sob dois prismas.

Primeiramente, num plano mais teórico e filosófico, pretendemos desenvolver a idéia do devido processo substancial dirigido ao legislador na elaboração dos procedimentos. Será, assim, adequado o procedimento quando atender à efetiva garantia dos direitos fundamentais e possibilitar o respeito aos princípios decorrentes do devido processo.

Num segundo momento, enfocando, agora, o direito positivado, e tendo por premissa que os procedimentos existentes estejam em conformidade com os direitos fundamentais, apresentaremos a necessidade de sua observância, e as sanções previstas pelo ordenamento jurídico no caso de seu descumprimento.

Por fim, a título ilustrativo, serão comentados, brevemente, alguns acórdãos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

2. ORIGENS E EVOLUÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

A doutrina é unânime em atribuir a origem da cláusula do devido processo legal ao art. 39 da Magna Carta, outorgada, em 1215, por João Sem-Terra a seus barões, na Inglaterra, identificando-a como a "law of the land". A expressão "due processes of law" foi usada pela primeira vez por Eduardo III, em 1354, também na Inglaterra. Embora tivesse, originariamente, somente um sentido de luta de um grupo social, os barões, contra o poder do monarca, o alcance do devido processo foi sendo ampliado com o passar do tempo.

Trazida para as colônias da América do Norte, embora não referida na Constituição dos Estados Unidos, foi consagrada nas Emendas V e XIV. Nesse país, o devido processo evoluiu de um caráter meramente formal para um substancial, ensejando o controle de constitucionalidade de leis, sempre que estas não respeitassem o substantive due process. Além disso, de uma concepção jusnaturalista, que entendia a garantia como um princípio universal, passou-se a uma compreensão do devido processo como um princípio histórico, consoante os valores sociais vigentes num determinado tempo e lugar.

Também na civil law, a cláusula foi incorporada às constituições. Luigi Paolo Comoglio1 ressalta a tendência de universalização das garantias processuais, dentre as quais a do devido processo legal, tanto no plano interno, com a constitucionalização, quanto no âmbito do Direito Internacional, por meio de tratados e convenções internacionais.

Como referido, em sua evolução, a garantia foi além do âmbito processual, assumindo uma feição substancial. Nesse sentido, Rogério Lauria Tucci2 assevera a imperiosidade, num Estado de Direito, de um processo legislativo de elaboração da lei previamente definido e regular, e também a razoabilidade e o senso de justiça de seus dispositivos, necessariamente enquadrados nas preceituações constitucionais.

3. CONTEÚDO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Pretendemos, neste capítulo, trazer a contribuição de alguns dos importantes doutrinadores nacionais e internacionais acerca do devido processo legal, para, então, podermos traçar, em linhas gerais, o seu conteúdo.

Julio Fabbrini Mirabete3 considera o devido processo legal uma cláusula aberta, indeterminada, mas não vazia de conteúdo, dele defluindo vários princípios, que a jurisprudência vai reconhecendo e aplicando aos casos concretos. Para esse autor, a cláusula representa mais que a mera obediência à lei processual, abrigando dois pontos principais. O primeiro é o referente ao recurso a que recorre o Poder Judiciário para tornar ilegais as atividades dos Poderes Executivo e Legislativo. O segundo, ressalta o autor, citando Odone Sanguiné, não se limita à determinação processual (procedural due process), pois se estende também à garantia de direitos substanciais (substantive due process), impedindo que o gozo desses direitos seja restringido arbitrariamente.

Consoante Ernesto Lippmann4, o devido processo legal garante que todos devem poder pleitear seus direitos perante uma justiça imparcial, o que é referendado em outros pontos da Constituição, nos quais se asseguram os princípios do Juiz Natural, contraditório, ampla defesa, indeclinabilidade da prestação jurisdicional, assistência judicial aos pobres e fundamentação da sentença.

Ao versar sobre o devido processo legal, José Afonso da Silva5 ressalta que, combinado com o direito de acesso à justiça, expresso no art. 5.º, XXXV, e o contraditório e a plenitude de defesa, do art. 5.º, LV, fecha-se o ciclo das garantias processuais. Para o citado mestre, garante-se o processo, e não o simples procedimento, portanto alude-se a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso, continua o autor, aludindo a Frederico Marques, envolve a garantia do contraditório, da ampla defesa, da isonomia e da bilateralidade dos atos procedimentais.

Ada Pellegrini Grinover6 pontua que a cláusula, cujo escopo é a proteção dos direitos individuais, abrange o direito de ação e defesa, a igualdade, a imparcialidade e o contraditório. O devido processo é requisito de constitucionalidade no tocante a qualquer procedimento pelo qual possa ocorrer a perda de direitos individuais constitucionalmente garantidos.

Pedro J. Bertolino7 ressalta a função residual da garantia do devido processo legal, de suprir lacunas não alcançadas por outras garantias expressas no ordenamento jurídico, assegurando, dessa forma, a ampla proteção dos direitos fundamentais.

Antonio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover8 situam a garantia do devido processo legal e o direito de acesso à justiça como configuradores da tutela constitucional dos princípios fundamentais do processo, que, ao lado da tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária e da jurisdição constitucional, formam o Direito Processual Constitucional.

Os renomados autores ensinam que o devido processo legal é uma fórmula, um conjunto de garantias constitucionais que asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais, e que são indispensáveis ao concreto exercício da jurisdição. Assinalam, ainda, que essas garantias não servem apenas ao interesse das partes, como direitos públicos subjetivos, configurando a salvaguarda do próprio processo, como fator legitimante do exercício da jurisdição. Expõem os mestres que, na cláusula do due process, está compreendido o direito ao procedimento adequado, entendido como aquele conduzido sob o pálio do contraditório e que também seja aderente à realidade social e consentâneo com a relação de Direito Material controvertido.

Por fim, especificamente no tocante ao conteúdo do devido processo legal, os professores consideram que a fórmula se desdobre em um "rico leque de garantias específicas", dentre as quais, Juiz Natural, contraditório, ampla defesa, isonomia processual, publicidade, motivação, vedação de provas obtidas por meios ilícitos e, no campo específico do processo penal, presunção de inocência, indenização por erro judiciário, não-identificação criminal do civilmente identificado etc.

Para Rogério Lauria Tucci9, o devido processo legal, no campo penal, especifica-se nas garantias de acesso à justiça, Juiz Natural, igualdade, ampla defesa, contraditório, publicidade, motivação, prazo razoável do processo e legalidade da execução penal.

Podemos dizer, com base nessas lições, que o conteúdo do devido processo legal é abrangente, envolvendo as garantias processuais fundamentais, quais sejam o contraditório e a ampla defesa, o Juiz Natural e imparcial, a isonomia processual, a publicidade, a motivação etc. Ademais, postula-se, hoje, sua observância em seu prisma substancial, efetivo, não bastando sua mera enunciação formal. Nesse sentido, importa a estipulação pelo legislador de procedimentos adequados à tutela do Direito Material e com respeito aos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, e, ao mesmo tempo, o respeito a esses procedimentos pelos Poderes Executivo e Judiciário, tema que será desenvolvido adiante.

4. PROCEDIMENTO

Antes de adentrar a discussão quanto ao devido processo legal e o direito ao procedimento adequado, importa conceituar, ainda que concisamente, procedimento, diferenciando-o de processo.

O procedimento é, segundo Antonio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover10, o meio extrínseco pelo qual o processo se instaura, desenvolve e termina, é sua realidade fenomenológica perceptível, ou seja, é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo.

Na evolução do conceito de processo, o procedimento passou de sinônimo a aspecto secundário, sendo considerado pela doutrina atual como componente essencial do processo, ao lado da relação jurídica de Direito Processual.

Cumpre observar, ainda, que, hodiernamente, atribui-se um conteúdo teleológico ao procedimento, indo além de uma visão meramente formal, interligando-se, nesse aspecto, à garantia do devido processo legal.

Para Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhães Gomes Filho e Ada Pellegrini Grinover11, o procedimento é uma realidade complexa de constituição sucessiva, estando seus atos ligados por um vínculo necessário, de tal forma que cada um é conseqüência do precedente e, ao mesmo tempo, pressuposto e condição do sucessivo, sendo todos imprescindíveis para o resultado a ser obtido com o último ato da série, que é a sentença. Assinalam, também, que o procedimento tem sido considerado elemento essencial do conceito de processo. Por fim, enfatizam que, numa visão política do fenômeno processual, é sob o ângulo do procedimento legitimador do provimento que se insere a exigência de participação em contraditório.

5. DEVIDO PROCESSO LEGAL E O DIREITO AO PROCEDIMENTO ADEQUADO

5.1. Aspecto filosófico

Para falarmos sobre o direito ao procedimento adequado, segundo o devido processo legal, queremos neste momento discutir, num plano teórico e até filosófico, acerca da possibilidade de definir que procedimento seria esse, quais critérios e parâmetros devem e podem ser utilizados para determinar se um certo procedimento, estabelecido pelo legislador, observa ou não o devido processo legal em seu aspecto substancial, ou seja, se efetivamente assegura o respeito aos direitos fundamentais.

Jaime Bernal Cuéllar12 ressalta inexistir um padrão único entre os países quanto ao procedimento para o trâmite processual, ou seja, não há um modelo único e ideal da ritualidade processual para o descobrimento da verdade material. Por essa razão, o melhor consiste em estabelecer critérios mínimos que orientem a legislação processual penal a partir de uma noção fundamental de devido processo legal. Para esse autor, o devido processo legal formal, entendido como o cumprimento formal de uma ritualidade estabelecida discricionariamente pelo legislador, no qual o devido processo se resumiria à obediência do procedimento traçado em lei, não basta. Cuéllar afirma que é necessário ser esse procedimento consoante com as garantias fundamentais, respeitar o equilíbrio entre o direito de punir do Estado e os direitos fundamentais da pessoa, assim, ele destaca os aspectos substanciais do devido processo. Conclui que o processo, do ponto de vista material, é o método para fazer efetivo o direito substancial, preservando esse equilíbrio entre direito de punir do Estado e os direitos fundamentais.

Segundo Magalhães, no processo jurisdicional, a decisão justa e adequada aos fins da pacificação social deve advir da obediência às regras de um procedimento válido e justo, que possibilite a efetiva participação. Percebemos, assim, que não se trata simplesmente de obedecer a um procedimento preestabelecido, sendo também necessário que ele seja válido e justo, possibilitando uma participação de fato. Continua Magalhães afirmando que, para legitimar a intervenção estatal, é preciso um modelo de processo estruturado de maneira a assegurar a preservação de determinados valores compartilhados pelo grupo social, portanto devem estar presentes no processo as garantias de um desenvolvimento processual que não seja mera encenação, pura formalidade. As garantias processuais são, assim, expressão de valores fundamentais que devem informar as atividades de aplicação jurisdicional do Direito. Ademais, acrescenta, um modelo de garantias processuais funda-se na coordenação de várias garantias concorrentes, que, no campo penal, além das processuais, abarcam as garantias de caráter material.

Também Antonio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover13 destacam esse aspecto, ao ensinar que o direito ao processo, com as garantias do devido processo legal, vai além do direito à simples ordenação de atos, segundo um procedimento qualquer. Dessa maneira, o procedimento há de realizar-se em contraditório, cercando-se de todas as garantias necessárias para que as partes possam sustentar suas razões, produzir provas e influir sobre a formação do convencimento do Juiz e, ainda, para que esse procedimento, garantido pelo devido processo legal, legitime o exercício da função jurisdicional.

Ao versar sobre a garantia constitucional do devido processo legal, Tucci aponta a imperiosidade de que haja um processo legislativo de elaboração de lei previamente definido e regular, com razoabilidade e senso de justiça de seus dispositivos, necessariamente enquadrados nas preceituações constitucionais (substantive due process), a aplicação de normas jurídicas por meio de um instrumento hábil à sua interpretação e realização, que é o processo, e, por último, a assecuração no processo de paridade de armas entre as partes, expresso na igualdade substancial. Para ele, essa garantia é conferida pela Constituição, objetivando a consecução dos direitos fundamentais, mediante a efetivação do direito ao processo, materializado num procedimento regularmente desenvolvido, com a concretização de todos os seus componentes e corolários, e num prazo razoável.

De um modo geral, podemos resumir as idéias expostas acima da seguinte maneira: a elaboração do procedimento pelo legislador deve estar em conformidade com o devido processo legal, ou seja, o procedimento será adequado se efetivamente tutelar o Direito Material e respeitar as garantias que irradiam do devido processo. Surge, contudo, a indagação de como determinar exatamente e idealmente esse procedimento. Isso porque, de um lado, há o dever-poder do Estado de punir e, com isso, tutelar o interesse da vítima e da sociedade, mas, de outro, há o direito de liberdade do acusado e a indeclinabilidade do respeito a todos os seus direitos fundamentais. Resta a dúvida de como conciliar tais interesses, como traçar os limites e os critérios. Entendemos que, para compreender essas questões, seria interessante buscar alguns ensinamentos de Norberto Bobbio14 e Hannah Arendt15, pois, embora estejam tratando Direitos Humanos no âmbito do Direito Internacional, serão úteis a esta discussão.

Norberto Bobbio16 leciona que os direitos da pessoa humana, desde sua positivação no século XVIII, foram alterando-se, o que demonstra serem os mesmos direitos históricos, por mais fundamentais que sejam, pois resultam de certas circunstâncias, assinaladas pela luta em defesa de novas liberdades contra velhos poderes. É descabida a idéia de que os Direitos Humanos são transcendentais e absolutos, pois se fossem assim não teriam se modificado ao longo do tempo e não haveria empecilhos à sua efetivação, bastando demonstrá-los racionalmente. O fato de serem históricos e mutáveis não tira, porém, sua fundamental importância, muito pelo contrário. São históricos e, por isso mesmo, assim como evoluíram, deverão continuar alterando-se e ampliando-se na medida em que isso se fizer necessário para o desenvolvimento humano. Assevera-se que, justamente por seu caráter histórico, sua efetivação envolve o diálogo, o consenso, o respeito às diversas culturas.

Após a Segunda Guerra Mundial, há um consenso em torno de alguns valores serem considerados essenciais para a vida internacional, daí o tratamento universal dos Direitos Humanos. Como nos coloca Norberto Bobbio17, há uma associação indissolúvel entre Direitos Humanos, democracia e paz.

Um problema que se apresenta, ainda em nossos dias, é a questão da fundamentação de tais direitos. Explica o citado autor que há três modos de fundar valores: 1 – deduzi-los de um dado objetivo constante, como, e.g., a natureza humana; 2 – considerá-los verdades evidentes em si mesmas; 3 – perceber que eles, num dado período histórico, são geralmente aceitos – consenso. O terceiro, por apoiar-se no consenso, leva um valor a ser mais fundado quanto mais é aceito. Passa-se, com esse último, da objetividade para a intersubjetividade; não é absoluto, mas é o único factualmente comprovado. A existência de Declarações Internacionais de Direitos demonstra, justamente, que o consenso é o fundamento dos Direitos Humanos, levando a um processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais. Foi a primeira vez que um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, fazendo com que certos valores sejam universais não em princípio, mas de fato, já que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade foi explicitamente declarado. Para proteger esses direitos, não basta, contudo, proclamá-los. O problema real é o das medidas para a efetiva proteção desses direitos, no qual residem dificuldades tanto no plano jurídico-político quanto inerentes ao conteúdo.

A dificuldade referente ao conteúdo relaciona-se ao fato de esses direitos não possuírem um valor absoluto, eles são heterogêneos, sendo rara a não-concorrência entre direitos igualmente fundamentais, daí, muitas vezes, haver restrições ao exercício desses direitos. Quando a realização total, simultaneamente, de dois desses direitos é impossível, deverá haver, assim, um critério que privilegiará um em detrimento do outro. Além disso, há um problema relativo à situação socioeconômica concreta de muitos países, nos quais, por mais que esses direitos até sejam proclamados, faltam condições mínimas para poderem ser exercidos.

Com base no exposto, cabe indicar de que forma, então, efetivá-los, se não são universais nem absolutos. Justamente aí entra uma questão política, sendo necessário, para compreendê-la, recorrer a Hannah Arendt18. Para ela, a política não é o campo da razão pura, ela é dialógica, é o pensamento no plural. Nesse diálogo, chega-se a um acordo, que não tem validade universal, é um diálogo que se dá e tem validade num determinado espaço. É um pensamento que se extrai de opiniões, que implica persuasão, é o campo da opinião. Atualmente, há, porém, um risco quanto a isso, que são as novas técnicas de comunicação de massa, as quais manipulam as opiniões, daí a importância, na política, da liberdade, sendo que política e liberdade só se articulam quando existe mundo público. As instituições políticas, o Estado, não são produtos do pensamento, mas sim da ação. A ação política é o exercício contínuo da liberdade pública, que faz avançarem e viverem as instituições. No campo político, há o poder, que resulta do agir em conjunto e que requer, para ser estável, ter legitimidade, a qual deriva do início da ação conjunta que se desdobra na comunidade política, ou seja, o início da ação conjunta confere autoridade ao poder (autoridade envolve obediência, mas exclui coerção). A comunicação ilimitada e sem fronteiras, fundamento de uma filosofia da humanidade, pressupõe o diálogo com os outros; ela não exprime a verdade, mas a instaura, e a política é a área fundamental da experiência humana, na qual o tema da liberdade readquire toda a sua importância.

Essas considerações contribuem no sentido de realçar a importância do diálogo e do consenso na legitimação do poder. O procedimento a ser definido deverá, assim, respeitar as garantias processuais constitucionais, as quais expressam os valores sociais vigentes, para que seja ele adequado à luz do devido processo legal. Fica, desse modo, destacada a importância do contraditório, do direito de ação e ampla defesa, como formas de efetiva participação na formação do convencimento do Magistrado; da publicidade que possibilita um controle da atividade jurisdicional; da isonomia processual; e da motivação das decisões. O devido processo legal e todas as garantias dele decorrentes serão, assim, a chave para o equilíbrio entre o direito de punir do Estado e o respeito aos direitos fundamentais do acusado.

Nesse sentido, é o pensamento de Rogério Lauria Tucci19, para o qual a garantia constitucional do devido processo legal reclama, para sua efetivação, que o procedimento no qual este se materializa observe, rigorosamente, todas as formalidades em lei prescritas, para o perfeito atingimento de sua finalidade resolutória de conflito de interesses socialmente relevantes, seja o punitivo, seja o de liberdade. Acrescentaríamos, ainda, que, além de observar as formalidades em lei prescritas, importa igualmente observar as garantias expressas na Constituição, com o sentido que lhes dá o consenso social.

5.2. Aspecto positivo

Abordando, agora, o direito positivado, o direito ao procedimento adequado, à luz do devido processo legal, relaciona-se à observância dos trâmites legalmente previstos, como passaremos a expor.

Antonio Scarance Fernandes20, ao tratar das garantias procedimentais, arrazoa que se tratam de garantias não expressas, enquadráveis na garantia do devido processo legal, que podem ser referidas em duas linhas: garantia ao procedimento integral e garantia ao procedimento tipificado. Estabelecidos os procedimentos pela lei, há para a parte a garantia de que o Juiz irá observá-los integralmente e de que o Magistrado levará em conta a coordenação e a vinculação estabelecidas entre os atos da cadeia procedimental.

Quanto à garantia ao procedimento integral, pontua o mestre, o Juiz não pode suprimir atos ou fases, o que, se feito, acarretará uma nulidade. E, no caso de supressão de uma fase, prescinde-se da demonstração de prejuízo, o qual é imanente, por ofensa ao devido processo legal, pois, em regra, haverá cerceamento de ação ou defesa ou do direito à prova, logo haverá nulidade absoluta.

No caso da garantia ao procedimento tipificado, é defeso ao Juiz adotar, mesmo que com a concordância das partes, procedimento mais simplificado, inverter a ordem dos atos ou fases ou trocar um procedimento por outro.

Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhães Gomes Filho e Ada Pellegrini Grinover21 ensinam que a atividade processual é regulada pelo ordenamento jurídico por meio de formas, as quais devem ser obedecidas pelos que nela intervêm. A regulamentação das formas processuais constitui, para as partes, garantia de efetiva participação na série de atos necessários à formação do convencimento judicial e, para o Juiz, um instrumento útil para alcançar a verdade dos fatos que deve decidir. Dessa maneira, com a fixação de regras legais para a realização dos atos processuais, somente aqueles atos realizados conforme esse modelo serão válidos. No caso de desobediência a esse modelo, o ordenamento prevê uma sanção, expressa na inexistência, nulidade ou anulabilidade do ato.

Apontam, também, que a garantia do devido processo legal é uma qualidade do próprio processo e fator legitimante do exercício da função jurisdicional, expresso nas garantias do contraditório, ampla defesa, Juiz Natural, motivação e publicidade. A infringência a qualquer um desses princípios ou normas constitucionais resultará, portanto, em uma sanção de inexistência ou nulidade absoluta.

Advertem, por fim, que, se na cadeia procedimental faltar um ato ou for irregular, sua realização haverá nulidade, a qual poderá ser relativa ou absoluta. Isso pode ocorrer com a supressão de uma série de atos ou de uma fase procedimental, com a inversão da ordem estabelecida ou, ainda, com a adoção de um procedimento diverso do estipulado, seja mais amplo ou mais reduzido. Asseveram, igualmente, que a nulidade será absoluta se implicar prejuízo ao devido processo legal, prescindindo-se, nesse caso, de prova do prejuízo, o qual é evidente, porque as partes têm direito a que a marcha do processo seja integralmente cumprida segundo as prescrições legais.

Em remate, o procedimento pode ser visto como as regras de um jogo, que devem ser obedecidas para que seja legítima a competição. O cumprimento dos atos e fases procedimentais se impõe tanto ao Juiz quanto às partes e a todos os sujeitos que participarem do processo, isso porque o procedimento é integral. Além disso, prevendo a lei um procedimento específico para determinada relação de Direito Material controvertida, não cabe ao Juiz dispensá-la, impondo-se sua observância, em respeito ao devido processo legal. Justifica-se isso em virtude de os atos previstos na cadeia procedimental serem adequados à tutela de determinadas situações, daí serem imprescindíveis, ou seja, o procedimento ostenta uma tipicidade.

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1"I modelli di garanzia costituzionale del processo". In: STUDI in onore di Vittorio Denti. Padova: Cedam, 1994. v. 1.

2Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 64.

3Código de processo penal interpretado. São Paulo: Atlas, 2000. p. 26-27.

4Os direitos fundamentais da Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 1999. p. 198-199.

5Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 434-435.

6As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.

7El debido proceso penal. <_st13a_personname w:st="on" productid="La Plata">La Plata: Platense, 1986. p. 48.

8Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 78-85.

9Op. cit. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. p. 70-71.

10Op. cit. Teoria geral do processo. p. 275.

11As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 249-250.

12El debido proceso y esquema procesal colombiano. In: XV Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal, Bogotá, Instituto Colombiano de Derecho Procesal, 1996. p. 236-243.

13Op. cit. Teoria geral do processo. p. 84.

14A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 1-47.

15Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 9-27.

16Op. cit. A era dos direitos. p. 1-47

17Ibidem.

18Op. cit. Entre o passado e o futuro. p. 9-27.

19Op. cit. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. p. 91-94.

20Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 98-105.

21Op. cit. As nulidades no processo penal. p. 19-24 e 249-250.

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*Professora do CJDJ - Complexo Jurídico Damásio de Jesus.







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